Autor: A. J. Cronin
Páginas: 340
Livro antigo, bem gasto,
folhas se soltando e prejudicando muito a leitura. Não achei outro em melhor
estado e, como gosto do autor, encarei a leitura assim mesmo. Por ser uma
edição muito antiga, a gramática do livro é bem diferente da
atual, principalmente no tocante às palavras acentuadas. Mas nada que torne
inviável a leitura.
A história retrata a
infância de Robert Shannon, um jovem que perdeu os pais e é obrigado a ir morar
com os avós maternos. A dificuldade em se adaptar aos novos costumes, sem
amigos, problemas financeiros e as diferenças de religião são os desafios que o
jovem terá que superar para concluir com afinco e dedicação esta etapa de sua
vida. É uma história singela, cheia de simplicidade, mas muito tocante.
Trechos interessantes:
A
verdade, embora eu não pudesse atinar com eia, era simples. Naquela cidadezinha
escocesa, cheia de preconceitos, era ponto pacífico que minha mãe, moça bonita
e estimada, “que poderia ter escolhido a quem quisesse” se desmoralizara
casando com meu pai, Owen Shannon. Tratava-se de um estranho que ela encontrara
durante as férias, um sujeito de Dublin, que não tinha parentes, ocupava um
lugar insignificante numa firma de importadores de chá e não possuía a
recomenda-lo senão a inteligência e a beleza — se tais atributos podem ser uma
recomendação. Ninguém levara em conta os anos de felicidade que se seguiram ao
casamento. A morte de meu pai, seguida sensacionalmente pela da mulher, era
considerada como uma consequência justa; e o meu aparecimento à porta dos
Leckie, sem um níquel de meu, era uma prova certa do julgamento da Providência.
(pág. 26)
—Não
tenho nada contra os católicos — a não ser, talvez, contra os papas. Não, rapaz,
não posso dizer que aprove os seus papas... Aqueles Borgias, que usavam anéis
envenenados e outras coisas por aí, não me parecem bons tipos. Contudo, não
falemos nisso, que você não pode ser culpado; você acredita na mesma Providência
em que sua avó acredita, embora ela não consinta que você a adore por meio de
velas e de incenso. Pois bem, eu aprovo, rapaz. Aprovo. Vou defender o seu
direito de ser católico. E ainda lhe digo mais: você terá tanta possibilidade
de entrar no Portão Celeste — ou qualquer que seja o portão, com sua missa e
seus paramentos – quanta probabilidade tem ela de lá entrar com os salmos e a
Bíblia. (pág. 97)
— Notável!
Exclamou, pensativo. Creio que vou comungar com você. Será uma experiência
interessantíssima.
–Oh,
não, não, Vovô! bradei, assombrado. O senhor assim vai cometer um pecado, um
pecado mortal. Primeiro tem que se confessar... contar ao Conego Roche todas as
coisas ruins que fez durante a vida inteira.
– Isso, Robert, disse ele
com brandura—seria uma conversa por demais longa. (pág. 100)
Compreendi então que o interesse
do homem fora meramente científico; aquela estranha,bela e inteiramente
desinteressada emoção que já me possuíra quando me sentava ao microscópio e
que, anos mais tarde, me iria proporcionar algumas das raras alegrias de minha
vida. Nesse momento, sentindo em mim uma espécie de parentesco racial e ideológico
com aquele taciturno escocês, não pude reprimir um estremecimento de orgulho
por ele. Quão perfeita fora a sua atitude no meio daqueles meridionais
alvoroçados. (pág. 127/128)
Através da sua vida
inteira, Vovô sonhara em fazer coisas heroicas e maravilhosas, —e com tal
intensidade o desejava, que no fim da vida chegou a acreditar realmente que
as realizara. A sua carreira, infelizmente, fora uma trapalhada. Tivera
antepassados ricos; seu pai, associado a dois tios, fora proprietário de uma
conhecidíssima destilaria em Glen Nevis. Num álbum de família dei certa vez com
a amarelada fotografia de um moço, de pé, com um fuzil na mão e dois cães
perdigueiros ao lado, nos degraus de entrada de uma imponente casa de campo.
