quarta-feira, 26 de abril de 2017

A elegância do ouriço

Título: A elegância do ouriço
Autor: Muriel Barbery
Páginas: 350

Renée Michel é a zeladora de um prédio luxuoso em Paris. Mas ela não é como a maioria das zeladoras. Ela não vê televisão, tem um gato chamado Leon e uma paixão incrível pela leitura. Renée é uma zeladora culta mas a última coisa que ela quer é mostrar isso, para todos ela quer passar a ideia de que é uma zeladora comum.

Quando um novo morador muda-se para o hotel seu plano ameaça ruir já que o Sr. Ozu (o novo morador) suspeita que ela é muito mais que uma simples empregada. Será que vale a pena continuar fingindo ser uma pessoa comum ou seria melhor entregar os pontos e desfrutar de uma amizade conjunta?

Trechos interessantes:

"Aparentemente, de vez em quando os adultos têm tempo de sentar e contemplar o desastre que é a vida deles. Então se lamentam sem compreender e, como moscas que sempre batem na mesma vidraça, se agitam, sofrem, definham, se deprimem e se interrogam sobre a engrenagem que as levou ali aonde não queriam ir." (pág. 19)

"Aprendi a ler sem ninguém saber. A professora ainda repetia as letras para as outras crianças, e eu já conhecia havia muito tempo a solidariedade que tece os sinais escritos, suas infinitas combinações e os sons maravilhosos que tinham me investido naquele local, no primeiro dia, quando ela dissera meu nome. Ninguém soube. Li como uma alucinada, primeiro escondido, depois, quando o tempo normal da aprendizagem me pareceu superado, na cara de todo mundo mas tomando o cuidado de dissimular o prazer e o interesse que tirava daquilo." (pág. 45)

"Os que sabem fazer fazem, os que não sabem fazer ensinam, os que não sabem ensinar ensinam aos professores, e os que não sabem ensinar aos professores fazem política." (pág. 57)

"O gato, dorme.
Repito, para que não fique nenhuma ambiguidade: O gato vírgula dorme.
O gato, dorme.
A senhora poderia, receber.
De um lado, temos este fantástico uso da vírgula que, tomando liberdades com a língua, pois em geral não se põe vírgula antes de locução conjuntiva aditiva, magnifica a forma." (pág. 116)

"Todas as famílias felizes se parecem, mas as famílias infelizes o são cada uma a seu jeito é a primeira frase de Ana Karenina, que, como toda boa concierge, eu não deveria ter lido, assim como não me é conferido o direito de ter estremecido por acaso ao ouvir a segunda parte dessa frase, num momento de graça, sem saber que era de Tolstoi, pois, se as pessoas do povo são sensíveis à grande literatura sem conhecê-la, a literatura não pode pretender ter essa visão abrangente em que as pessoas instruídas a colocam." (pág. 144)

"A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes." (pág. 152)

"Mamãe anunciou ontem à noite, no jantar, como se fosse um motivo para o champanhe correr a rodo, que fazia dez anos exatos que ela havia começado sua 'aanáálise'. Todos concordarão em dizer que é ma-ra-vi-lho-so! Acho que só mesmo a psicanálise para concorrer com o cristianismo em matéria de amor aos sofrimentos que duram. O que mamãe não diz é que também faz dez anos que toma antidepressivos. Mas, visivelmente, não liga uma coisa à outra. Acho que não é para aliviar suas angústias que toma antidepressivos, mas para suportar a análise." (pág. 176)

"Há sempre a via a facilidade, embora eu repugne tomá-la. Não tenho filhos, não assisto televisão e não acredito em Deus, e são esses todos os sendeiros que os homens pegam para que a vida lhes seja mais fácil. Os filhos ajudam a diferir a dolorosa tarefa de enfrentar a si mesmo, e depois os netos que se virem. A televisão distrai da extenuante necessidade de construir projetos com base no nada de nossas existências frívolas; embaindo os olhos, ela livra o espírito da grande obra do sentido. Deus, enfim, acalma nossos temores de mamíferos e a insuportável perspectiva de que nossos prazeres um dia chegam ao fim. Assim, sem futuro nem descendência, sem pixels para embrutecer a cósmica consciência do absurdo, creio poder dizer que não escolhi a via da facilidade." (pág. 187)

"Então, de repente pensei: Théo talvez tenha vontade de queimar carros, mais tarde. Porque é um gesto de cólera e de frustração, e talvez a maior cólera e a maior frustração não seja o desemprego, não seja a miséria, não seja a ausência de futuro: seja a sensação de não ter cultura, porque a pessoa está dilacerada entre culturas, símbolos incompatíveis. Como existir se não sabemos onde estamos?" (pág. 276/277)

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