terça-feira, 31 de julho de 2018

Um ano na Provence



Título: Um ano na Provence
Autor: Peter Mayle
Páginas: 240

Relato de um casal inglês que resolveu se mudar para a região provençal no sul da França. Considerado um dos lugares mais charmosos do mundo, a Provence sempre atrai muitos turistas de todas as nacionalidades, fugindo do inverno e ávidos por um pouco de sol. Peter, um ex-publicitário, resolveu contar sua experiência de se adaptar à nova morada, sempre de uma forma muito irônica e agradável de ler.

O livro é dividido em 12 capítulos, cada um relatando sobre um mês e suas características peculiares. Aqui se comenta o processo de adaptação à nova cultura, os vizinhos, problemas com reformas e com os trabalhadores, problemas com hóspedes e, principalmente, muita coisa relacionada à gastronomia e cultura local. Sem dúvida, uma ótima leitura.

Trechos interessantes:

“Descobrimos que no campo os vizinhos assumem uma importância que nem de longe têm nas cidades. Alguém pode morai anos num apartamento em Londres ou Nova York e mal falar com as pessoas que morara a 15 centímetros de distância, do outro lado de uma parede. No interior, porém, mesmo que você esteja separado da outra casa por centena de metros, os vizinhos fazem parte da sua vida, e você, da deles.” (pág. 10)

“Enquanto isso, alguns milhares de quilômetros ao norte, o vento que tinha começado na Sibéria estava ganhando velocidade para a parte final de sua viagem. Já tínhamos ouvido histórias sobre o mistral. Ele enlouquecia as pessoas e os animais. Era uma circunstância atenuante em crimes violentos. Soprava quinze dias sem parar, arrancando árvores, virando automóveis, quebrando janelas, jogando velhinhas na sarjeta, destroçando postes telegráficos, uivando pelas casas como um fantasma frio e maligno, causando la grippe, brigas domésticas, feitas no trabalho, dores de dente, enxaquecas. Todo problema na Provence cuja culpa não pudesse ser atribuída aos políticos era decorrente do sâcré vent, do qual os provençais falavam com uma espécie de orgulho masoquista.” (pág. 13)

“A morte de um morador faz surgir pequenos avisos pesarosos, que são expostos nas janelas de lojas e de casas. O sino da igreja dobra, e uma procissão trajada com formalidade incomum segue vagarosa na direção do cemitério, que costuma se situar num os pontos mais altos do povoado. Um velho explicou o motivo para essa localização.
– Os mortos têm direito à melhor vista porque vão ficar por lá muito tempo – disse ele, rindo tanto da própria piada que teve um acesso de tosse e fez com que eu me preocupasse com a possibilidade de haver chegado a sua vez de ir se juntar a eles.
Quando lhe falei do cemitério na Califórnia em que se paga mais por um túmulo com vista do que por acomodações mais modestas, ele não se surpreendeu nem um pouco.
– Sempre haverá tolos, mortos ou vivos – concluiu.” (pág. 38/39)

“Aprendemos que o tempo na Provence é um artigo muito elástico, mesmo quando descrito em tomos claros e específicos. Un petit quart d’heure [daqui a quinze minutinhos] significa em algum momento no dia de hoje. Demain [amanhã] significa em algum dia desta semana. E, o segmento mais elástico de todos, une quinzaine [daqui a quinze dias] pode querer dizer três semanas, dois meses ou no ano que vem, mas nunca, jamais, em tempo algum representa o período de quinze dias. Aprendemos, também, a interpretar a linguagem dos gestos que acompanha qualquer conversa sobre prazos. Quando um provençal o encarar e lhe disser que baterá à sua porta pronto para começar o trabalho na terça-feira que vem sem falta, o comportamento das mãos dele é de importância vital. Se estiverem paradas ou lhe dando tapinhas de confirmação no braço, você pode esperá-lo na terça. Se uma das mãos estiver estendida à altura da cintura, com a palma para baixo, e começar a balançar para lá e para cá, corrija a data para quarta ou quinta-feira. Se esse movimento da mão apresentar um tremor agitado, ele na realidade está falando na semana seguinte ou só Deus sabe quando, dependendo de circunstâncias fora do seu controle.” (pág. 54)

