Título: Laços de sangue
Autor: Michael Cunningham
Páginas: 458
O livro relata a vida da família Strassos. Constantine, um jovem grego, vai para a América em busca de um futuro melhor. Ali se casa com Mary, descendente de italianos e inicia uma família. Teve três filhos mas não se deu bem com nenhum deles. Nunca conseguiu se entender com Billy, seu filho; tinha uma paixão incestuosa por sua filha Susan e era indiferente à sua caçula, Zoe.
Com o passar dos anos, Constantine vai conseguindo estruturar sua vida financeira, mas não tem o mesmo sucesso com sua família: seu filho se revela um homossexual, Susan embarca num casamento insosso para se afastar do pai, Zoe se prostitui e ele se separa de Mary. No fim, sua família tomou um rumo totalmente diferente do que ele uma dia imaginara.
Trechos interessantes:
"Embora amasse os três filhos, Billy era o único que ela conseguia ler. Para ele Mary comprava suéteres macios com decote em V, da Escócia. Quando ele entrou para a quinta série, comprou uma pasta de couro cor de vinho e um chapéu verde de caçador. Para as meninas, ela mobiliou uma casa de bonecas, que primeiro passou a noite no quarto de Susan e depois no de Zoe. A poeira se acumulava na mobília de madeira trabalhada, nas lâmpadas que funcionavam de verdade. Com um aperto de prazer culpado, Mary periodicamente limpava a casa de bonecas e rearranjava os pequenos móveis." (pág. 42)
"Se ele a segurasse ali mais um minuto - se dissesse que não se importava com as regras e a ira do pai dela - Susan poderia dar início ao longo processo de se apaixonar por ele. Mas a força de Todd residia em fazer absolutamente tudo o que se esperava dele. Era conhecido por sua cooperação expansiva, alegre. Algumas vezes citava Will Rogers: 'Nunca encontrei um homem de quem eu não gostasse'." (pág. 61)
"Um dia eu vou matar o papai e, quando isso acontecer, não quero que as pessoas saiam por aí dizendo que eu perdi o controle, ok? Quando eu o matar não vou machucar ninguém mais, não vou quebrar nada. Mas ainda assim, quero que fique claro. Quero que você diga que ficou aqui fora comigo uma noite e que eu disse que ia matá-lo. Só ele. Ninguém mais. Você faz isso? Você faz isso pra mim?" (pág. 66)
"'Parece que o casamento está sendo um sucesso.'
'Acho que todo casamento é um sucesso, não é, não? Quer dizer, desde que realmente se casem, tá feito.'
'Se fosse só isso que importasse, eles poderiam ter ido a um juiz de paz e poupado a seu pai o gasto de quase cinco mil dólares.'
[...]
'Quando eu me casar', Billy disse, 'nós vamos a um juiz de paz. Se alguém quiser contribuir com cinco mil paus, a gente vai pegar a grana e passar, vamos dizer, um ano na Europa.'
'A garota com quem você se casar pode pensar de forma diferente.'
'Eu não me casaria com alguém que pensasse de forma tão diferente assim.'" (pág. 91/92)
"As duas primeiras vezes eles deixaram passar, depois a advertiram. Madame, acho que a senhora cometeu um engano. Tenho certeza de que a senhora não tinha intenção de pôr essa escova de cabelo dentro de sua bolsa. Quando tornou a fazer a mesma coisa, eles a prenderam.
Os tiras foram educados, ficaram até embaraçados. Isso era a América. Se você fosse um sujeito realizado, se tivesse ganho dinheiro, até a polícia queria acreditar na sua inocência. Para Constantine, o embaraço deles era mais aflitivo do que teria sido o ódio." (pág. 109)
"[...]'Não nego que já andei afanando nas lojas durante um certo tempo, mas, queridinha, isso não comprometeu de jeito nenhum minha capacidade de reconhecer um pervertido quando vejo um deles.'
'Um pervertido', disse o homem. 'Está certo. Você está me chamando de pervertido.'
'Pervertido', continuou o homem de peruca, 'é alguém que faz aos outros coisas que eles não querem que lhes sejam feitas. Ponto.'" (pág. 151)
"Zoe disse a Trancas: 'Não sei se você deveria estar fazendo isso.'
O rosto de Trancas continha sua luz arrebatada, furiosa. Ela já estava longe.
'Trinta dólares, Zo. Para um trabalho aí de uns vinte minutos. Mais uns nove caras e aquela Harley é minha.'
'Mas isso é prostituição.'
