sexta-feira, 26 de julho de 2019

Cicloviagens 2013


Título: Cicloviagens 2013
Autor: Caroline De Barba
Páginas: 76

Mais um livro narrando as aventuras de ciclistas por este mundo afora. Desta vez um livro pequeno, que li no percurso de uma viagem que fiz com a família. No livro a autora relata suas impressões sobre quatro circuitos conhecidos dos cicloturistas: Caminho da Fé, Circuito das Araucárias, Vale Europeu e Circuito Verde Mar.

Destes, o Vale Europeu eu já percorri. Havia agendado o Circuito Verde Mar para este ano, mas um imprevisto fez com que eu o adiasse para uma data incerta.

Uma curiosidade sobre o livro é que não há numeração de páginas, tornando difícil a indicação de trechos de leitura e demais referências.

Trechos interessantes:

“Hummm... adoro café da manhã de hotel!” Foi pensando nisso que acordei. Pensando bem, eu adoro hotel. Alguém que arruma minha cama, faz minha comida, lava minha louça... Só faltou alguém que lavasse minha roupa. (pág. s/n)

Paramos num barzinho para esperar outra tromba d’água passar. Pegamos uma estrada super enlameada o resto do caminho. Uma estrada “no meio do nada” ou, no meio de tudo que Deus fez: mato, mato, mato, algumas cercas e algum gado. Nenhuma casa, nenhuma outra pessoa, além de nós. O lugar deve ser lindo num dia de sol, mas num dia de chuva só nos fez pensar aquela célebre frase que todo ciclista já pensou: “o quê que eu tô fazendo aqui?” (pág. s/n)

No café encontramos mais um maluco com roupas de ciclista. Era Fabian Vilalta, portorriquenho que estuda em Campinas e que estava fazendo o Caminho da Fé sozinho. E agora não mais... Porque, como diz Gary Fischer, “todo ciclista é meu amigo”. (pág. s/n)

E como tudo que é ruim piora, nossa água acabou. Vimos uma bica e fomos secos nela. E mais um abalo a minha psique: a água estava suja. É nessas horas que a sede fica insuportável, quando já sentimos o gostinho da água e ela não vem. (pág. s/n)

O mais engraçado era minha elegância: eu estava de meias grossas e chinelos. Com aquela cara de cansada eu parecia uma pessoa doente. As pessoas me olhavam de uma maneira estranha na rua. Eu estava tão feliz que nem liguei. (pág. s/n)

quarta-feira, 24 de julho de 2019

O conto brasileiro hoje - volume III


Título: O conto brasileiro hoje – vol. III
Autor: Ada Pellegrini Grinover et alii
Páginas: 134

Coletânea com contos de autores novos, pelo menos para mim que ainda não havia lido nada de nenhum deles. Os contos possuem temática variada, indo do cômico ao sinistro, com leitura fácil e descontraída.

São 18 contos no total, cada um de autor diferente e, ao final de cada conto, uma breve biografia do autor. Dentre os vários que prenderam minha atenção, destaco: N., O trenzinho elétrico e O brinda da vó Anna. Boa leitura.

Trechos interessantes:

Contentamento, vaidade e auto-estima eram sentimentos que a vida praticamente me negara. Tive-os, pela primeira vez, com N., que, embora jovem, de poucos estudos, mas inteligente, dedicou-me olhos e coração de Cinderela. Médico recém-formado, embora muito deserdado, eu era, para a filha de uma simples faxineira, encantamento, conquista inimaginável. Inimaginável, entretanto, era também para ela o fato de que a pobreza, a orfandade de pais vivos, mas separados, e uma adolescência de espinhas no rosto haviam feito com que ela significasse para mim, reciprocamente, uma conquista – minha primeira namorada, o fim de uma timidez tão forte e tão antiga que chegara a me parecer congênita. (pág. 32/33)

