quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Campo de estrelas

Título: Campo de estrelas
Autor: Thales Guaracy
Páginas: 192

Ivan é um publicitário de 40 anos que descobre a existência de um câncer e procura, de todas as formas possíveis, lutar contra esse mal. Seu pai, Marcial, revela que pretende percorrer o "Caminho de Santiago" e Ivan espera se curar brevemente para acompanhar o pai nessa jornada.

Enquanto isso, Ivan vai relembrando a grande aventura que fizera, junto com o pai, a Machu Picchu. Lembra as dificuldades, as angústias, os mistérios e a recompensa por ter concluído o passeio, apesar de tantas adversidades. Com isso, Ivan vai usando as lembranças da viagem realizada para amenizar os sofrimentos de sua doença, enquanto imagina realizar a nova aventura com o pai.

Trechos interessantes:

"O homem que pregava a racionalidade acima de tudo, que divinizara a força da palavra, acreditara na onipotência do pensamento, dava uma vitoriosa guinada para os caminhos etéreos da mais deslavada religiosidade. A racionalidade é a ilusão dos intelectuais. Sendo um deles, Marcial descobrira que sabia tanto quanto outros com menos estudo, que aceitavam os mistérios da vida sem discussão ou preocupação lógica." (pág. 8)

"-Passei a vida aprendendo nos livros - disse Marcial; enquanto falava, sua voz ia se apagando, até se tornar um murmúrio. -Descobri que o grande aprendizado é com as pessoas." (pág. 10)

"A dramaticidade se acentuava pelo fato de que nunca fora hospitalizado, nem tivera problemas mais grave - na infância, sequer quebrara um braço. Imaginara que adoecer seriamente, andar numa cadeira de rodas ou depender de algum aparelho para viver devia ser insuportável. Porém, sentindo-se ligado à vida somente por aquele canudo incorporado à genitália, dispunha-se a arrastar aquele apêndice para sempre caso necessário. Pela sobrevivência, aceitava até virar terminal de uma garrafa plástica." (pág. 23)

"O efeito mais devastador da doença ocorria na sua cabeça, onde o rato da dúvida roía-lhe a paz. A vida antes era o futuro; de repente, podia ser apenas o passado. A súbita consciência da condição humana lhe caíra como um raio." (pág. 25)

"Lá, numa pequena sala, havia um brasão da República colado na parede, atrás de uma mesa onde repousavam alguns carimbos e uma efígie de Nossa Senhora Aparecida. Aquele era o posto de fronteira da Polícia Federal. Nem isso aliviou Ivan. Se aqueles eram os policiais por ali, imaginava os fora-da-lei." (pág. 35)

"Na Bolívia, como Ivan já pressentira, valia mais que em qualquer outro lugar a máxima de que o ruim sempre pode piorar." (pág. 41)

"Dizem que os cães são capazes de recuperar a consciência de forma imediata. Graças a isso, por exemplo, podem escapar de um atropelamento, passando do sono à ação sem nenhum estágio intermediário, ao sentir no corpo o roçar do pneu." (pág. 52)

"A Bolívia tinha tão poucas cidades importantes que todas se consideravam capitais de alguma coisa. La Paz era a capital política. Oruro ficava sendo a capital cultural. A Santa Cruz coubera o título de capital econômica do país." (pág. 71)

"Antes, quando achava que nada mais tinha a aprender, Ivan acreditava que a humildade era a virtude de quem não tinha outra. Aprendia agora a humildade mais genuína, não ligada à pobreza ou falta de ambição, mas a ensinada pela absoluta necessidade do ser humano do seu semelhante. Ele, que se achara auto-suficiente por tanto tempo, via naquelas circunstâncias quanto dependia dos outros." (pág. 88)

"-Existe um monte de coisa que uns farsantes vendem por aí - disse Roger. -Nada disso garante a cura. Mas, se você quiser tomar o chá, creio que pelo menos não te fará mal.
-E se eu ficar curado?
-Aí você vai dizer que foi o chá, e não o médico, mas tudo bem - disse ele, rindo.' (pág. 122/123)

"Ivan voltou à rotina, mas passou a desfrutar mais do seu bem-estar. A experiência do câncer o modificara. Não estar melhor nem pior do que ninguém já era um privilégio. Dava valor ao simples fato de não precisar ir ao banheiro a todo instante, ou não ter dor ao urinar. Operações do dia-a-dia, antes despercebidas, como o mero ato de respirar, ganhavam nova magnitude." (pág. 139)

"A saúde plena é uma bênção impagável a que se dá o devido valor somente quando a perdemos." (pág. 139)

"A cabeça fazia toda a diferença. Viver pensando na morte é morrer mil vezes todos os dias, tirando o próprio prazer da vida." (pág. 189)

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