Autor: Sven
Schmid
Páginas: 216
O livro relata a aventura do engenheiro alemão Sven Schmid,
partindo de Buenos Aires e fazendo todo o percurso de bicicleta até chegar ao
Canadá. Mostra os problemas encontrados, diferenças climáticas e de terrenos,
dificuldades com o trajeto, problemas com a língua e a cultura, enfim, toda a
diversidade de situações que poderiam surgir num percurso desta natureza.
O livro tem um peso especial para mim, pois, além de adepto
do cicloturismo e me identificar com as situações enfrentadas pelo viajante,
ele, o livro, foi presente de minha filha Karenina que, sabendo do meu gosto,
soube muito bem o que poderia satisfazê-lo. Sendo assim me sinto duplamente
felicitado. Parabéns ao autor pela façanha e à minha filha pelo bom gosto.
Trechos
interessantes:
“Como
ciclista, você se aproxima muito das pessoas, torna-se palpável e muitas vezes
começa a conversar com agricultores, motoristas de caminhão, policiais,
vendedores de quiosques, trabalhadores rurais, crianças. Quase sempre é a
curiosidade das pessoas que nos aproxima; começam sempre perguntando de onde
venho, para onde vou, quanto tempo dura a viagem. No início, custa alguma
superação abrir-se e se envolver com as pessoas. Mas depois de dar este passo,
vivemos as histórias mais bonitas e mais incríveis com pessoas desconhecidas e
provenientes de uma cultura diferente da nossa, vivenciamos a verdadeira
hospitalidade e recebemos a maravilhosa oportunidade de, por um momento,
participar da sua vida.” (pág. 11)
“Quando
finalmente penduro os alforjes nos bagageiros e sento no selim, um círculo de
taxistas, seguranças e passageiros se formou a meu redor. “E para onde vai?”,
perguntam e ficam pasmos quando simplesmente dou de ombros em resposta. “Por
que não viaja de moto ou de carro?” Minha resposta faz as pessoas balançarem a
cabeça: “Acho muito mais divertido pedalar do que ficar sentando num veículo
motorizado”. Parece que na América do Sul só anda de bicicleta quem não pode
comprar carro. Que logo eu, um europeu “rico”, use este meio de transporte, é
algo que eles realmente não entendem.” (pág. 18)
“Já
conheci muita gente simpática, mas encontros com outros ciclistas são muito
especiais. É como encontrar irmãos de alma, pessoas às quais nos sentimos
ligados de um modo particular, independente de nacionalidade, idade, profissão
ou visão de mundo.” (pág. 31)
“O
que eu mais gosto no esporte, especialmente no ciclismo, ou melhor, na viagem
de bicicleta, justamente esta mudança de percepção e o fato de passar a
valorizar pequenas coisas do cotidiano. Muitas pequenas coisas do dia a dia,
como poder fazer uma refeição quente, ganham um novo sentido, e as impressões e
sentimentos são vividos com muito mais intensidade. Para o meu paladar, tudo
funciona como um intensificador do sabor – com a vantagem de não ter efeitos
colaterais.” (pág. 43)
“A
estrada passa por Salinas Grandes, um imenso lago salino seco situado a 3450 m
de altitude. Entro por um caminho estreito e, por alguns minutos, pedalo sobre
a crosta de sal. Em algumas partes ela é macia e difícil de passar, em outras
partes, dura como concreto. Naquela altitude, o ar é gelado. Ao mesmo tempo, o
sol a pino brilha sem nenhum filtro no céu azul cobalto. A superfície de sal,
lisa como um espelho e branca como a neve, reflete a luz também de baixo para
cima. Meu corpo não sabe se congela ou transpira, é uma sensação muito
desagradável.” (pág. 52/53)
“Encostado
na parede de uma casa, fico um tempo sentado na rua tentando me acalmar com
ajuda de alguns pedaços de biscoito de chocolate derretido e alguns goles de
Coca-Cola quente. Corro a vista pelas ruas do vilarejo que tem telhados de
grama seca. Os tijolos de barro não cozidos usados nas paredes das casas não
devem ser impermeáveis; nas casas mais antigas, vê-se que as paredes são mais
finas e que o barro lavado pela chuva se acumula em montinhos ao lado da parede.