'Cara. A mesma coisa é ser garçonete ou secretária. Só que isso paga melhor.'" (pág. 157)
"E o que acontecera com seu filho? Aos vinte anos, ele era um garoto de pequenos óculos redondos, do tipo que as solteironas amargas usavam. Um garoto cujos cabelos tocavam os ombros finos com uma secura nervosa, como as cortinas de uma velha. Participante lá em Harvard, devotado aos humildes da terra, cujo trabalho, no cômputo geral de suas vidas, nunca fora tão duro quanto o de Constantine numa única semana. Ele podia contar umas histórias sobre condições desfavoráveis. Tentem vir para este país sem dinheiro nenhum, sem saber nada de inglês além de 'alô' e 'por favor'. Quantos homens poderiam construir o que ele construíra a partir de 'alô' e 'por favor'? Então vocês são pretos. Me desculpem. Agora me contem sua verdadeira história." (pág. 168)
"O que acontecera? Uma pessoa como Billy, um rapaz tão bem preparado, deveria estar devorando o mundo. Deveria andar a passos largos vida afora, forte como um cavalo, esperto como um lobo, extraindo o sangue dócil dos corações das mulheres. Quando Mary deu à luz um filho, Constantine se imaginara pegando punhados do futuro e os enfiando na boca do filho. Filhas, mesmo as melhores, desapareciam nas vidas dos homens. Mas um filho te carregava. Os prazeres dele te incluíam; você vivia na própria pele e também na pele dele." (pág. 169)
"E realmente o rio era lindo. Era um grande rio largo com árvores nas duas margens, e o senhor sabe que era difícil ter mais gente lá, pois não são muitos os que optam por andar tanto só para ver uma coisa que flui diretamente das torneiras da nossa casa..." (pág. 263)
"O que parecia impossível era a ideia de que ela pudesse morrer antes que Jamal tivesse idade suficiente para saber que ela era alguém que também fora criança. Se Zoe morresse enquanto ele era ainda muito jovem, ela existiria na memória dele apenas como mãe. Ele se lembraria das bondades e dos erros. Construiria seu próprio mito e isso seria o que ele carregaria dela. Era assim que ela viveria depois da morte, como um exagero e uma abstração. Era uma ideia que ela detestava e que ao mesmo tempo, numa região bem longínqua no fundo de si, a fascinava." (pág. 306)
"'Eu queria sair com você um dia.'
'Os lugares aonde vou não são para meninos de dez anos.'
'O que é que você faz quando sai?'
'A gente já conversou sobre isso antes.'
'Quero ouvir outra vez.'
'Danço em cima do balcão do bar e falo com gente idiota. Se eu achasse que você estava perdendo alguma coisa, eu te levaria. Pode confiar em mim.'
'Então por que é que você sai sem parar?'
'Tenho talento para isso. As pessoas devem fazer aquilo em que elas são boas, você não acha?'" (pág. 341)
domingo, 31 de dezembro de 2017
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Especiais
Título: Especiais
Autor: Scott Westerfeld
Páginas: 350
O livro é a continuação da saga iniciada com "Feios" e depois "Perfeitos", um futuro utópico onde a beleza é levada ao extremo que os jovens ao atingirem a adolescência ganham de presente uma cirurgia que os torna simplesmente perfeitos.
Neste volume, não basta ser perfeito, tem que ser Especial. Tally faz parte de um grupo dos Especiais cuja função é algo assim como fiscalizar os Perfeitos. Seu objetivo principal é encontrar a cidade onde vivem as pessoas que se recusam a se transformarem em perfeitos. No final, Tally começa a se questionar se o fato de ser especial é algo realmente significativo.
Trechos interessantes:
"-Eu me lembro de tudo agora, David! Finalmente entendi! - Sua mente estava clara como a de um Especial, livre de emoções descontroladas de feios e pensamentos avoados de perfeitos. Tally percebeu a verdade sobre os Enfumaçados. Eles não eram revolucionários, não passavam de egocêntricos que brincavam com a vida dos outros, deixando um rastro de destruição." (pág. 53)
"Ela [Tally] geralmente adorava fogueiras pela maneira como davam vida às sombras e pela maldade de queimar árvores. Essa era a principal razão de ser especial: a pessoa existia para manter os demais na linha, mas isso não queria dizer que ela precisava se comportar." (pág.62)
"-Eu não quero ver as coisas desse jeito! Não quero sentir nojo de quem não for da nossa turma, Shay!" (pág. 93)
"Guerra biológica tinha sido uma das ideias mais brilhantes dos Enferrujados: criar bactérias e vírus para matar uns aos outros. Era uma das armas mais estúpidas que alguém poderia projetar, porque assim que os micro-organismos acabavam com os inimigos, eles geralmente iam atrás de quem os soltara." (pág.109)
"Tally percebeu que estava sentada no ponto cego da máquina. As câmeras não conseguiam virar para vê-la e o chassi blindado não tinha sensores para detectar seus pés. Aparentemente, quem projetara a nave voadora jamais imaginara que haveria um adversário em cima dela." (pág.267)
"Tally estava começando a se indagar se todas as cidades tinham departamentos de Circunstâncias Especiais ou se eram como Diego, que permitiam o livre trânsito das pessoas. Talvez a cirurgia especial- aquela que tornou Tally o que ela era - fosse algo que a Dra. Cable tivesse inventado sozinha. O que significaria que Tally realmente era uma aberração, uma arma perigosa, alguém que precisava ser curada." (pág. 273)
"A liberdade acaba destruindo as coisas, eu acho." (pág. 335)
Autor: Scott Westerfeld
Páginas: 350
O livro é a continuação da saga iniciada com "Feios" e depois "Perfeitos", um futuro utópico onde a beleza é levada ao extremo que os jovens ao atingirem a adolescência ganham de presente uma cirurgia que os torna simplesmente perfeitos.
