domingo, 25 de agosto de 2013

Rosinha, minha canoa

Título: Rosinha,minha canoa
Autor: José Mauro de Vasconcelos
Páginas: 204

Zé Orocó é um sujeito simples, amigo de todos os índios e que vive subindo e descendo os rios com sua canoa. Só tem um problema: Zé orocó conversa com sua canoa, tratando-a como um ser humano. Um dia, chega um médico ao povoado, descobre o "problema" de Zé Orocó e resolve interná-lo para que seja curado.

Um sujeito que nunca fez mal a ninguém e que é estimado por todos, de repente, é jogado num manicômio e fica ali vegetando, enquanto a vida passa por ele. Por que uma coisa simples, que ajuda o homem do interior a suportar a dureza do dia a dia, prejudica tanto os homens que vivem na cidade e nada sabem do sertão?

Trechos interessantes:

"Diversas vezes ele demonstrara o seu jeito de compreender um mundo. Mar era coisa que não existia mesmo. O máximo da coisa era o rio dividindo a terra. Rio, sabia que havia muito, mas mar!... Onde se viu uma besteirada daquelas? Um aguão absurdo cheio de sal? Só a gente besta podia acreditar naquilo. Como é que podia ser? Então não chovia nunca em cima do mar? E se chovesse, como é que o sal não se dissolvia? E se não chovesse, como é que o mar enchia sempre, conforme contavam?..." (pág. 17)

"- Sabe de uma coisa, dotô? Eu corri mais foi dela. Essa coisona aí sem jeito cum vóis de fêmea qui nunca encontrô macho deu em cima de mim qui num foi vida. Munta veis eu vinha carreteando o gado e ela tava lá na pinguela da Matroca, sentada em cima dos morão, cum as perna balançano, cum a saia alevantada, dano corrente de ar na aranha, pensano qui eu quiria quarqué coisa. Mais cumigo não, muié tem que sê gente e não essa melancia espetada em duas flecha..." (pág. 19)

"A chuva bocejou:
- Viu, minha filha? Não é assim tão difícil nascer.
- Mas dói um pouco...
- Se não doesse a vida não teria preço." (pág. 34)

"- Que é garimpeiro?
- Uma espécie de homem que pega diamante.
- E o que é diamante?
- Diamantes são pedacinhos de gotas do Sol que caem dentro dos rios e se transformam em estrelas que viram diamantes. Os homens se matam por causa dos diamantes." (pág. 40)

"Lembrou-se de que, quando era menino e estudava na cidade, nos colégios de padres, o exemplo que davam da Eternidade era assim: 'Se um pombo, de mil em mil anos, viesse à Terra e levasse um grãozinho de areia de cada vez, quando se gastasse a areia do mundo inteiro a Eternidade ainda estaria começando'. Mas que besteira, Deus do Céu! Onde já se viu um pombo com uma desgraçada de uma vida tão comprida?" (pág. 78)

"A velha lá de dentro fez parar o reumatismo e cortou o frio:
- Minha fia, pulo amô de Deus! Dexe de falá nessa palavra senão minhã a gente sofre de um naufrage...
Chica Doida se impacientou:
- E agaranto que seria mió do que vivê penano de romatismo nesse raio de mundo. Que diabo os véio que já vevero tanto tem tanto medo da morte?" (pág. 90)

"Ia morrer. Morrer de todo, porque desde que a gente nasce vai morrendo aos pedacinhos, como se fosse um jogo de dor para armar. Quando fica completo, então pronto, rebenta, some, descansa." (pág. 161)

"Voltou da mesma maneira e se sentou perto de Zé orocó, alisando a dorzinha dos rins.
-Tamo véio, Zé orocó!
-É, Frô,a gente passa e a vida fica.
Foi tudo que disseram deles. Depois começaram uma conversa sobre a vida dos outros, porque velho mesmo só serve para acompanhar o que vem ou o que foi. Eles sabiam disso e se respeitavam." (pág. 180)

sábado, 17 de agosto de 2013

Não matem as flores

Título: Não matem as flores
Autor: Johannes Mario Simmel
Páginas: 626

Cansado de sua vida, sua esposa, sua rotina, o famoso advogado Charles Duhamel resolve abandonar sua vida e começar outra. Aproveitando um acidente de avião (no qual é dado como morto) utiliza-se de documentos falsos e transforma-se em outra pessoa. Agora, com o nome de Peter Kent, volta novamente a sentir alegria pela vida. Encontra a companheira ideal e tudo se encaminha para um futuro promissor.

Mas sua esposa, convencida de que ele não morreu no acidente aéreo, resolve mover céus e terra para provar que o marido ainda está vivo, com um nome falso em algum lugar. Satisfeito com sua nova vida, Peter não tem nenhuma intenção de retornar à antiga. Conseguirá Charles/Peter ocultar para sempre a sua existência?