“No que diz respeito a todos os produtos comestíveis na França, certas regiões têm a reputação de produzir os melhores – as melhores azeitonas são de Nyons; a melhor mostarda, de Dijon; os melhores melões, de Cavaillon; o melhor creme de leite, da Normandia. Segundo a opinião geral as melhores trufas vêm do Périgord, e é natural que se pague mais por elas. Mas como saber se a trufa comprada em Cahors não foi desenterrada a centenas de quilômetros dali, no Vaucluse? A menos que você conheça seu fornecedor e confie nele, não poderá ter certeza. E, pelas informações privilegiadas de Ramon, 50% das trufas vendidas no Périgord haviam nascido em outras regiões e sido ‘naturalizadas’.” (pág. 71)

“Quando entramos em casa, o telefone estava tocando. É um som que nós dois detestamos, e sempre damos desculpas para ver quem consegue evitar atende-lo. Temos um pessimismo inato diante de telefonemas. Eles têm o hábito de ocorrer em horas inconvenientes e de ser por demais repentinos, lançando a pessoa que atende numa conversa que ela não estava esperando. Já as cartas são um verdadeiro prazer, especialmente por permitirem que se reflita sobre a resposta. Só que hoje as pessoas já não escrevem cartas. Ou são muito ocupadas, têm muita pressa ou dizem não confiar nos correios, desdenhando o serviço que consegue entregar as contas com uma precisão infalível.” (pág. 73)

“É uma lei da natureza que, quando o telefone toca entre o meio-dia e as três da tarde num domingo, quem chama só pode ser um inglês. Jamais passaria pela cabeça de um francês interromper a refeição mais descontraída da semana.” (pág. 84)

“Estávamos descobrindo como era viver quase o tempo todo com hóspedes. A primeira leva havia chegado para a Páscoa, e outras tinham reservas até o final de outubro. Convites meio esquecidos, feitos na distante segurança do inverno, agora manifestavam seu efeito trazendo hóspedes à procura de abrigo, bebida e banhos de sol. A moça da lavanderia supôs, pela quantidade dos nossos lençóis, que estávamos no ramo hoteleiro, e nos lembramos dos avisos de moradores mais experientes.” (pág. 105)

“O instrumento para advertências e discussões é o dedo indicador, numa de suas três posições de funcionamento. Espetado para o alto, rígido e imóvel, abaixo do nariz do interlocutor, ele recomenda precaução: cuidado, attention, nem tudo é o que parece ser. Mantido logo abaixo do nível do rosto e agitado rapidamente de um lado para outro como um metrônomo nervoso, ele indica que o interlocutor está tragicamente desinformado e totalmente enganado no que acabou de dizer. A opinião correta é, então, apresentada, e o dedo deixa o movimento de um lado para outro, passando para uma série de investidas e cutucadas, seja tocando o peito se a pessoa carente de esclarecimentos for homem, seja permanecendo a alguns discretos centímetros do tórax caso se trate de uma mulher.” (pág. 119)

“Quando um inglês está num coquetel, a taça fica firmemente aparafusada à sua mão, enquanto ele conversa, fuma ou come. É só com relutância que ele põe a taça de lado, para atender a necessidades que exijam as duas mãos, como assoar o nariz ou ir ao banheiro. Mas ela nunca fica muito longe ou fora do seu campo visual.
Com os franceses, é diferente. Mal eles recebem uma taça e já a deixam em algum lugar, supostamente por considerarem difícil conversar com uma única mão livre. É assim que as taças vão se reunindo em grupos, e depois de cinco minutos é impossível sua identificação. Os convidados, sem querer apanhar a taça de outra pessoa mas incapazes de determinar qual é a sua, lançam olhares compridos para a garrafa de champanhe. Novas taças são distribuídas, e o processo se repete.” (pág. 232)

“Acordamos para uma manhã de sol, o vale deserto e silencioso, e nossa cozinha sem eletricidade. O pernil de cordeiro que estava pronto para ser levado ao forno foi adiado; e nós encaramos a possibilidade apavorante de comer pão e queijo no almoço de Natal. Todos os restaurantes da região já estariam com suas reservas esgotadas havia semanas.
É em horas semelhantes, quando a crise ameaça o estômago, que os franceses exibem o lado mais solidário de sua natureza. Conte-lhes histórias de lesões físicas ou desastres financeiros, e eles vão rir ou demonstrar uma compaixão educada. Conte-lhes, porém, que está enfrentando alguma dificuldade de ordem gastronômica, e eles moverão céus e terra, e até mesmo mesas de restaurante para ajudá-lo.” (pág. 236)

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