Neste volume, não basta ser perfeito, tem que ser Especial. Tally faz parte de um grupo dos Especiais cuja função é algo assim como fiscalizar os Perfeitos. Seu objetivo principal é encontrar a cidade onde vivem as pessoas que se recusam a se transformarem em perfeitos. No final, Tally começa a se questionar se o fato de ser especial é algo realmente significativo.
Trechos interessantes:
"-Eu me lembro de tudo agora, David! Finalmente entendi! - Sua mente estava clara como a de um Especial, livre de emoções descontroladas de feios e pensamentos avoados de perfeitos. Tally percebeu a verdade sobre os Enfumaçados. Eles não eram revolucionários, não passavam de egocêntricos que brincavam com a vida dos outros, deixando um rastro de destruição." (pág. 53)
"Ela [Tally] geralmente adorava fogueiras pela maneira como davam vida às sombras e pela maldade de queimar árvores. Essa era a principal razão de ser especial: a pessoa existia para manter os demais na linha, mas isso não queria dizer que ela precisava se comportar." (pág.62)
"-Eu não quero ver as coisas desse jeito! Não quero sentir nojo de quem não for da nossa turma, Shay!" (pág. 93)
"Guerra biológica tinha sido uma das ideias mais brilhantes dos Enferrujados: criar bactérias e vírus para matar uns aos outros. Era uma das armas mais estúpidas que alguém poderia projetar, porque assim que os micro-organismos acabavam com os inimigos, eles geralmente iam atrás de quem os soltara." (pág.109)
"Tally percebeu que estava sentada no ponto cego da máquina. As câmeras não conseguiam virar para vê-la e o chassi blindado não tinha sensores para detectar seus pés. Aparentemente, quem projetara a nave voadora jamais imaginara que haveria um adversário em cima dela." (pág.267)
"Tally estava começando a se indagar se todas as cidades tinham departamentos de Circunstâncias Especiais ou se eram como Diego, que permitiam o livre trânsito das pessoas. Talvez a cirurgia especial- aquela que tornou Tally o que ela era - fosse algo que a Dra. Cable tivesse inventado sozinha. O que significaria que Tally realmente era uma aberração, uma arma perigosa, alguém que precisava ser curada." (pág. 273)
"A liberdade acaba destruindo as coisas, eu acho." (pág. 335)
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
Homem-máquina
Título: Homem-máquina
Autor: Max Barry
Páginas: 284
Charles Neumann é um engenheiro que trabalha num laboratório de pesquisas. Um dia, por acidente, ele perdeu uma das pernas em uma máquina e teve que usar uma perna mecânica. Ele percebeu que poderia fazer algumas inovações nessa perna de maneira a melhorar o seu funcionamento.
Ele se sentiu tão bem com o resultado que resolveu, propositadamente, perder a outra perna para também implantar uma nova perna mecânica. Daí para a frente a preocupação de Charles era procurar em seu corpo o que poderia ser trocado por partes mecânicas. Seria possível ao homem inventar-se a si mesmo?
