domingo, 23 de junho de 2019

Vá, coloque um vigia


Título: Vá, coloque um vigia
Autor: Harper Lee
Páginas: 252

Este livro é uma espécie de continuação de outro livro da autora (O sol é para todos). Aqui, Jean Louise, já adulta e morando em Nova York, retorna à cidade natal para visitar o pai e relembra antigos fatos vividos por ela. Mesmo após vários anos ela descobre que o preconceito ainda está presente em toda aquela gente.

Pessoalmente, achei a história em si menos cativante que o livro anterior, mas as discussões e ensinamentos relacionados ao preconceito são enriquecedores e garantem um resultado satisfatório.

Trechos interessantes:

Quando Alexandra frequentou a escola de etiqueta e boas maneiras, o conceito de autocrítica não constava em nenhum dos livros, então ela não conhecia seu significado; jamais se entediava e, se tivesse a menor oportunidade, exercia sua prerrogativa real: resolvia, aconselhava, advertia e prevenia. (pág. 30)

Jean Louise nunca tinha conseguido chegar a uma conclusão sobre se o golpe de Sinkfield foi sensato; colocou a jovem cidade a trinta quilômetros do único meio de transporte coletivo da época, os barcos fluviais, de forma que um homem que morasse no sul do condado levava dois dias para ir comprar mantimentos em Maycomb. Consequentemente, a cidade ficou do mesmo tamanho por mais de um século e meio. Sua principal razão de ser era o governo. O que a salvou de ser mais um encardido povoado do Alabama foi o grande número de profissionais de todo tipo: ia-se a Maycomb para arrancar um dente, consertar a carroça, ter o coração auscultado, depositar dinheiro no banco, tratar das mulas, salvar a alma, prorrogar a hipoteca. (pág. 43/44)

—Não sabe como agarrar uma mulher, querido? —Ela esfregou a mão na cabeça como se tivesse o cabelo cortado à escovinha, franziu a testa e disse: —A mulher gosta que seu homem seja dominador e, ao mesmo tempo, distante, se é que isso é possível. Ele deve fazer com que ela se sinta indefesa, embora saiba que ela consegue aguentar várias toneladas sem muito esforço. Jamais deve demonstrar insegurança na frente dela e em hipótese alguma deve dizer que não a entende. (pág. 47)

O segundo impulso de Jean Louise foi culpar o pastor, um tal de Sr. Stone, jovem que, na opinião do Dr. Finch, possuía o maior talento para o tédio já visto em um homem de menos de cinquenta anos. Não havia nada de errado com o Sr. Stone a não ser o fato de que ele possuía todas as qualificações necessárias para um contador: não gostava de gente, era rápido com números, não tinha senso de humor e era um tolo. (pág. 89)

O segredo de vida de Atticus Finch era tão simples que por isso resultava profundamente complexo: enquanto a maioria dos homens tentava estar à altura dos códigos de conduta que escolhia, Atticus seguia o dele ao pé da letra sem alarde, sem ostentação e sem questionamentos existenciais. Era a mesma pessoa em casa e fora dela. Seu código de conduta era a ética simples do Novo Testamento, e a recompensa eram o respeito e o afeto de todos que o conheciam. Era estimado até pelos inimigos, pois jamais os considerava como tal. Nunca tinha sido um homem rico, mas era a pessoa mais rica que os filhos conheciam. (pág. 106)

—Mesmo lendo tanto livro, você é a menina mais ignorante que já vi. —A voz dela baixou um pouco — Mas acho que nunca teve chance de aprender. (pág. 127)

"Dizem que quando a dor fica insuportável, o corpo se defende, você apaga e não sente mais nada. Deus nunca nos dá mais do que conseguimos suportar..." (pág. 132)

Nunca fui ensinada a pensar em termos de 'crioulos'. Cresci no meio de negros, Calpúrnia, o lixeiro Zeebo, o jardineiro Tom, e outros, quaisquer que fossem seus nomes. Havia centenas de negros ao meu redor; eles eram as mãos nos campos, os que colhiam o algodão, os que trabalhavam nas estradas, os que cortavam a madeira para construir nossas casas. Eram pobres, sujos e doentes, alguns eram preguiçosos e indolentes, mas nunca na vida fui ensinada a desprezá-los, temê-los, faltar-lhes com o respeito ou maltratá-los, e achar que ia ficar por isso mesmo. Como povo, eles não invadiam o meu mundo, nem eu o deles; quando ia caçar, não invadia as terras dos negros, não porque fossem terras de negros, mas porque eu não devia invadir as terras de ninguém. Aprendi a nunca me aproveitar de ninguém menos afortunado que eu, fosse em termos de inteligência, dinheiro ou posição social — ninguém, não apenas os negros. E aprendi que fazer o contrário era desprezível. Fui criada assim, por uma negra e um branco. (pág. 165)

—Estou apenas tentando mostrar o que há por trás dos atos de um homem — disse ele calmamente. —Um homem pode parecer fazer parte de algo que à primeira vista não é bom, mas você não pode julgá-lo antes de saber seus motivos. Um homem pode estar fervendo de raiva por dentro, mas sabe que uma resposta serena é melhor do que um ataque de fúria. Um homem pode condenar seus inimigos, mas é mais sensato conhecê-los. Eu disse que às vezes temos de fazer...
—Está dizendo que temos de seguir a corrente e, quando chegar a hora... — interrompeu ela.
Henry a encarou.
—Escute, querida. Já lhe ocorreu que os homens, principalmente os homens, precisam se adaptar a certas exigências da comunidade em que vivem para poderem servir a ela? (pág. 211/212)

—[...]é sempre fácil olhar para o passado e ver como éramos ontem ou dez anos atrás. Difícil é ver o que somos hoje. Se conseguir fazer isso vai sobreviver. (pág. 243)

O preconceito, uma palavra suja, e a fé, uma palavra sagrada, têm algo em comum: os dois começam onde termina a razão. (pág. 245)

—Muito bem, se não vai me deixar dizer o que Melbourne disse, vou usar minhas próprias palavras. É quando estão errados que os seus amigos mais precisam de você, Jean Louise, e não quando estão certos... (pág. 246)