Autor: Olavo de Carvalho
Páginas: 616
O livro é uma coletânea de artigos do autor, publicados em diversos
jornais dos quais o mesmo era colunista, no período de 1997 a 2013. Os artigos
versam sobre diversos assuntos (cultura, ciência, educação, religião,
socialismo, etc.) e têm por objetivo, sob um viés filosófico, discutir os
principais problemas do Brasil e o consequente agravamento dos mesmos nos
últimos tempos.
Dado o volume de páginas e a linguagem culta e rebuscada, o livro não é
um atrativo para grande parte dos brasileiros que mal conseguem ler o
horóscopo. Uma pena, pois o conteúdo é de alto nível e sua leitura é essencial para,
no mínimo, fomentar no leitor a curiosidade e o interesse em se aprofundar mais
nos temas tratados. O título talvez seja um pouco forte, mas concluída a
leitura, você já terá dado um passo para esquivar-se da alcunha de alienado
social.
Trechos interessantes:
Os pequenos canalhas se aproveitam da idiotice pronta. Os grandes a
fabricam. (pág. 18)
“É natural no ser humano o desejo de conhecer”. Quando li pela
primeira vez esta sentença inicial da Metafísica
de Aristóteles, mais de quarenta anos atrás, ela me pareceu um grosso exagero.
Afinal, por toda parte onde olhasse – na escola, em família, nas ruas, em
clubes ou igrejas – eu me via cercado de pessoas que não queriam conhecer
coisíssima alguma, que estavam perfeitamente satisfeitas com suas ideias toscas
sobre todos os assuntos, e que julgavam um acinte a mera sugestão de que se
soubessem um pouco mais a respeito suas opiniões seriam melhores.
Precisei viajar um bocado pelo mundo para me dar conta de que
Aristóteles se referia à natureza humana em geral e não à cabeça dos
brasileiros. (pág. 37)
O nosso próximo na medida em que o elevamos à altura dos anjos.
Fazemos-lhe o mal quando o rebaixamos à condição de bichinho, seja com
maus-tratos, seja com afagos. (pág. 59)
O pragmatismo grosso, a superficialidade da experiência religiosa, o
desprezo pelo conhecimento, a redução das atividades do espírito ao mínimo
necessário para a conquista do emprego (inclusive universitário), a
subordinação da inteligência aos interesses partidários, tais são as causas
estruturais e constantes do fracasso desse povo. Todas as demais explicações
alegadas – a exploração estrangeira, a composição racial da população, o
latifúndio, a índole autoritária ou rebelde dos brasileiros, os impostos ou a
sonegação deles, a corrupção e mil e um erros que as oposições imputam aos
governos presentes e estes aos governos passados — são apenas subterfúgios com
que uma intelectualidade provinciana e acanalhada foge a um confronto com a sua
própria parcela de culpa no estado de coisas e evita dizer a um povo pueril a
verdade que o tomaria adulto: que a língua, a religião e a alta cultura vêm
primeiro, a prosperidade depois. (pág. 67)
Repetidamente um fenômeno tem chamado a atenção de professores
estrangeiros que vêm lecionar no Brasil: por que nossas crianças estão entre as
mais inteligentes do mundo e nossos universitários entre os mais burros? Como é
possível que um ser humano dotado se transforme, decorridos quinze anos, num
oligofrênico incapaz de montar uma frase com sujeito e verbo? (pág. 67/68)
As prefeituras e governos estaduais nos advertem, em cartazes
piedosos, para não dar esmolas. Sim a caridade individual está em baixa. Os
frutos da bondade humana não devem ir direto para o bolso do necessitado: devem
ir para as ONGs e os órgãos públicos, sustentando funcionários e diretores,
financiando movimentos políticos, pagando despesas de aluguel, administração,
publicidade transporte, para no fim, bem no fim, se sobrar alguma coisa, virar
sopa dos pobres, diante das câmeras, para a glória de São Betinho. (pág. 80)
E, embora ninguém atribua às atuais democracias a virtude da
perfeição, há um consenso geral que Norberto Bobbio resumiu com uma sentença
lapidar: “A única solução para os males da democracia é mais democracia. ”
(pág. 103)
O remédio para os males da democracia não está em mais democracia:
está em reconhecer que a democracia não é o remédio de todos os males. (pág.
