sexta-feira, 29 de maio de 2020

Melodia mortal


Título: Melodia mortal
Autor: Pedro Bandeira e Guido Carlos Levi
Páginas: 240

Achei fantástica a ideia do livro: desentranhar a causa mortis dos gênios da música e tratá-las como se fossem mistérios que pudessem ser elucidados pelo grande Sherlock Holmes. E devo acrescentar que o resultado foi primoroso e nos encanta e diverte ao mesmo tempo.

Os temas foram bem escolhidos e, melhor ainda, bem trabalhados, assemelhando-se muito às histórias de Sherlock Holmes. Cada “morte” dos gênios divide-se em duas partes: na primeira é apresentada a “elucidação do crime” por Holmes e Watson e, na segunda, um grupo de médicos adeptos das histórias de Holmes se reúne para discutir o caso.

Trechos interessantes:

— Eu não preciso ter estado presente ao ato de um crime, Watson — explicava-me ele. — Basta que me sejam relatados dois detalhes da ocorrência, ainda que separados e distantes, mesmo que do passado, para que a lógica do meu raciocínio trace a linha reta que unirá esses dois pontos e me apontará o culpado. (pág. 12-13)

— Um absurdo, Watson! Para ouvir de novo a ária de alguma ópera, ou uma sonata de Beethoven, ou alguma peça de Liszt, ou uma polonaise de Chopin, tenho de esperar que algum solista, ou alguma orquestra se compadeçam de mim e apresentem-se no Royal Opera House, no King’s Theatre, no Drury Lane, ou no Covent Garden! Por que a inventividade britânica ainda não nos ofereceu alguma forma de ouvir de novo uma música que nos tenha encantado? (pág. 37)

Todos ergueram suas taças, menos Sheila, que cruzou os braços.
— Humpf... Esse vinho é também a maior parte da conta que teremos que pagar!
As risadas continuavam, mas De Amicis, um cardiologista calmo, de fala mansa e pausada, tinha a virtude de conseguir a atenção de todos, mesmo sem erguer a voz.
— Beba, cara Sheila! Um tinto de qualidade, para alegrar seu coração! De corações eu entendo, minha querida colega. Até mesmo figurativamente! (pág. 66)

Os ousados começam, mas só os determinados terminam! (pág. 84)

— Continuamos com problemas nas colônias, cavalheiros, especialmente na Índia... E as providências do primeiro-ministro não estão trazendo os resultados esperados. Pelo jeito devemos aguardar para breve uma mudança no gabinete, não lhe parece, senhor Shaw?
— Que seja breve mesmo, senhor Holmes. Porque, na minha opinião, as fraldas e os políticos devem ser trocados com frequência. E pelo mesmo motivo! (pág. 91)

— Brilhante, senhor Holmes! O senhor não se contentou com as explicações óbvias do inspetor. Nada mais perigoso do que o óbvio. Nenhuma pergunta é tão difícil de responder quanto aquela cuja resposta é óbvia! Como sempre digo, um vencedor é aquele que sai em busca de oportunidades e, se não as encontra, ele as cria! (pág. 96)

— [...] Lembro-me de ter assistido a uma aula na faculdade de música, na qual um famoso maestro destacara os três B – Bach, Beethoven e Brahms — como os maiores gênios da História da Música. E eu, um simples ouvinte, ousei interpelá-lo, protestando pela exclusão de Mozart. O maestro sorriu, encarou-me docemente e respondeu: “Meu jovem, todos aceitamos que Bach, Beethoven e Brahms foram gênios imensos, mas sem perder sua característica humana. As partituras de Beethoven, por exemplo, mostram inúmeras alterações e correções, enquanto as de Mozart contêm um mínimo de anotações, como se a arte nele brotasse pronta, irretocável, contínua e naturalmente, desde a infância até o último minuto de sua vida. Mozart foi mais que um ser humano. Mozart foi... foi um anjo! Ninguém se compara a ele, como não se comparam discursos com sonhos, como não se comparam seres humanos com anjos...” (pág. 117/118)

