segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Veias e vinhos

Título: Veias e vinhos
Autor: Miguel Jorge
Páginas: 262

O livro é um clássico da literatura goiana, por isso tão pouco conhecido por aqueles que não são desta terra. O livro narra a história de um crime ocorrido em Goiânia em 1957, quando a cidade ainda engatinhava.

O crime ocorreu no antigo Bairro Popular (hoje anexado ao Setor Central) onde uma família foi brutalmente assassinada, deixando apenas a filha mais nova, Ana, que a tudo assistia. Como o crime não teve solução, o romance mostra a dor e o sofrimento de Ana e os maus tratos daqueles que foram acusados injustamente. Leitura densa, mas sincera.

Trechos interessantes:

"Calmamente o céu e a noite jogavam estrelas sobre o telhado da cidade. E as estrelas empurravam a Lua para um campo limpo, de onde ela dominava sozinha um espaço azul. Uma noite de abril abrindo-se em meio a um calor novo e fácil de se aguentar." (pág. 25)

"Que surpresas agradáveis ou desagradáveis lhe concederia aquele dia? Padre Bonifácio ficou de passar na venda no final da tarde. Diabo de padre, sempre querendo dinheiro. Dinheiro. Era verdade que o bairro crescia em gente e movimento, que os negócios iam bem, mas, que diabo, dar dinheiro assim, sem mais nem menos, não era com ele. E que Deus lhe perdoasse se estava cometendo pecado." (pág. 78)

"Tinha um desejo secreto de ver o Cristo de verdade. Pensava, mas tinha medo de falar em voz alta. Estava cansado de ver o Cristo pregado na cruz, sofrendo a vida inteira. Queria ver o Cristo vivo, homem de fala humana, igual aos outros homens. Era um mistério, o Padre Bonifácio dizia, mas ele não se conformava." (pág. 101)

"Compreendeu desde o início que seu calvário começava ali. E desejou pacientemente que chegassem logo ao fim. Carregaram-no dali e o dependuraram no pau-de-arara. De cabeça para baixo, suas afirmações começaram a vacilar como seu olho direito. Apertavam mais e mais o interrogatório. O soldado deu uma risadinha, e o delegado também. Usavam de métodos e de várias possibilidades de tortura. Sabiam que mais cedo ou mais tarde ele confessaria tudo." (pág. 135)

"-Mome, vamos paperá um pouco? Onde tem um açougue por aqui?
-Açougue? Bem, ali na esquina tem um do seu Josias.
-Açougue, mome, lupanar, bordel, casa de meninas da vida. Não sabe o que é isso?" (pág. 174)

"Sei tão pouco a respeito de crimes e de prisões, não sei falar aos grandes e não tenho o menor desejo em me arrastar feito verme. Posso esperar por um instante. Por um só instante, mas com dignidade." (pág. 179)

"Chegaram uns dez carniças a fim de fazer caridade. Um arigó me cantou a cantarinha. Fiquei zurro e hurro e entrei com a capoeira, rabo-de-arraia-bico-de-papagaio-uma-dança-de-rato. Acertei um direto numa égua bonita, mandei ela ver a duvela. Mas os sacanas me encalharam enfumaçando o lupanar. Foi aí que meti o espeto no bucho dum estepe que ficou estirante. Me meteram num galinheiro e me jogaram na casa de pedra. Então, malandro, me pus frente ao alconha, sem amor, o malandro precisa de um alveitar, tá com as grampas feias. Pode abrir o bico, que sou mesmo que jorba." (pág. 202)

"[...]mas os repórteres me esperavam com máquinas fotográficas e perguntas e perguntas existem momentos decisivos na vida da gente e aquele era um deles por isso enxuguei as lágrimas e com o rosto vermelho e a voz forte rouca mesmo disse bem alto sou inocente saio da penitenciária após vinte anos de prisão dizendo a mesma frase de quando entrei sou inocente sou inocente [...]" (pág. 252)

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