terça-feira, 9 de abril de 2013

Barro blanco

Título: Barro blanco
Autor: José Mauro de Vasconcelos
Páginas: 234

Os livros de José mauro,em sua maioria, ambientam-se na selva bruta, geralmente nas regiões de Pará, Mato Grosso e Goiás. Esse foge à regra e retrata a cidade de Macau, no Rio Grande do Norte. Muda-se o cenário, mas a ideia central é a mesma: a dificuldade enfrentada pelo homem simples, seja ele um pescador, um roceiro, um garimpeiro...

Neste livro José Mauro nos apresenta as salinas do Rio Grande do Norte e como elas conseguem destruir o ser humano. Chicão, um homem forte e trabalhador, é expulso do sertão pela seca que assola a região e vai acabar nas salinas onde, pouco a pouco, vai perdendo a alegria e a saúde. Não seria preferível ter ficado no sertão, mesmo com a seca?

Trechos interessantes:

"Mas seu marido não queria nada com o trabalho honesto. Era malandro debaixo de toda a luz do dia e por cima de toda a escuridão da noite." (pág. 40)

"Margarida Papo Amarelo saiu do banho. Enxugou o corpo. Começou a se vestir. Penteou-se. Arrepiou os cabelos que eram quase negros à custa de Juventude Alexandre. Jogou sobre o corpo um vestido verde. Um verde perereca. E saiu.
Margarida Papo Amarelo num vestido verde perereca, numa demonstração de patriotismo brasileiro, passou pela sala e falou para as meninas.
-Filhinhas, ajeitem-se. Ajeitem-se que hoje vai ser um grande dia." (pág. 44/45)

"O sorvete ia ser vendido por toda parte. Tabuleiros de cocada, rolete de cana, peixe frito, batata doce assada, de tapioca, seriam espalhados por todos os cantos e vendidos de noite à luz acesa do bico de acetileno. Aquele cheiro de carbureto entraria pelos narizes, sem consideração alguma e ninguém estranharia. Aquele odor era característico das festas pobres do Norte." (pág. 56)

"E no dia seguinte, nas folhas sociais de 'O Clarim', viria a fotografia estampada com bonitas palavras:
'NUM PRÉLIO RENHIDO E DISPUTADO FOI SAGRADA RAINHA DO ESTRELA DO PROGRESSO, A SENHORITA (ali todas as moças eram senhoritas. Podia ser casada, viúva, solteira, amancebada, sendo moça, era senhorita. Mas isso não sai no jornal.) FULANA DE TAL, QUE VENCEU AIROSAMENTE AS SENHORITAS BELTRANA E SICRANA, CLASSIFICADAS CONJUNTAMENTE EM SEGUNDO E EM TERCEIRO LUGARES'..." (Pág. 62)

"Tinham deixado a criança ali perto do Rancho de Pedro Azevedo, porque sabiam da fama de bondade do fazendeiro. Descobririam o menino e tomariam conta dele. É muito mais fácil se ter pena de uma criança do que de uma pessoa grande. Mesmo na seca esses sentimentos não mudam." (pág. 82)

"Para que estudar? Perder um tempo enorme, três horas por dia, cansando a bunda num banco de pau da escola e ouvir a voz esganiçada de Dona Maria da Penha, retinindo no ouvido? Para quê? Quando lá fora, havia um sol danado. O açude que estava cheio d'água, cheio de marreca?" (pág. 84)

"Pedro Azevedo falara uma vez para ele:
-Mas, compadre Venâncio, essas meninas trabalham demais. Deixa essas meninas descansar...
-Num vê que não, cumpade Pedrinho. É melhó que elas trabaie muito, mode de noites elas drumire bem e num ficare viçando...
Pobre compadre Venâncio que não queria que as filhas viçassem." (pág. 102)

"A miséria humana se desenvolveu tremendamente enquanto o sertão minguava, a ponto de expelir a gente que nascera ali, para outras partes. Os homens ressequidos, as mulheres cadavéricas, as crianças barrigudas e amarelas, invadiam as cidades. Estendiam as mãos ossudas e pediam mais vida do que esmola. E os olhos do povo da cidade se enchiam mais de nojo que de piedade. Aquela miséria não comovia o coração, mas incomodava os olhos." (pág. 104)

"A história dos trabalhos das salinas é muito simples. Num instante se decora. Parecida com a saúde que, num instante, se acaba." (pág. 156)

"Depois, as almas caridosas trouxeram uma rede e colocaram o homem podre dentro. Arranjaram um pau que nem um 'calão' e colocaram nos punhos da rede. Encaminharam-se para o cemitério. De vez em quando, como o corpo pesasse muito, paravam. Descansavam o cadáver no chão. Cortavam varas no mato e davam surras no corpo enrolado. Era crença de certos sertanejos, que o corpo pesava demais por causa dos pecados que levava. E que com aquelas pancadas, os pecados seriam purgados.
Era tudo aquilo, obra do sal. Obra do sol." (pág. 175)

"Alguém tinha dito ou fora ele mesmo? Estava se confundindo. Alguém dissera que de fome ainda se pode morrer, mas de sede, não há quem deixe de enlouquecer." (pág. 218)