— Freud?! O criador da psicanálise? Sigmund Freud?
Com os olhos fixos no recém-chegado, Holmes entusiasmava-se.
— Ele mesmo! Parece ter adivinhado nossa discussão sobre a loucura, meu caro Watson. Como o restaurante está lotado, vamos convidá-lo à nossa mesa!
Meu coração de médico provinciano saltou-me do peito.
— Imagine, Holmes! Um homem importante como ele! Esse professor já é um mito! Ele pode nos ignorar!
— Bobagem, Watson — argumentou meu amigo —, os grandes gênios costumam ser indivíduos humildes, pois têm consciência do grão de areia que somos no universo. São na verdade modestos, como eu! (pág. 171)


Freud e Holmes entendiam-se perfeitamente, pois a língua alemã era uma das muitas que meu amigo dominava, embora eu deva confessar que desse idioma eu não entendia nenhuma palavra. E como pode eu, sem nada entender da língua alemã, estar relatando o que foi conversado naquela ocasião? E eu respondo: É mesmo! Como eu pude? Mas deixemos de lado esses detalhes e continuemos a narrativa, pois o que eu pensava naquela hora é que o mundo seria bem mais esclarecedor se todos falassem inglês. (pág. 172)

— Interessante, herr Holmes... perdoe-me a franqueza de um psicanalista, mas essa é a minha Ciência. Sabe que o dedo médio é considerado um órgão sexual? E que também é certo que o fornilho do cachimbo signifique um perfeito símbolo da vagina com o fumo no papel dos pelos pubianos? Assim, qualquer psicanalista que tivesse lido meus escritos poderia dizer que esse seu gesto lascivo de apertar o fumo no fornilho do cachimbo com o dedo médio, como se acariciasse um clitóris, é uma típica demonstração de carência de sexo...
Holmes franziu suas peludas sobrancelhas e, estendendo o olhar para o médico, devolveu a provocação:
— Verdade? Por outro lado, em seus escritos, o senhor informa que o charuto é o mais óbvio dos símbolos fálicos. Assim, como poderia ser interpretada sua maneira de preparar o charuto, envolvendo-o e umedecendo-o dentro da boca?
Freud não se deu por achado.
Às vezes, herr Holmes, um charuto é apenas um charuto.
— E quase sempre, professor Freud, um cachimbo é apenas um cachimbo! (pág. 183-184)

— [...] Para pescar o peixe, meu caro amigo, não precisamos saber em que ponto do lago ele se encontra. Basta jogar a isca e esperar que ele morda! (pág. 217)

sábado, 23 de maio de 2020

Corrente sanguínea


Título: Corrente sanguínea
Autor: Tess Gerritsen
Páginas: 416

Após a morte do marido, Claire e seu filho adolescente se mudam para uma cidadezinha do interior do Maine, chamada Tranquility. Ela é média e tenta reconstruir sua vida, mas esbarra na resistência das pessoas por ser ela uma forasteira. Além dos problemas pessoais, Claire também terá que se preocupar com crimes violentos que começam a surgir na pequena e tranquila cidade.

Romance médico-policial-investigativo de leitura fácil, cuja história transcorre seguindo o que era de se esperar. Mas não é um daqueles romances em que a história fica gravada em sua mente. Não espere muito... somente o trivial.

Trechos interessantes:

Quem é aquela menina?, pensou. Não sei mais o nome dos amigos do meu filho. Ocupo apenas um cantinho de seu universo. Ela sabia que isso aconteceria: o afastamento, a luta do filho por independência, mas não estava preparada. A transformação ocorreu subitamente, como se um bom menino tivesse saído de casa certo dia e um estranho tivesse voltado no seu lugar. (pág. 17)

— Seu filho desarmou o outro menino — disse Lincoln. — Foi uma maluquice. E um ato de muita coragem. Ele provavelmente salvou algumas vidas. — Lincoln voltou o olhar para Noah e acrescentou em voz baixa: — Deveria se orgulhar dele.
— Não fui corajoso — desabafou Noah, que se afastou de Claire e, envergonhado, enxugou os olhos. — Eu estava com medo. Não sei por que fiz aquilo. Não sabia o que estava fazendo...
— Mas fez, Noah. — Lincoln pousou uma das mãos sobre o ombro do menino. Era o cumprimento de um homem, brusco e simples. Noah pareceu se fortalecer com aquele toque. Uma mãe, pensou Claire, não pode ordenar como cavaleiro o próprio filho. Aquilo precisava ser feito por outro homem. (pág. 81)

