terça-feira, 3 de julho de 2018

Do universo à jabuticaba



Título: Do universo à jabuticaba
Autor: Rubem Alves
Páginas: 256

Este é um livro de textos curtos e pequenas histórias (algumas com apenas poucas linhas) sobre os mais diversos assuntos. As histórias estão separadas por temas, tais como: Criança, velhice, reflexões, vida e morte, música, natureza e assim por diante. Cada tema apresenta vários textos com ensinamentos, reflexões e discussões mostrando a visão do autor.

Vários são os assuntos recorrentes, principalmente os relacionados às áreas de especialidade do autor, como a teologia e a educação. Cada assunto é abordado de uma maneira direta, simples, às vezes até cômica, facilitando a compreensão e possibilitando ao leitor a oportunidade de se aprofundar sobre o tema. Em resumo, uma ótima leitura.

Trechos interessantes:

“Há ruídos que não se ouvem mais; o grito desgarrado de uma locomotiva na madrugada; os apitos dos guardas-noturnos; os barbeiros que faziam cantar o ar com suas tesouras; a matraca do vendedor de cartuchos; a gaitinha do afiador de facas. Todos esses ruídos apenas rompiam o silêncio. E hoje o que mais se precisa é de silêncios que interrompam o ruído...” (pág. 12)

“Meus sonhos? Sonho em ter tempo para curtir as montanhas e cachoeiras das Minas Gerais. Sonho em ter tempo para vagabundear. Sonho em ter tempo para brincar com minhas netas. Sonho em escrever uns livros que estão na minha cabeça e que não consigo por falta de tempo.
O que tenho sentido? Beleza. Nostalgia. Tristeza. Cansaço. Urgência. A curteza do tempo. Um enorme desejo de passar uns tempos num mosteiro, longe de cartas, telefones, micros, viagens, e-mails, curtindo a solidão e a ausência de obrigações.” (pág. 16/17)

“O que tenho pensado? Penso tanta coisa que não é possível dizer o que tenho pensado. Penso que o tempo está passando. Penso que o mundo está cheio de beleza. Penso que não quero morrer. Penso que quero morrer. Penso que, se Deus tivesse pedido meus conselhos o mundo seria melhor.” (pág. 18)

“Ele chegou na hora certa. Aluno da Unicamp, me pedira uma entrevista. Eu não sabia o que ele queria saber de mim. Assentados, ele com prancheta e caneta na mão fez a grande pergunta: ‘Eu queria saber como foi que o senhor planejou a sua vida para chegar aonde chegou...’. Compreendi imediatamente. Ele gostava de mim. Me admirava. Queria ser como eu. E queria que eu lhe revelasse o segredo, o mapa... Fiquei triste por ter de desapontá-lo. Minha resposta, absolutamente verdadeira, foi: ‘Eu estou onde estou porque tudo que planejei deu errado...’ .” (pág. 26)

“Visitando uma reserva florestal no estado do Espírito Santo, a bióloga encarregada do programa de educação ambiental me disse que é fácil lidar com as crianças. Os olhos delas se encantam com tudo: as formas das sementes, as plantas, as flores, os bichos, os riachinhos. Tudo, para elas, é motivo de assombro. E acrescentou: ‘Com os adolescentes é diferente. Eles não têm olhos para as coisas.Eles só têm olhos para eles mesmos...’. Eu já tinha percebido isso. Os adolescentes já aprenderam a triste lição que se ensina diariamente nas escolas. Aprender é chato. O mundo é chato. Os professores são chatos. Aprender, só sob ameaça de não passar no vestibular. Por isso quero ensinar as crianças.” (pág. 46)

“Sonho com o dia em que as crianças que leem meus livrinhos não terão de grifar dígrafos e encontros consonantais e em que o conhecimento das obras literárias não será objeto de exames vestibulares: os livros serão lidos pelo simples prazer da leitura.
Não avalio as crianças em função dos saberes. São os saberes que devem ser avaliados em função das crianças. E isso que distingue um educador. Um educador não está a serviço de saberes. Está a serviço dos seus alunos. ‘Aquele que é um mestre, realmente um mestre, leva as coisas a sério – inclusive ele mesmo – somente em relação aos seus alunos’. (Nietzsche).” (pág. 50/51)

“As crianças jamais desejam ser aposentadas de ser crianças. O terrível e mortal é quando o homem se aposenta. Não estou me referindo simplesmente ao momento em que não é mais necessário comparecer ao trabalho. Estou me referindo àquele momento quando um homem ou uma mulher atracam o seu barco e se entregam à tola ilusão de, finalmente, ter paz. Mas paz, precisamente, é o que a alma não deseja. A alma deseja o perigo, o desconhecido. A alma é uma águia que ama as alturas, as montanhas geladas, o mar desconhecido, os abismos. A alma é guerreira: ‘Pugno, ergo sum’ – luto, logo existo. É preciso que  haja sempre uma batalha a ser travada.” (pág. 58)

“Chamar a velhice de ‘melhor idade’ é o mesmo que chamar as gestantes de ‘virgens’ e as pessoas com dificuldade de locomoção de maratonistas...” (pág. 61)

“Parar de fumar aos poucos é o mesmo que parar de ser infiel à esposa aos poucos...” (pág. 84)

“Diabetes não tem cura. É doença crônica. Doença crônica é uma doença que requer cuidados até a morte. Mas não se apoquente. A vida também é doença crônica que exige cuidados até a nossa morte. Todo dia você tem de comer, beber, respirar...” (pág. 94)

“O que meu coração deseja não é navegar para o futuro. O futuro é o desconhecido. E por mais que eu dê asas à minha imaginação não consigo amar o que não conheço. Pode ser que ali se encontrem as coisas mais maravilhosas – mas, como eu nunca as tive, não posso amá-las. Não sinto saudades delas. A saudade é um buraco na alma que se abriu quando um pedaço nos foi arrancado. No buraco da saudade mora a memória daquilo que amamos, tivemos e perdemos: presença de uma ausência.” (pág. 108)

“Posso prometer atos: proteção, companhia, cuidado. Não posso prometer sentimentos. ‘Sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar...’ É lindo, mas não é verdade. Atos futuros podem ser prometidos. Sentimentos só podem ser cantados no presente.” (pág. 111)

“Tenho tristeza pelos pecados que não cometi... Eram pecados tão inocentes... Estou até desconfiado de que se Deus está me castigando, ele está me castigando porque eu não pequei o tanto que ele queria que eu pecasse.” (pág. 137)

“Há a fantasia de que ‘ela é areia demais para o meu caminhãozinho’. Claro que há sempre o recurso de se fazer duas viagens, se houver gasolina para tanto. Mas a assimetria continua.” (pág. 164)

“Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: ‘Veja!’ – e, ao falar, aponta. O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. O seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos.” (pág. 232)

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