Muitas das casinhas não têm janelas, ou apenas janelas muito pequenas; vidraças
é algo que nem todos os moradores devem conseguir comprar. E eu sentado aqui
reclamando, com meu equipamento supereficiente, que certamente vale mais do que
o patrimônio de muita gente neste povoado. Na verdade, com todas as garantias
que possuo, como cartão de crédito, plano de saúde, previdência privada e uma
profissão segura e entre as mais bem pagas, eu deveria me envergonhar de
reclamar do meu problema desimportante e que, certamente em questão de poucas
horas, vai deixar de existir. A situação em que estou exemplifica muito bem o fato
de que as pessoas norteiam suas exigências pelas próprias possibilidades e pelo
grau de dificuldade dos seus problemas cotidianos. Quanto mais tranquila e
despreocupada a vida, mais rápido as pessoas se afligem com pequenas
dificuldades.” (pág. 65)
“Sendo
parte do trânsito, especialmente quando se locomove de bicicleta, você
obrigatoriamente coloca seu destino nas mãos de centenas de pessoas cuja consciência
pode estar sob influência de álcool, drogas ou cansaço.” (pág. 80)
“Parece
que a criatividade do ser humano não conhece limites quando se trata de tirar
dinheiro dos turistas. Pessoas de trajes típicos acenam de longe quando
atracamos, inundando-nos com os sorrisos mais gentis, e jovens mulheres nos dão
seus bebês para segurar. Mas se você deixar a ilha sem comprar o bordado de 25
dólares com a inscrição I love Puno
de um lado e a etiqueta Made in China
do outro, esse sorriso simpático e gentil se transforma em um olhar mau de
desprezo.” (pág. 83)
“Vejo
os rostos tristes das pessoas em seus casebres miseráveis, as montanhas de
lixo. Quais as chances de uma pessoa nascida naquele fim de mundo não terminar
a vida amargurada e triste? Face aos lucros que saem dessas minas, as pessoas
aqui deveriam ser prósperas, mas a maior parte dos lucros sai do país junto com
as matérias-primas extraídas, deixando para trás pessoas empobrecidas e
malformadas em um ambiente venenoso e poluído.” (pág. 100)
“’Queria
saber e entender o que as pessoas pensam, como organizam suas viagens e o que
as motivou’, diz Lucho quando tomamos uma cerveja e eu lhe pergunto por que
resolveu abrir o albergue. Lucho fala de um amigo de longa data da Alemanha,
Heinz Stucke. Heinz é um ícone para os viajantes de bicicleta, uma espécie de
líder da nação dos ciclistas. Começou sua viagem era 1962 na localidade de Hovelhof,
na Renânia do Norte-Vestfália, nunca mais tendo voltado para a Alemanha. Desde
então pedala incessantemente mundo afora. Nos últimos 50 anos, percorreu mais
de 600.000 km, quase tudo na mesma bicicleta. Já se hospedou algumas vezes no
albergue de Lucho. Na parede do corredor há várias fotos de sua viagem.” (pág. 103)
“Diante
de um bosque, Georgy para abruptamente e manda; “Joguem o lixo na mata.” Não
consigo acreditar quando olho para os dois tonéis cheios de copos e garrafas de
plástico e latas de conserva. Como é possível? “Isso mesmo, os dois latões, é
só virar e despejar, sempre deixamos nosso lixo aqui.” Com o coração pesado eu
sigo as ordens e deixo o conteúdo dos latões cair ao lado da estrada, onde já
há lixo de plástico, metal e vidro. Mal consigo acreditar na selvageria que
estou cometendo. Para mim, europeu ocidental, esse ato equivale a um crime, mas
se eu não cumprir a ordem, Georgy executará a tarefa com as próprias mãos, como
parece ser o hábito aqui.” (pág. 112)
“...com
uma taxa de criminalidade relativamente baixa, a Costa Rica é considerada um
dos países mais seguros da América Central. Um fator que certamente foi
bastante significativo para isso foi a decisão do presidente José Figueres
Ferrer, em 1949, de dissolver o exército através de um ato constitucional e de
investir as verbas nos setores da saúde e da educação. É de se lamentar que
outros países não tenham seguido essa ideia. Certamente o mundo de hoje seria
bem diferente.” (pág. 150)
“A
hospitalidade é enorme. Sinto-me um pouco mal ao ganhar um presente tão grande,
sem poder retribuir. Ser tão bem e generosamente tratado por pessoas estranhas
é uma experiência especial e muito marcante. Quando pergunto como posso
retribuir, Laurie diz: “Não precisa devolver para nós, basta ser gentil com
outros, assim tudo se compensa a longo prazo. Nós ganhamos muitos presentes na
vida e tampouco pudemos retribuir”.” (pág. 203)
“Mal
posso acreditar quando leio numa placa que ciclistas estão proibidos de
circular na estrada entre 11h e 16h. É bem típico dos EUA, penso. Carrões,
ônibus e vans têm prerrogativas que as bicicletas não têm.” (pág. 205)
“Como
habitante de um país da Europa ocidental com chances e possibilidades quase
ilimitadas tendemos a considerar quase natural coisas como bem-estar, educação,
paz, segurança e justiça. Esquecemos como são valiosas essas conquistas e o que
significam para a qualidade de vida – até o momento em que nos confrontamos com
gente que vive numa sociedade sem nada disso. O que torna mais impressionante,
portanto, a coragem e a força das pessoas que tocam as suas vidas com meios
próprios, conservando, mesmo assim, um olhar positivo para a vida. Elas nos
mostram que é possível lidar de várias formas com situações e que há vários
caminhos que levam ao mesmo fim.” (pág. 210)
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