Trechos interessantes:
"Ao acordar, fui pegar meu celular e ele não estava lá. Comecei a tatear pela mesinha de cabeceira, meus dedos se enfiando entre romances que eu não lia mais porque, quando se vira adepto dos e-books, não há mais volta." (pág.7/8)
"Não tinha nada em cima da mesinha de centro, mas embaixo havia um monte de obras de referência em que eu não tocava desde o surgimento do Google. Uma lista telefônica, por algum motivo. Uma lista telefônica. Três milhões de folhas feitas de árvores mortas empilhadas como um monumento à ineficiência do papel como plataforma de distribuição de informação." (pág. 8)
"Sou um sujeito inteligente. Reciclo meu lixo. Um dia encontrei um gatinho perdido e o levei para um abrigo. Às vezes faço piadas. Se há algo de errado com seu carro, posso dizer o que é só de escutá-lo. Gosto de crianças, menos das que são mal-educadas com adultos e cujos pais simplesmente ficam ali parados, sorrindo. Tenho um emprego. Possuo um apartamento próprio. Raramente minto. Pelo que sei, são qualidades que as pessoas procuram em alguém. Só posso pensar que deve ser outra coisa, algo que ninguém menciona, porque não tenho amigos, vivo longe da minha família e não namorei ninguém na última década. Um cara no Controle dos Laboratórios atropelou e matou uma mulher, e ele é convidado para as festas. Não entendo isso." (pág. 12/13)
"Finalmente ele ligou o carro e saiu cantando pneus. Fiquei vendo o carro virar a esquina voando, já a uns 70 ou 80 quilômetros por hora. Continuei meu caminho. Senti-me ligeiramente ofendido por uma pessoa tão má ter um carro tão bom. Porque o carro era o auge de mil e tantos anos de progresso científico. Mas o sujeito era um babaca. Fiquei me perguntando quando isso havia acontecido: quando tínhamos começado a fazer máquinas melhores que pessoas." (pág. 60/61)
"-[...]Mas qual é o problema da área médica? O mercado é limitado a pessoas doentes. Imagine: você investe 30 milhões no desenvolvimento da maior válvula arterial do mundo e aí chega alguém e cura doenças cardíacas. Seria um desastre. Não para as... não para as pessoas, obviamente. Quero dizer para a empresa. Financeiramente. Sabe, esse é o tipo de risco comercial que deixa o pessoal lá de cima nervoso na hora de fazer grandes investimentos de capital." (pág. 86)
"Ninguém tem culpa de agir de forma violenta quando seu cérebro é inundado por vasopressina. É o que acontece, só isso. Você solta um copo, ele cai em direção ao chão. Talvez não seja esse o resultado que você queria, mas não culpe o copo. Não faça um julgamento moral porque a causa produziu um efeito. Somos máquinas biológicas. Temos necessidades movidas por substâncias químicas. Injete um determinado coquetel químico em uma freira, e ela vai começar a distribuir socos. Isso é fato." (pág. 103)
"Uma vez li que a gente precisa de duas coisas para ser feliz: entre saúde, dinheiro e amor, apenas duas dessas três opções. Eu me reconfortava com essa ideia enquanto tinha um corpo inteiro, um emprego e nenhum amor. Isso fazia com que eu sentisse que não estava perdendo muita coisa. Mas agora eu percebia que isso era uma bobagem sem tamanho, porque saúde e dinheiro não se comparavam de forma nenhuma a amor."(pág. 124)
"-Uma coisa que me surpreende neste lugar - disse Jason. -Nunca se ouve alguém dizer não deveria. Tipo, você não deveria fazer isso. Eles dizem que alguma coisa é impossível ou cara demais. Mas nunca errada. E sei que somos engenheiros, não filósofos. Li a declaração de missão. Mas às vezes eu gostaria que tivéssemos alguma documentação ética. Eu meio que gostaria que alguém muito sábio me dissesse que existem algumas coisas que não devem ser feitas ainda que seja possível fazê-las." (pág. 160)
"O Gerente jazia a poucos metros de distância. Ele não parecia nem um pouco melhor visto mais de perto. Fiquei enjoado, depois senti raiva, porque, se o Gerente tivesse Partes Melhores, estaria bem naquele momento. Estaria andando por aí em pernas mecânicas e eu não me encontraria naquela situação. Que tipo de CEO organizava um projeto para fabricar peças artificiais e não usava nenhuma delas? Era ridículo." (pág. 178)
"Há uma expressão que diz: Para quem só tem um martelo na mão, tudo na vida é prego." (pág. 183)
"-Quero que você diga que Lola é perfeita do jeito que ela é.
Hesitei. Será que existe alguém realmente perfeito? Ninguém pode ser perfeito na maior parte do tempo. Ninguém pode ser perfeito em apenas alguns momentos. Ou você é perfeito ou não é. E eu não acho que a biologia trabalhe com a noção de perfeição. Biologia é ciência aproximada. É uma questão de ser razoavelmente boa. Um vácuo é perfeito. Pi é perfeito. A vida não." (pág. 201)
"Existem cinco estágios de luto. O primeiro é a negação. Por exemplo: Minhas pernas não podem estar mortas. Não podem. O seguinte é a raiva: Você matou as minhas pernas, saia daqui, tire suas mãos de mim, etc. Esse estágio inclui gritos e demonstrações de raiva. Algumas acusações injustas. Lágrimas e sentimentos feridos.
Depois a barganha. É uma fase mais calma. Que pelo menos a bateria fique bem. Por favor, que a bateria ainda esteja funcionando. A quarta, depressão. Elas morreram. Eu morri. É uma espécie de autopiedade. Um fechamento em si mesmo. O último estágio é a aceitação. Não incluo exemplos porque eu ainda estava muito, muito longe da aceitação." (pág.207/208)
"Quando entrei na banheira, uma película de gordura se destacou da minha pele, formando um redemoinho ensebado de Mandelbrot. Eu era o centro de uma galáxia de suor e sujeira que ia se dissolvendo. Eu não havia percebido a intensidade do meu fedor. A gente pode se acostumar a qualquer coisa. Nosso cérebro só reclama quando ocorrem mudanças." (pág. 211/212)
"Mas o senhor sabe como são os usuários. Eles nunca dedicam o tempo necessário para compreender bem a tecnologia. Só querem aprender o essencial. O suficiente para fazer com que ela funcione. E isso simplesmente não é viável quando a tecnologia é tão poderosa. Acho que realmente chegamos ao ponto em que usuários nesse aspecto estão se tornando obsoletos." (pág. 244)
Autor: Max Barry
Páginas: 284
Charles Neumann é um engenheiro que trabalha num laboratório de pesquisas. Um dia, por acidente, ele perdeu uma das pernas em uma máquina e teve que usar uma perna mecânica. Ele percebeu que poderia fazer algumas inovações nessa perna de maneira a melhorar o seu funcionamento.