106)
A mais criminosa ilusão da modernidade foi persuadir os homens de que
podem enobrecer-se mediante a identificação com uma “causa”, quando na verdade
todas as causas, enquanto nomes de valores abstratos, só adquirem valor
concreto pela nobreza dos homens que a representam, O fundo da degradação se
atinge quando algumas “causas” são tão valorizadas que parecem infundir
virtudes, automaticamente, em qualquer vagabundo, farsante ou bandido que
consinta em representá-las. (pág. 141)
A “luta contra a miséria” continua sendo o principal pretexto moral do
socialismo, mas a verdade é que a maior contribuição do socialismo à vitória
nessa luta seria simplesmente cessar de existir. Do mesmo modo, o protesto
inflamado contra qualquer violência antissocialista é um persistente leitmotiv do discurso de esquerda, mas
nenhum regime direitista jamais matou, prendeu ou torturou tantos militantes
esquerdistas quanto Stalin, Mao, Pol-Pot ou Fidel Castro. (pág. 145)
Aristóteles, Descartes e Leibniz ensinavam que, quando você tem um
problema grande, a melhor maneira de resolvê-lo é subdividi-lo em unidades
menores. A retórica globalista nada pode contra essa regra de método. Ampliar a
escala de um Problema jamais pode ser um bom meio de enfrentá-lo. A experiência
de certas cidades americanas, que praticamente eliminaram a criminalidade de
seus territórios usando apenas seus recursos locais, é a melhor prova de que,
cm vez de ampliar, é preciso diminuir a escala, subdividir o poder, e enfrentar
os males na dimensão do contato direto e local em vez de deixar-se embriagar
pela grandeza das ambições globais. (pág. 161/162)
Nunca me preocupei muito com a formatação editorial daquilo que tenho
a dizer. Investigo os assuntos que me interessam e, quando chego a algumas
conclusões que me parecem razoáveis, transmito-as oralmente ou por escrito
conforme as oportunidades se apresentam. Transformar isso em “livros” é uma
chatice que, se eu pudesse, deixaria por conta de um assistente. (pág. 186)
O clamor obsessivo dos intelectuais, dos políticos e da mídia pela
“supressão das desigualdades” e por uma “sociedade mais justa” pode não
produzir, mesmo no longo prazo, nenhum desses dois resultados ou qualquer coisa
que se pareça com eles. Mas, de imediato, produz ao menos um resultado
infalível: faz as pessoas acreditarem que o predomínio da justiça e do bem
depende da sociedade, do Estado, das leis, e não delas próprias. (pág. 198)
“Todos os pecados se apegam ao mal, para que se realize”, dizia Santo
Agostinho: “Só a soberba se apega ao bem, para que pereça”. (pág. 227)
O estudante universitário brasileiro lê em média menos de dois livros
por ano, e nem por isso deixa de receber seu diplominha e tornar-se, no devido
tempo, chefe de departamento, reitor ou ministro.
Um amigo meu, nascido e criado no morro da Rocinha, no Rio de janeiro,
confessava: “Sofri mais discriminação na favela, por ler livros, do que aqui na
cidade por ser preto.” (pág. 252)
A inteligência e o talento são dons inatos, que a natureza ou a
providência distribuem desigualmente aos seres humanos, criando entre eles urna
diferenciação hierárquica que, do ponto de vista dos mal dotados, é uma
humilhação permanente, uma ofensa intolerável e um mecanismo de exclusão
verdadeiramente fascista. (pág. 252)
O homem que não domina as palavras é dominado por elas: vive num mundo
de ilusões verbais, que toma por realidades. Quando consegue montar uma frase,
imagina que provou um fato. A fala, em vez de ser uma janela para o mundo,
substitui o mundo. É a auto-hipnose verbal tomando o lugar do conhecimento.