Entrementes, Toninho caminha ligeiro de volta à casa. A caixa com seus apetrechos de engraxate é pesada; mas, esta noite não a sente. O coração bate em ritmo acelerado. O trenzinho elétrico rodopia-lhe no cérebro.
“—Eu devia ter quebrado aquele vidro com a minha caixa, pegado o trenzinho e sumido. Ninguém ia podê me pegá... — pensa, enquanto anda, já quase correndo. É... mas a professora diz sempre que não devemos roubar. O meu tio João já tá na cadeia. Mas, como é que faço para ter o brinquedo? Meu pai é pobre. Papai Noel não existe de verdade. Quando eu crescer vou ganhar muito dinheiro. Mas... será que ainda vou gostar de brincar?” (pág.61/62)

Aquele mal-estar acompanhou-me de volta à casa. Nasceu aí minha vontade de saber mais, porque os que sabiam tantas coisas, como meu irmão, eram mais fortes que outros. Então, procurei um dicionário, impondo-me a tarefa de decorar cinco palavras por dia. (pág. 79)

De noite, na casa vazia, ressoavam ecos da alegria da véspera. Chego a pensar que as nossas reuniões ficaram gravadas nas páginas do tempo, guardando partes das histórias de vida de todos que participaram conosco daqueles gratos momentos.
Tenho certeza de que esta tradição, mantida ao longo de tantos anos, fortaleceu laços afetivos e enriqueceu a memória da família, deixando boas recordações em todos nós. (pág. 95)

Fogos que iluminam o céu de meia-noite e zero hora. Um minuto divide a geração — o antes e o depois.
Sempre que supero um ritual, me olho no espelho para ver se fiquei diferente! E nada vejo, aliás, vejo minha cara de sempre, atônita. Mas sobrevivi. Passei para o outro lado. Espero os aplausos, os abraços, os votos. (pág. 103)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

O machado gentil


Título: O machado gentil
Autor: R. N. Morris
Páginas: 366

Num parque de São Petersburgo são encontrados dois mortos. Um deles foi morto à golpes de machado e o outro estava enforcado, com um machado na cintura. O investigado Porfiri não acredita que o assassino tenha se enforcado por remorso e vai, de todas as formas, tentar elucidar o caso.

A contracapa do livro traz uma comparação (forçada, é claro) com Crime e Castigo e nas notas de agradecimento o autor se justifica. No cômputo geral é uma história simples, mas bem trabalhada. Vale a leitura.

Trechos interessantes:

Caminhou penosamente, atarantada, as pernas incertas e doloridas. Em um nicho no meio do lance de escada seguinte imaginou ter visto uma figura vacilante, uma forma escura em meio às sombras escuras. Eram olhos que cintilavam na escuridão ou faíscas brancas incendiando seu cérebro? Ela estava exausta, tão cansada que não era inconcebível que seus pesadelos tivessem vindo na frente para encontrá-la. (pág. 32)

“Eu combinei com sua proprietária resolver suas dívidas aqui. Isto cobrirá a dívida?” Porfiri presenteou o estudante com cinquenta rublos.
“Por que você faria isso por mim?”
“Porque eu acredito que você tem potencial para algo melhor. Mas temo que a pobreza e a fome possam conduzi-lo a atos que você lamentará.”
“Como você pode saber tanto de mim? Nós acabamos de nos conhecer.”
“Mas eu conheci alguém muito parecido com você antes.” (pág. 87)

Por fim, Porfiri voltou o olhar para Pervoiedov. De maneira extraordinária, ele sustentou o olhar sem piscar. “Há algo que você deseja dizer?”
“Muito bem, muito bem. Vou dizer. Com todo o respeito, realmente, com extremo respeito, quero que saiba que eu detesto seus métodos.”
“Naturalmente. Você é um médico. Eu sou um investigador criminal. Nós temos propósitos diferentes, afinal de contas. Mas eu lhe pergunto, como médico, você preferiria que eu empregasse os velhos métodos para extrair informações?”
“Substituir uma forma de brutalidade por outra não é progresso.” (pág. 102)