Ele se sentiu tão bem com o resultado que resolveu, propositadamente, perder a outra perna para também implantar uma nova perna mecânica. Daí para a frente a preocupação de Charles era procurar em seu corpo o que poderia ser trocado por partes mecânicas. Seria possível ao homem inventar-se a si mesmo?
Trechos interessantes:
"Ao acordar, fui pegar meu celular e ele não estava lá. Comecei a tatear pela mesinha de cabeceira, meus dedos se enfiando entre romances que eu não lia mais porque, quando se vira adepto dos e-books, não há mais volta." (pág.7/8)
"Não tinha nada em cima da mesinha de centro, mas embaixo havia um monte de obras de referência em que eu não tocava desde o surgimento do Google. Uma lista telefônica, por algum motivo. Uma lista telefônica. Três milhões de folhas feitas de árvores mortas empilhadas como um monumento à ineficiência do papel como plataforma de distribuição de informação." (pág. 8)
"Sou um sujeito inteligente. Reciclo meu lixo. Um dia encontrei um gatinho perdido e o levei para um abrigo. Às vezes faço piadas. Se há algo de errado com seu carro, posso dizer o que é só de escutá-lo. Gosto de crianças, menos das que são mal-educadas com adultos e cujos pais simplesmente ficam ali parados, sorrindo. Tenho um emprego. Possuo um apartamento próprio. Raramente minto. Pelo que sei, são qualidades que as pessoas procuram em alguém. Só posso pensar que deve ser outra coisa, algo que ninguém menciona, porque não tenho amigos, vivo longe da minha família e não namorei ninguém na última década. Um cara no Controle dos Laboratórios atropelou e matou uma mulher, e ele é convidado para as festas. Não entendo isso." (pág. 12/13)
"Finalmente ele ligou o carro e saiu cantando pneus. Fiquei vendo o carro virar a esquina voando, já a uns 70 ou 80 quilômetros por hora. Continuei meu caminho. Senti-me ligeiramente ofendido por uma pessoa tão má ter um carro tão bom. Porque o carro era o auge de mil e tantos anos de progresso científico. Mas o sujeito era um babaca. Fiquei me perguntando quando isso havia acontecido: quando tínhamos começado a fazer máquinas melhores que pessoas." (pág. 60/61)
"-[...]Mas qual é o problema da área médica? O mercado é limitado a pessoas doentes. Imagine: você investe 30 milhões no desenvolvimento da maior válvula arterial do mundo e aí chega alguém e cura doenças cardíacas. Seria um desastre. Não para as... não para as pessoas, obviamente. Quero dizer para a empresa. Financeiramente. Sabe, esse é o tipo de risco comercial que deixa o pessoal lá de cima nervoso na hora de fazer grandes investimentos de capital." (pág. 86)
"Ninguém tem culpa de agir de forma violenta quando seu cérebro é inundado por vasopressina. É o que acontece, só isso. Você solta um copo, ele cai em direção ao chão. Talvez não seja esse o resultado que você queria, mas não culpe o copo. Não faça um julgamento moral porque a causa produziu um efeito. Somos máquinas biológicas. Temos necessidades movidas por substâncias químicas. Injete um determinado coquetel químico em uma freira, e ela vai começar a distribuir socos. Isso é fato." (pág. 103)
"Uma vez li que a gente precisa de duas coisas para ser feliz: entre saúde, dinheiro e amor, apenas duas dessas três opções. Eu me reconfortava com essa ideia enquanto tinha um corpo inteiro, um emprego e nenhum amor. Isso fazia com que eu sentisse que não estava perdendo muita coisa. Mas agora eu percebia que isso era uma bobagem sem tamanho, porque saúde e dinheiro não se comparavam de forma nenhuma a amor."(pág. 124)
"-Uma coisa que me surpreende neste lugar - disse Jason. -Nunca se ouve alguém dizer não deveria. Tipo, você não deveria fazer isso. Eles dizem que alguma coisa é impossível ou cara demais. Mas nunca errada. E sei que somos engenheiros, não filósofos. Li a declaração de missão. Mas às vezes eu gostaria que tivéssemos alguma documentação ética. Eu meio que gostaria que alguém muito sábio me dissesse que existem algumas coisas que não devem ser feitas ainda que seja possível fazê-las." (pág. 160)
"O Gerente jazia a poucos metros de distância. Ele não parecia nem um pouco melhor visto mais de perto. Fiquei enjoado, depois senti raiva, porque, se o Gerente tivesse Partes Melhores, estaria bem naquele momento. Estaria andando por aí em pernas mecânicas e eu não me encontraria naquela situação. Que tipo de CEO organizava um projeto para fabricar peças artificiais e não usava nenhuma delas? Era ridículo." (pág. 178)
"Há uma expressão que diz: Para quem só tem um martelo na mão, tudo na vida é prego." (pág. 183)
"-Quero que você diga que Lola é perfeita do jeito que ela é.