(pág. 255)
Em grego, idios quer dizer
“o mesmo”. Idiotes, de onde veio o
nosso termo “idiota”, é o sujeito que nada enxerga além dele mesmo, que julga
tudo pela sua própria pequenez. (pág. 281)
Platão já ensinava que a desordem se instala na sociedade quando
muitas pessoas começam a galgar postos de importância e prestígio para os quais
não têm a mais mínima qualificação Isso refere-se principalmente àqueles que
hoje chamaríamos “intelectuais” ou “formadores de opinião”. Delinquentes, vigaristas
e políticos ladrões trazem dano material às suas vítimas, mas só se corrompem a
si próprios. Quando a corrupção penetra na alma dos críticos sociais, dos
professores de moral, alastra-se por toda a sociedade. (pág. 281/282)
Nunca estudei para brilhar, para fazer carreira, mas para enxergar a
realidade, talvez para superar o sentimento opressivo de ignorância e confusão
que me atormentava na infância. (pág. 293)
A democratização do ensino, abolindo as barreiras econômicas, deveria
ter instituído barreiras intelectuais em compensação, para impedir que a
descida do padrão social trouxesse, de contrabando, uma queda do nível de
consciência. A nova elite de pés-rapados talvez fosse menos numerosa, mas teria
superado em mérito e qualidade suas antecessoras. Na verdade, o que se fez foi
o contrário: já que o ensino é para todos, por que haverá de ser um ensino de
elite? Para qualquer um, basta qualquer coisa. A massa dos neoletrados,
lisonjeada até as nuvens, corre às escolas, às livrarias, à mídia, aos teatros
e aos cinemas para receber sua ração diária de lixo, que ela imagina superior à
educação de um nobre do Renascimento ou de um clérigo do século XIII. Qualquer
garoto de escola, incapaz de soletrar, se crê um portador das luzes, por haver
nascido depois de Platão. Qualquer cronista de província fala com desprezo das
“trevas do passado”.
Entre o homem que sabe e o que não sabe, dizia Montaigne, há mais
diferença do que entre um homem e um ganso. Quem quer que tenha algum
conhecimento do que foi a educação nos séculos antigos não pode deixar de
sentir-se deprimido até as lágrimas ao contemplar hoje a multidão dos gansos
que falam. E como falam! (pág. 332)
Se você quer ser acreditado sem a mínima contestação, fale sobre
coisas das quais nada sabe a alguém que delas tudo ignore. É infalível. Na
ausência total de referência objetiva, a unanimidade sonsa é uma tábua para os
náufragos. (pág. 336)
A gente confessa ódio, humilhação, medo, ciúme, tristeza, cobiça.
Inveja, nunca. A inveja admitida se anularia no ato, transmutando-se em
competição franca ou em desistência resignada. A inveja é o único sentimento
que se alimenta de sua própria ocultação. (pág. 373)
Lenin dizia que, quando você tirou do adversário a vontade de lutar,
já venceu a briga. Mas, nas modernas condições de “guerra assimétrica”,
controlar a opinião pública tornou-se mais decisivo do que alcançar vitórias no
campo militar. (pág. 416)
Se há uma coisa que, quanto mais você perde, menos sente falta, é a
inteligência. Uso a palavra não no sentido vulgar de habilidadezinhas
mensuráveis, mas no de percepção da realidade. Quanto menos você percebe, menos
percebe que não percebe. Quase que invariavelmente, a perda vem por isso
acompanhada de um sentimento de plenitude, de segurança, quase de infalibilidade.
É claro: quanto mais burro você fica, menos atina com as contradições e
dificuldades, e tudo lhe parece explicável em meia dúzia de palavras. (pág.
431)
Dentro de poucos anos, o sujeito ser preso por ler em voz alta certos
versículos da Bíblia será considerado a coisa mais natural do mundo, e quem
quer que diga que a perseguição antirreligiosa é a realização de um velho plano
comunista será tido por louco. Perdão: isso não acontecerá dentro de alguns
anos. Já está acontecendo agora. (pág. 484)
A inteligência, ao contrário do dinheiro ou da saúde, tem esta
peculiaridade: quanto mais você a perde, menos dá pela falta dela. O homem
inteligente, afeito a estudos pesados, logo acha que emburreceu quando,
cansado, nervoso ou maldormido, sente dificuldade em compreender algo. Aquele
que nunca entendeu grande coisa se acha perfeitamente normal quando entende
menos ainda, pois esqueceu o pouco que entendia e já não tem como comparar.
(pág. 597)
Nenhum ser humano ou país está mais louco do que aquele que acredita
poder resolver todos os seus problemas primeiro, para tornar-se inteligente
depois. A inteligência não é o adorno do vitorioso, é o caminho da vitória. Não
é a cereja do bolo, é a fórmula do bolo. Quando chegarão os brasileiros a
compreender uma coisa tão óbvia? (pág. 604)
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