Trechos interessantes:

"Tive de pensar na frase do filósofo Ernest Bloch, que escreveu: 'O ser humano precisa pelo menos de uma pequena visão de algo apaziguador que lhe traga alegria.' Simplesmente tem de ter alguma coisa, ou não conseguirá viver." (pág. 17)

"E pensei que não era a morte que resolvia todas as coisas. Não, era a vida que punha um fim em tudo, a grande felicidade e o grande amor. E fiquei muito triste." (pág. 32)

"-Deus! Deus do céu!Faça passar logo! Me deixe viver! Sim, agora eu rezava para um Deus em quem não acreditava. Quem pode entender isso? Pessoas com a minha doença entendem. Num acesso de angina pectoris acredita-se em Deus." (pág. 127)

"O minuto era o seguinte: na velha Rússia (talvez ainda hoje, quem sabe?) era costume, especialmente no campo, todos ficarem quietos um minuto na casa quando alguém iniciava uma grande viagem. Nesse minuto os outros pensavam nele, rezando para que nada de mal lhe acontecesse, para que ele não ficasse doente e sua viagem fosse bem-sucedida, e também os que não rezavam lhe desejavam isso." (pág. 151)

"Quando me contou sua história disse que sua pena elevada fora correta, pois matara um ser humano. E objetei que o homem se salvara. 'Por sorte', disse, 'senão seriam dois.' Referia-se ao outro, o falso Hans Taler, a quem raptara da prisão de Kufstein com seus amigos e tivera de matar. Disse-lhe que se não tivesse feito isso talvez tivessem sido assassinadas mil pessoas, e ele respondeu: 'É verdade. Mas matei uma pessoa. E quem mata um ser humano destrói um mundo inteiro'." (pág. 184)

"...e então me ocorreu uma frase que lera certa vez num livro: 'Se cada pessoa do mundo quisesse fazer feliz só uma única outra pessoa, o mundo todo seria feliz'." (pág. 193)

"-É uma coisa tão perversa - disse ela. - Pensamos na Polônia, e temos medo e compaixão. E no Chile e em El Salvador ninguém pensa, e ninguém tem medo, e ninguém sente compaixão, embora lá aconteçam coisas horríveis, nessas ditaduras.
-É porque a Polônia é perto, e El Salvador e Chile ficam tão longe - disse eu. - Mas que mundo é este, em que se tem compaixão e medo segundo a geografia?" (pág. 252)

"Pensando no que fiz, tenho horror de mim mesmo. Um grande escritor escreveu que o ser humano é um abismo." (pág. 296)

"Andreia era louca por saladas. Tirava o avental colorido de cozinha antes de começar a comer, e alegrava-se como uma criança quando eu dizia que tudo estava saborosíssimo. Acho que se devia dizer isso muitas vezes a uma mulher que além das outras tarefas ainda se dá o trabalho de cozinhar. Mulheres recebem tão pouco reconhecimento pelos seus inúmeros afazeres domésticos." (pág. 330)

"-E tem mais uma coisa, muito importante. Além do medo ainda temos a angústia. Uma diferença gigantesca! Pode ler em qualquer dicionário: medo é uma sensação que nasce de uma ameaça real, ou perigo real. Angústia nasce de ameaças e perigos indefinidos. Quem tem medo pode se defender, mas não quem tem angústia, por não saber do quê e contra quê. A angústia faz ficar doente. Quem tem neurose de angústia tem de ir ao psiquiatra." (pág. 346/347)

"Alguma coisa de todas as pessoas permanece na Terra. A figura da pessoa desaparece, mas tudo o que ela teve de bom, de melhor, continua no mundo. Por isso, na verdade cada pessoa é um mundo inteiro." (pág. 388/389)

"O famoso psicólogo Bruno Bettelheim disse: 'O ser humano não pode se preocupar com tantas coisas ao mesmo tempo, por isso um medo facilmente substitui o outro'." (pág. 510)

"Oelschlegel levantou-se e foi até uma grande seringueira num canto da sala. Pegou um regadorzinho de plástico vermelho e começou a regar cuidadosamente a árvore. Via-se que a amava. Talvez não tivesse mais nada para amar. Qualquer pessoa precisa ter uma coisa para amar. O juiz de instrução criminal Dr. Hans Oelschlegel amava uma seringueira." (pág. 578)

"De quanta coisa vamos nos lembrar, meu bem, de quanta coisa! Pois o que é o amor, senão lembrança?" (pág. 626)

sábado, 10 de agosto de 2013

Heresia

Título: Heresia
Autor: S. J. Parris
Páginas: 360

Heresia é um romance histórico baseado na vida do filósofo Giordano Bruno, que foi perseguido pela igreja romana devido às suas ideias, muito avançadas para a época. Na história do livro, Giordano é convidado para um debate em Oxford, onde pretende defender as ideias apresentadas por Copérnico.