Era chocante confrontar aquela imagem assustadoramente familiar da Sra. Horatio antes dos quilos extras, das rugas e do cabelo grisalho e dar-se conta de que aquela fotografia fora tirada quando ela não era muito mais velha do que ele. O que acontece quando envelhecemos?, perguntou-se. Para onde vai o jovem dentro de nós?
Noah parou diante do caixão. Estava fechado, o que era uma bênção. Ele não se achava capaz de olhar o rosto da professora morta. Era terrível o bastante imaginar como ela devia estar, oculta sob aquela tampa de mogno. Ele não gostava muito de Dorothy Horatio; nem um pouco, na verdade. Mas hoje conhecera seu marido e sua filha adulta, vira ambos chorando, abraçados, e dera-se conta de uma verdade contundente: que até mesmo as Sras. Horatio deste mundo são amadas por alguém. (pág. 109)

Rachel Sorkin era uma pessoa de fora, a mulher de cabelos negros que morava sozinha à margem do lago. Sempre fora assim durante muitas eras: a jovem mulher solitária se tornara objeto de suspeita, de fofoca. Em uma cidade pequena, é a anomalia que requer explicação. É a sereia do povoado, a tentação irresistível para maridos até então virtuosos. Ou é a megera que homem nenhum deseja desposar ou a fêmea anormal com desejos sobrenaturais. Se é atraente, como Rachel, exótica, ou peculiar em seus gostos e caprichos, então a suspeita vem misturada com fascínio. Fascínio que pode se tornar obsessão para alguém como Mairead Temple que se aborrecia o dia inteiro em sua cozinha enfumaçada, fumando cigarros que prometiam glamour, mas que só lhe davam bronquite e dentes amarelados. Rachel não tinha dentes amarelos. Rachel era bela, desimpedida e um tanto excêntrica. (pág. 162)

Hormônios são produtos químicos produzidos por criaturas vivas. Plantas, animais, insetos. Eles afetam nossos corpos de modos diferentes. (pág. 190)

Após oito meses, quantas pessoas ela realmente conhecia? Fora advertida de que seria assim, que os habitantes do lugar eram desconfiados com forasteiros. As pessoas de fora surgiam no Maine como fiapos de lã, ficavam uma ou duas estações e então se espalhavam aos quatro ventos. Não criavam raízes ali, nenhuma memória ou permanência. Os nativos do Maine sabiam disso e recebiam cada novo residente com suspeita. Perguntavam-se o que trouxera aquele estranho ao seu meio, quais segredos escondia em sua vida anterior. Perguntavam-se se não trazia consigo a mesma doença da qual tenta fugir. Vidas que não davam certo em uma cidade frequentemente não davam certo em qualquer outra. (pág. 201)

— Leva tempo, Claire. Você é de fora, e as pessoas precisam se acostumar à sua presença e ter certeza de que você não vai abandoná-las. É aí que Adam DelRay tem uma vantagem. Ele cresceu aqui, e todos acham que ele vai ficar. O último médico de outro estado que veio para cá ficou menos de oito meses. O que veio antes dele ficou menos de um ano. A cidade acha que você também não vai querer ficar. Estão retraídos, esperando para ver se você consegue suportar o inverno. Ou se vai embora da cidade como os outros dois.
— Não é o inverno que está me expulsando. Posso suportar a escuridão e o frio. O que não dá para aguentar é a sensação de não pertencer ao lugar. De que jamais vou pertencer. — Ela inspirou profundamente e sua raiva de repente se dissipou, deixando apenas uma sensação de cansaço. — Não sei por que achei que isso daria certo. (pág. 278)

— Cara, você certamente tem alguns problemas sociológicos graves nesta cidade. Mas não culpe os jovens. Olhe para os adultos. Quando as crianças crescem em meio à violência, aprendem a resolver os problemas da mesma forma. Papai idolatra a toda poderosa espingarda e, por esporte, sai de casa e faz picadinho de um veado. Júnior entende a mensagem: matar é divertido.
— Essa é uma explicação óbvia demais.
— Nossa sociedade glorifica a violência! Então, colocamos armas nas mãos dos adolescentes. Pergunte a qualquer sociólogo. (pág. 291)


Toda noite vou dormir esperando não despertar, desejando não acordar. E toda manhã, quando abro os olhos, fico desapontado. As pessoas acham que é uma luta permanecer vivo. Mas sabe, esta é a parte fácil. A parte difícil é morrer. (pág. 327)

domingo, 17 de maio de 2020

Um mundo brilhante


Título: Um mundo brilhante
Autor: T. Greenwood
Páginas: 336

“O que fazer quando o mundo em que você vive não é o lugar a que você pertence? ” Esta é a frase da capa do livro e que atraiu a minha atenção e que despertou o meu interesse pela leitura. Mas confesso que o resultado foi aquém do esperado. A frase inicial causa mais impacto que o livro em si.