Hesitei. Será que existe alguém realmente perfeito? Ninguém pode ser perfeito na maior parte do tempo. Ninguém pode ser perfeito em apenas alguns momentos. Ou você é perfeito ou não é. E eu não acho que a biologia trabalhe com a noção de perfeição. Biologia é ciência aproximada. É uma questão de ser razoavelmente boa. Um vácuo é perfeito. Pi é perfeito. A vida não." (pág. 201)
"Existem cinco estágios de luto. O primeiro é a negação. Por exemplo: Minhas pernas não podem estar mortas. Não podem. O seguinte é a raiva: Você matou as minhas pernas, saia daqui, tire suas mãos de mim, etc. Esse estágio inclui gritos e demonstrações de raiva. Algumas acusações injustas. Lágrimas e sentimentos feridos.
Depois a barganha. É uma fase mais calma. Que pelo menos a bateria fique bem. Por favor, que a bateria ainda esteja funcionando. A quarta, depressão. Elas morreram. Eu morri. É uma espécie de autopiedade. Um fechamento em si mesmo. O último estágio é a aceitação. Não incluo exemplos porque eu ainda estava muito, muito longe da aceitação." (pág.207/208)
"Quando entrei na banheira, uma película de gordura se destacou da minha pele, formando um redemoinho ensebado de Mandelbrot. Eu era o centro de uma galáxia de suor e sujeira que ia se dissolvendo. Eu não havia percebido a intensidade do meu fedor. A gente pode se acostumar a qualquer coisa. Nosso cérebro só reclama quando ocorrem mudanças." (pág. 211/212)
"Mas o senhor sabe como são os usuários. Eles nunca dedicam o tempo necessário para compreender bem a tecnologia. Só querem aprender o essencial. O suficiente para fazer com que ela funcione. E isso simplesmente não é viável quando a tecnologia é tão poderosa. Acho que realmente chegamos ao ponto em que usuários nesse aspecto estão se tornando obsoletos." (pág. 244)
domingo, 3 de dezembro de 2017
Tocaia Grande
Título: Tocaia Grande
Autor: Jorge Amado
Páginas: 506
Natário é o capataz da fazenda Atalaia, uma grande propriedade cacaueira do sertão da Bahia, de propriedade do Coronel Boaventura. Ao realizar uma tocaia para atender aos "interesses" do Coronel, Natário achou que o local era adequado para o desenvolvimento de uma cidade. Dessa ideia surgiu um povoado que, dadas as circunstâncias, recebeu o nome de Tocaia Grande.
O livro relata a evolução da cidade, desde a primeira picada aberta até tornar-se uma cidade de fato. Começando como pouso de tropeiros, Tocaia Grande demorou muitos anos para se firmar como um povoado e depois como cidade. Para isso, muitos nomes foram extremamente importantes como o Capitão Natário, o turco Fadul, o negro Tição, além das prostitutas que faziam a vida no local. Tocaia Grande prosperou, mas não sem sacrifício.
Trechos interessantes:
"Ouvidos à escuta, tentando distinguir rumor de passos em meio à comoção da borrasca - o zunido do vento, o estrondo do trovão, o barulho medonho da queda de um pé de pau atingido pelo raio -, encharcados, cobertos de lama, distribuídos por detrás das árvores, no alto da colina, os cabras esperam, tensos. Habituados ao tempo longo das tocaias, temperados no perigo e na luta, íntimos da morte, ainda assim não conseguem impedir incômoda sensação de agonia diante da fúria da natureza, o fim do mundo. Procuram manter a calma, controlar o sobressalto; medo maior sentem de Natário: da intempérie poderão escapar com vida, de bala do capataz nem por milagre." (pág. 26)
"Chegado ao Brasil há quinze anos, Fadul viera para trabalhar e enriquecer. Enriquecer é a meta de todos os homens, para alcançá-la Deus lhes dá alma e inteligência. Uns cumprem à risca o mandato do Senhor, ganham dinheiro e se estabelecem, outros não conseguem; alma pequena, inteligência curta ou tão-somente pouca disposição para o trabalho, preguiça, malandrice." (pág. 39)
"Não cabia discussão: lavra nenhuma no mundo se compara à do cacau, nenhuma compensa tanto e tão rapidamente. Plantar cacau é o mesmo que semear ouro em pó para colher barrotes." (pág. 47)
"Dali não arredaria pé: nem por conselho de doutor, nem por ameaça de jagunço, nem por engodo de mulher. Ainda não nascera fêmea capaz de obrigá-lo a desistir, de mudar o curso do destino. Quem perde a cabeça por mulher a ponto de abandonar o uso da razão acaba na penúria, objeto de riso e de debique, avacalhado." (pág. 83)
"Com o filho doutor ali à mão, o Coronel não mais precisaria utilizar os serviços de outros bacharéis para cuidar-lhe os interesses nos fóruns e cartórios, tampouco depender de terceiros a quem eleger para cargos de confiança, a quem delegar comandos. Ficava a salvo de aleives e falsidades, de surpresas: assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por isso andam sempre juntos, de mãos dadas." (pág. 117)
-[...]O que é que tu pensa? Que isso aqui é uma cidade? Isso aqui é uma tapera com uma bodega, quatro putas e com nós no barracão do Coronel: é cada um por si e Deus por todos. Se tu quiser, fica aqui com nós que nada vai assuceder.