Porfiri traçou uma linha no ar com as costas da mão, o gesto de um conjurador, enquanto conferia a fila de machados pendurados. Mas, é claro, não precisava fazer isso. Podia ver perfeitamente bem onde o machado que faltava deveria estar. E também podia supor, de sua posição na hierarquia de machados, que seu tamanho era o mesmo que o do machado ensanguentado encontrado com Boria.
Fitou o espaço vazio e se questionou sobre a mente que havia escolhido aquele machado em lugar dos três outros pendurados ali. Só havia um machado menor do que aquele que havia sido levado. Era provável que houvesse sido arrebatado com pressa. Mas, mesmo assim, algum exercício de intenção deve ter estado envolvido, consciente ou inconscientemente. Por exemplo, por que o machado menor não fora levado, pois seguramente teria sido mais conveniente? O machado, ou melhor, a ausência desse machado em particular, tinha de apontar para algo. Era precisamente por causa de um detalhe como esse que o assassino se trairia. (pág. 144)

“...Você sabe, traduzir filosofia não é uma ciência exata. Como estávamos discutindo há pouco, o tradutor precisa empregar sua imaginação. Ele primeiro tem de entender o que o filósofo pretende dizer, antes de tentar transpor o significado em outro idioma. Pegue Hegel. Ele não era entendido nem mesmo pelos alemães. Ele disse: ‘Um homem me entendeu, e mesmo assim não compreendeu’. Mas é de se admirar realmente? A linguagem, o único meio que temos disponível para expressar o pensamento, está longe de ser perfeita. Podemos dizer com certeza que existem coisas para as quais não temos palavras. As palavras simplificam e reduzem o universo. Além disso, há uma gradação de ideias que não são refletidas na natureza categórica e divisiva da linguagem. Hegel mostrou, eu acho, que é possível uma ideia conter dentro de si mesma seu oposto. Uma palavra não pode fazer o mesmo. Sim, realmente”. (pág. 178/179)

Porfiri apontou uma mão, num gesto de rejeição, para os cantos do quadro. Ele olhou para Zoia. “O que elas precisam, o que todos vocês precisam, é provisão para este mundo. Se estiver preocupada com o próximo mundo, você pode rezar. Afinal de contas, a oração é de graça.” (pág. 199)

“Deixe-me apresentar isso de outro modo. Enquanto você é mantido aqui, como nosso principal suspeito, o verdadeiro assassino acreditará que está a salvo. Ele pode baixar a guarda. Pode até se revelar por algum equívoco involuntário. Se nós o libertarmos, ele sentirá que está de novo sob suspeita. É natural, é a neurose natural de um criminoso. Ele começará a desejar saber o que você disse, ou o que poderia dizer. Irá tentar estabelecer ligações. Ele atormentará o próprio cérebro, tentando lembrar-se de todas as conversas que alguma vez chegou a ter com você, até se lembrar da ocasião em que, de certo modo, deixou escapar aquele detalhe incriminador.”
“E se eu não conhecer esse sujeito?”
“Oh, não tenha ilusões, meu amigo. O assassino é um conhecido seu. Alguém que você conhece, alguém que o conhece.” (pág.206)

Os olhos do menino se arregalaram no rosto manchado de carvão. “Assassinato!”
“Sim.”
“Há uma recompensa?”
“Você terá a satisfação de saber que cumpriu seu dever como um súdito leal do tsar.”
“Isso não é bem uma recompensa.”
“Talvez eu devesse lhe explicar como funcionam os sistemas legais. Não se trata de ganhar recompensas por fazer seu dever, e sim de ser penalizado por não cumpri-lo. Se você não me der a informação que exijo, eu posso prendê-lo.” (pág. 209)

“Agora eu realmente já ouvi bastante dessa cansativa tolice. O fato é, Porfiri Petrovitch, que eu não poderia ter sido o assassino de Boria, ou de Goriantchikov. Eu estava a mil verstas daqui, em Optina Pustin. Se você tivesse se dado ao trabalho de conferir meu álibi, teria se poupado o embaraço de fazer estas acusações absurdas e bastante infundadas.”
“Eu conferi seu álibi. Sempre suspeito das pessoas que se dão ao trabalho de produzir um álibi antes de serem acusadas de qualquer coisa, como você fez.” (pág. 345)