A história não tem muitos desdobramentos e com um final previsível. Ao tentar resolver o caso de um jovem que foi assassinado e deixado na sua calçada, Ben acaba se envolvendo com a irmã do morto, colocando em xeque o seu relacionamento com Sara com quem planeja se casar.

Trechos interessantes:

Não havia como compartilhar aquela dor com alguém que nunca conhecera a tristeza. Seria como tentar explicar o que é a cor vermelha a um homem cego. Tentar descrever a neve a alguém que nunca sentira frio. (pág. 31)

Era assim que ele se sentia em relação à Sara às vezes. Ben sabia que o seu modo de agir a magoava, que fazia mal a ela. Ele estava destruindo o que restava de algo que outrora fora bonito. Mas não conseguia resistir. Havia algo estranhamente atraente quando imaginava até onde poderia ir antes que ela desse um basta naquilo. Talvez houvesse uma alegria cruel em saber que alguém não vai revidar, não importa o que você faça. É o tipo de alegria que faz seu estômago se revirar de enjoo. O tipo de alegria que faz com que sinta vergonha da pessoa em que se transformou. (pág. 46)

Há dois tipos de alunos que escolhem as aulas das 8 horas: os que vão muito bem na matéria e os que vão muito mal. Os que vão muito bem são aqueles que acordam preparados para assistirem às aulas do dia, aqueles que vão dormir cedo durante a semana, os que fazem sua lição de casa e que tiram dúvidas com os professores após as aulas. Aqueles eram os alunos que conseguiam se formar em quatro anos, o que não era pouca coisa em uma cidade com tantas oportunidades de distração e diversão. Os alunos que iam muito mal eram aqueles que se esqueciam de matricular até que todas as aulas oferecidas em horários mais confortáveis estivessem cheias. Eram aqueles que estavam no 5º, 6º ou 7º ano da faculdade e que precisavam frequentar aquela aula para conseguir se formar. E aquilo criava uma dinâmica terrível na classe. Os alunos que iam muito bem se sentavam na primeira fila, erguendo as mãos, oferecendo respostas sempre que Ben lhes fazia alguma pergunta. Os alunos que iam muito mal se amontoavam nas fileiras de trás, brigando contra o sono ou enviando mensagens de texto sobre como a vida é injusta, click-click-clack, durante a aula inteira. (pág. 79/80)

Com as provas finais marcadas para a semana seguinte, todos os alunos que passaram as noites de semana em festas, que dormiam até mais tarde, ou que matavam aula para praticar snowboarding repentinamente haviam se transformado em pessoas estudiosas. De verdade. Ele via isso acontecer todo semestre. Havia algo de mágico no fim do semestre. Essa época fazia com que os alunos começassem a acreditar em milagres. Era a época em que começavam a trabalhar animadamente, tentando absorver treze semanas de informação, na esperança de poderem abarcar todo o conteúdo. Era quando começavam a negociar, a implorar e a rezar. (pág. 148)

Ben se agarrou com força.
Ele se agarrava a cada momento, porque sabia como as coisas podiam acontecer. Não era assim que tudo sempre acontecia em sua vida? Um presente recebido e algo que era tirado dele? Durante toda a sua vida não ficava sempre esperando pelo próximo golpe? (pág. 219)

Segredos. Como pequenos sapos escondidos em seu bolso. Não se pode esquecer deles porque estão sempre se mexendo ali dentro, contorcendo-se, tentando escapar. Você sabe que, a qualquer momento, um deles pode conseguir subir e pular para fora do seu bolso, revelando-se para o mundo com um coaxado estridente. E quanto mais você se esforça para tentar contê-los, para tentar escondê-los, mais se esforçam para escapar. (pág. 285)

Esperança. Ele sabe agora que a esperança é uma criança abortada, concebida, mas nunca realizada. É o sonho que termina enquanto ainda estamos adormecidos. A oração que não recebe resposta. É simplesmente o cordão frágil ao qual um homem desesperado se agarra, mesmo quando ele se desenrola, desenrola e desenrola. (pág. 336)