Caminhou até junto à porta onde Bernarda estava aflita e tensa e lhe disse sem rancor:
-Mas se tu não quiser ficar, se arresolver se matar pelo turco, pode ir. Nós não sai daqui. Se eles vier nós ensina eles com quantos paus se faz uma cangalha. A gente só tem uma vida e uma morte pra gastar." (pág. 167)
"Cada vivente, por mais miserável e despossuído, por mais coitado e sozinho, tem direito a uma quota de alegria, não há sina que seja inteira de amargura. Não importa o custo, o preço a pagar. A própria Jacinta pagara preços absurdos por um capricho, a chama de um desejo. Nunca se arrependera nem mesmo quando, após fenecerem a excitação e o júbilo, a solidão medrara cinzenta e acerba. Afinal, que se leva da vida além da dolência e da ânsia, da agonia e da ventura de um xodó? Vale a pena correr o risco: por mais caro que seja o preço, será barato." (pág. 237)
"No fim da página, sob a assinatura: 'sua para sempre Maria José Batista', ela pusera uma quantidade de vírgulas, pontos finais, pontos de exclamação e de interrogação para ele espalhar na carta onde conveniente fosse." (pág. 288)
"Nos cabarés, os fazendeiros espoucavam champanha, presenteavam as comborças com anéis de brilhante, pulseiras de ouro, colares de pérolas. Para um coronel ser deveras respeitado, devia possuir casa civil e casa militar: na civil, esposa austera e religiosa, rainha do lar, devotada aos cuidados da família, aos deveres de mãe; na militar, amante vistosa e chique, posta aos trinques, boa de cama, alegre companhia, para deleite da vista e regalo do corpo e para fazer inveja." (pág. 349)
"No balcão de seu próspero negócio, Fadul Abdala ouvia os relatos assustados, os maus presságios. Todos eles, os fazendeiros, os alugados, as raparigas e o tocador de harmônica preocupavam-se com a floração das roças, os incipientes bilros nascendo nos cacaueiros, com o temporão e a safra.
Escutando, constatava que ninguém se referia ao destino dos viventes. Calculavam o montante dos prejuízos causados pela enchente do rio Cachoeira, mas com a sorte dos retirantes sem pouso e sem comida, apinhados em Ferradas, ninguém se preocupava nem deles se compadecia. (pág. 354/355)
"Zilda balançou a cabeça, em concordância: não estavam discutindo, apenas conversando. Conhecia o marido e sua maneira de pensar: quem tem mando e autoridade, tem obrigações. De nada adiantaria argumentar, menos ainda se opor. Cumprira sua parte, expusera seus temores: a ele competia decidir, a ela obedecer." (pág. 396)
"-Me disseram que Venturinha ofereceu lhe pagar o que você pedisse.
-Coronel, eu penso que todo homem tem vontade de ser dono de sua sina. Quando eu comecei a ganhar a vida, acompanhando romeiro lá no São Francisco, ouvi o povo dizer que a sina da gente tá escrita no céu e ninguém pode mudar, mas meu pensar é diferente. Acho que cada criatura tem de cuidar de si e sempre tive vontade de ser dono de mim mesmo. Servi o Coronel por mais de vinte anos: tinha dezessete quando arribei por aqui, já festejei quarenta e dois. Nunca prometi servir à viúva ou ao filho. Nem nunca ele me pediu." (pág. 444)
Autor: Jorge Amado
Páginas: 506
Natário é o capataz da fazenda Atalaia, uma grande propriedade cacaueira do sertão da Bahia, de propriedade do Coronel Boaventura. Ao realizar uma tocaia para atender aos "interesses" do Coronel, Natário achou que o local era adequado para o desenvolvimento de uma cidade. Dessa ideia surgiu um povoado que, dadas as circunstâncias, recebeu o nome de Tocaia Grande.
O livro relata a evolução da cidade, desde a primeira picada aberta até tornar-se uma cidade de fato. Começando como pouso de tropeiros, Tocaia Grande demorou muitos anos para se firmar como um povoado e depois como cidade. Para isso, muitos nomes foram extremamente importantes como o Capitão Natário, o turco Fadul, o negro Tição, além das prostitutas que faziam a vida no local. Tocaia Grande prosperou, mas não sem sacrifício.