Imagine-se minha estupefação quando Mamãe me disse que aquele moço era Vovô; a
mansão era a sua; e Mamãe acrescentou, com um sorriso débil e um suspiro:
— No tempo deles, os Gow
foram gente importante, Robie. (pág. 147/148)
O meu professor era um moço
de trinta e dois anos, de corpo robusto que irradiava uma contida vitalidade;
no beiço superior tinha uma cicatriz – linha branca em diagonal cortada de
pequenos traços transversais, distribuídos simetricamente, onde haviam sido
dados os pontos. Essa cicatriz, que eu supunha o resultado de uma operação de
lábio leporino, parecia que lhe puxava o nariz para baixo, dando-lhe um jeito
chato, sem osso, alargando-lhe as narinas; chegava mesmo a tornar proeminentes
os olhos azuis — quase esbugalhados, por sob o macio cabelo louro. Tinha a pele
clara, meio úmida, pois transpirava com facilidade; raspava a barba toda,
desdenhando de ocultar com um bigode o lábio ligeiramente desfigurado — como se
enfrentasse com desprezo a crueldade ou a vulgar curiosidade dos seus semelhantes.
De qualquer modo, a fala o haveria de trair, certa articulação imperfeita que
só se consegue imitar com exatidão achatando-se a língua contra a abóbada
palatina; todos os SS brandos ficavam sibilantes em sua boca; e por culpa disso
conquistara Mr. Reid o seu apelido, quando nos falara dos Argonautas, a propósito
da terceira Ode de Píndaro, e referia-se com entusiasmo a “Jason”. (pág.
165/166)
Só depois que caí nas mãos
de Jason senti a tépida atmosfera do interesse pessoal. Foi ele o primeiro a
considerar o meu gosto por história natural como –algo mais do que brinquedo.
Bem me lembro de como esse seu interesse se demonstrou pela primeira vez: era
um dia de verão e um casal de borboletas azuis entrou voando pela janela da
sala de aula; nós todos paramos de trabalhar, afim de olhá-las.
— Porque andam
emparelhadas? — Jason Reid fazia a pergunta indolentemente, tanto para si
próprio como aos alunos.
Houve silêncio, depois ouviu-se
a minha modesta voz:
— Porque são macho e fêmea,
professor.
O olhar esbugalhado e
satírico de Jason fixou-se em mim:
— Seu prato de mingau
azedo, você quer insinuar que borboletas têm vida amorosa?
— Sim senhor. Elas são
capazes de descobrir o seu par até a uma milha de distância, graças a uma
fragrância particular, com cheiro de verbena, que é segregada pelas glândulas
que têm na epiderme. (pág. 167/168)
Toda a minha meninice em
Lomond View foi dominada por uma lei monstruosa: a necessidade de economizar
dinheiro, mesmo ante o sacrifício das legitimas necessidades da vida. Ah, se a
gente pudesse se arranjar sem dinheiro, sem aquela economia nortista que
prefere dinheiro no banco a uma boa refeição no estômago, que põe fidalguia
adiante de generosidade, sem esta maldita avareza que nos resseca!
Quando a questão do
dinheiro me atormentava e desorientava, eu pensava em Jamie Nigg. Jamie nunca
foi abastado; mas quer o gastasse num bom bife, quer levasse ao jogo de futebol
um pobre garoto solitário, Jamie sempre fazia bom uso do seu dinheiro
suadamente ganho, e—melhor ainda — todo dinheiro em que ele tocasse, dava a
impressão de ser limpo. (pág. 175/176)
Saí para a
tarde cor de cinza. No fim da semana não voltei ao presbitério. Minha ousadia
em desafiar assim o Conego Roche assustava-me. Mas as sementes da rebeldia
cresciam rapidamente no meu peito. Se Deus não queria permitir que eu fosse um
cientista, não via razão para me curvar diante dele e me fazer padre. Qualquer
outra coisa me parecia melhor que isso; — aliás, sob as atuais circunstâncias,
a perspectiva de ir trabalhar na Fábrica parecia ter uma atração especial.
Frustrado, cheio de amargura, acomodando-me a ideias novas e terríveis, era o
meu incessante desejo submeter-me ao pior que me reservasse a sorte. E,acima de
tudo, eu queria mostrar que não me importava com mais nada. (pág. 249/250)
— [...] Frequentava o curso
noturno de Paxton, na Politécnica de Londres, e passava os domingos todos
cascavilhando os lagos de Surrey. Pensava que seria um dia um novo Cuvier. Isso
já foi há mais de trinta anos. E veja agora o que é feito de mim. Estou
mergulhado na rotina até aos cabelos. Ganho cinquenta shillings por semana e
tenho uma mulher doente a sustentar. – Chupou o cigarro, pensativo: — Procurei
entrar pela porta dos fundos — a única que me estava aberta. Não adianta,
filho. Se você quiser chegar a coronel do regimento não sente praça como
soldado raso. Fiquei como atendente de laboratório a vida inteira. (pág. 283)
Nenhum comentário:
Postar um comentário