Durante sua estada acontecem alguns assassinatos misteriosos e ele acaba se envolvendo, na tentativa de solucionar as mortes. A história é uma aventura policial no século XVI, cheia de emoções e reviravoltas. Para os fãs do gênero, o livro certamente agradará.

Trechos interessantes:

"- E minha filha, Sophia. - Como pode perceber, dei a ela o nome grego da sabedoria.
- Nesse caso, seus pretendentes poderão se chamar verdadeiramente de 'filósofos' - respondi sorrindo para a moça. - Os que amam Sophia." (pág. 51/52)

"- Amanhã à noite, feiticeiro - sibilou com um sorriso desdentado -, você irá contradizer as devotas certezas deles, e estarei lá na primeira fila para aplaudir. Não porque eu apoie suas ideias heréticas, mas porque admiro os homens destemidos. Restam muito poucos neste lugar." (pág. 65)

"No mesmo instante eu soube o que significava aquilo, porque meu anfitrião, o embaixador francês, trabalhava com tais calendários na embaixada: os números em vermelho mostravam a data de acordo com o novo calendário, introduzido em fevereiro do ano anterior pelo papa Gregório, e que agora era obrigatório nas nações católicas, por ordem da bula papal Inter gravissimas. Ele não fora adotado pela Inglaterra e por outros países protestantes da Europa, num gesto contundente de desafio à autoridade papal, mas muitas vezes eu ouvira o embaixador se queixar de que isso tornava extremamente confusa a correspondência entre os representantes dos diferentes países, porque ninguém tinha muita certeza da data a que se fazia referência." (pág. 92)

"Seria necessário um ato realmente excepcional de imaginação para explicar por que eu me trancara no quarto recém-revirado de um homem que acabara de morrer, e por que agora segurava seu cofre no meu colo empapado de sangue." (pág. 94)

"- Nosso traço menos atraente como nação é essa convicção da nossa superioridade." [referindo-se à Inglaterra] (pág. 126)

"Você só sabe o valor de um lar quando o perde." (pág. 138)

"Àquela altura, já fazia tempo suficiente que eu estava na Inglaterra para saber que sopa era um prato resultante da mistura de aveia com o sumo que sobrava do cozimento da carne, uma coisa que por direito deveria ser servida ao gado, mas que os ingleses pareciam considerar um acréscimo indispensável a qualquer mesa." (pág. 166)

"Vi homens serem assassinados com a displicência de garotos atirando pedras em passarinhos, esfaqueados pelos sapatos que calçavam ou pelas poucas moedas que tinham, e vi a lei desviar os olhos, porque era trabalhoso demais levar alguém à justiça. Porque, para a lei, os mortos valiam tão pouco quanto aqueles que os haviam matado, e que provavelmente seriam mortos no dia seguinte, por sua vez. E tenho a convicção de que nenhuma vida humana vale tão pouco que, ao ser encerrada pela violência, devamos dar de ombros para o crime e deixar um assassino impune. É por isso que eu me envolvo, Mestre Slythurst: isso se chama justiça." (pág. 204)

"- É gentileza sua reservar um tempo para me ouvir, senhor. Quer dizer,visto que estamos em posições diferentes.
- Se vamos falar de posições, Thomas, não nos esqueçamos de que você é filho de um professor de Oxford e eu sou filho de um soldado. Mas pouco me interessam essas distinções... Ainda me atrevo a esperar pelo dia em que as pessoas serão julgadas pelo seu caráter e suas realizações, não por seu sobrenome paterno." (pág. 210/211)

"Fiquei tão confuso e amedrontado que me peguei concordando com afirmações que sabia não serem verdadeiras. É estranho como a pessoa disposta a julgar alguém culpado é capaz de fazê-lo acreditar na própria culpa, mesmo quando ele sabe que é inocente. Tive medo de condenar a mim mesmo por engano." (pág. 218/219)

"- O livro. Primeiro me diga quanto está disposto a pagar por esse manuscrito.
- Primeiro eu precisaria vê-lo - respondi, impassível. - Quanto quer por ele?
- Essa é uma pergunta difícil, Bruno. É que o valor de um objeto, qualquer que seja, depende inteiramente do desejo que o outro tem dele, não é?" (pág. 272)

"- Não odeio ninguém. Só quero que me deixem em paz para compreender os mistérios do Universo à minha maneira.
- Deus já nos exibiu os mistérios do Universo, ou tantos quantos permite que o homem compreenda. Você acha que seu jeito é melhor?
- Melhor do que essas guerras de dogmas que têm levado as pessoas a incendiar e retalhar umas às outras por toda a Europa, durante 50 anos? Sim, acho." (pág. 325)