Trechos interessantes:
"Ouvidos à escuta, tentando distinguir rumor de passos em meio à comoção da borrasca - o zunido do vento, o estrondo do trovão, o barulho medonho da queda de um pé de pau atingido pelo raio -, encharcados, cobertos de lama, distribuídos por detrás das árvores, no alto da colina, os cabras esperam, tensos. Habituados ao tempo longo das tocaias, temperados no perigo e na luta, íntimos da morte, ainda assim não conseguem impedir incômoda sensação de agonia diante da fúria da natureza, o fim do mundo. Procuram manter a calma, controlar o sobressalto; medo maior sentem de Natário: da intempérie poderão escapar com vida, de bala do capataz nem por milagre." (pág. 26)
"Chegado ao Brasil há quinze anos, Fadul viera para trabalhar e enriquecer. Enriquecer é a meta de todos os homens, para alcançá-la Deus lhes dá alma e inteligência. Uns cumprem à risca o mandato do Senhor, ganham dinheiro e se estabelecem, outros não conseguem; alma pequena, inteligência curta ou tão-somente pouca disposição para o trabalho, preguiça, malandrice." (pág. 39)
"Não cabia discussão: lavra nenhuma no mundo se compara à do cacau, nenhuma compensa tanto e tão rapidamente. Plantar cacau é o mesmo que semear ouro em pó para colher barrotes." (pág. 47)
"Dali não arredaria pé: nem por conselho de doutor, nem por ameaça de jagunço, nem por engodo de mulher. Ainda não nascera fêmea capaz de obrigá-lo a desistir, de mudar o curso do destino. Quem perde a cabeça por mulher a ponto de abandonar o uso da razão acaba na penúria, objeto de riso e de debique, avacalhado." (pág. 83)
"Com o filho doutor ali à mão, o Coronel não mais precisaria utilizar os serviços de outros bacharéis para cuidar-lhe os interesses nos fóruns e cartórios, tampouco depender de terceiros a quem eleger para cargos de confiança, a quem delegar comandos. Ficava a salvo de aleives e falsidades, de surpresas: assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por isso andam sempre juntos, de mãos dadas." (pág. 117)
-[...]O que é que tu pensa? Que isso aqui é uma cidade? Isso aqui é uma tapera com uma bodega, quatro putas e com nós no barracão do Coronel: é cada um por si e Deus por todos. Se tu quiser, fica aqui com nós que nada vai assuceder.
Caminhou até junto à porta onde Bernarda estava aflita e tensa e lhe disse sem rancor:
-Mas se tu não quiser ficar, se arresolver se matar pelo turco, pode ir. Nós não sai daqui. Se eles vier nós ensina eles com quantos paus se faz uma cangalha. A gente só tem uma vida e uma morte pra gastar." (pág. 167)
"Cada vivente, por mais miserável e despossuído, por mais coitado e sozinho, tem direito a uma quota de alegria, não há sina que seja inteira de amargura. Não importa o custo, o preço a pagar. A própria Jacinta pagara preços absurdos por um capricho, a chama de um desejo. Nunca se arrependera nem mesmo quando, após fenecerem a excitação e o júbilo, a solidão medrara cinzenta e acerba. Afinal, que se leva da vida além da dolência e da ânsia, da agonia e da ventura de um xodó? Vale a pena correr o risco: por mais caro que seja o preço, será barato." (pág. 237)
"No fim da página, sob a assinatura: 'sua para sempre Maria José Batista', ela pusera uma quantidade de vírgulas, pontos finais, pontos de exclamação e de interrogação para ele espalhar na carta onde conveniente fosse." (pág. 288)
"Nos cabarés, os fazendeiros espoucavam champanha, presenteavam as comborças com anéis de brilhante, pulseiras de ouro, colares de pérolas. Para um coronel ser deveras respeitado, devia possuir casa civil e casa militar: na civil, esposa austera e religiosa, rainha do lar, devotada aos cuidados da família, aos deveres de mãe; na militar, amante vistosa e chique, posta aos trinques, boa de cama, alegre companhia, para deleite da vista e regalo do corpo e para fazer inveja." (pág. 349)
"No balcão de seu próspero negócio, Fadul Abdala ouvia os relatos assustados, os maus presságios. Todos eles, os fazendeiros, os alugados, as raparigas e o tocador de harmônica preocupavam-se com a floração das roças, os incipientes bilros nascendo nos cacaueiros, com o temporão e a safra.
Escutando, constatava que ninguém se referia ao destino dos viventes. Calculavam o montante dos prejuízos causados pela enchente do rio Cachoeira, mas com a sorte dos retirantes sem pouso e sem comida, apinhados em Ferradas, ninguém se preocupava nem deles se compadecia. (pág. 354/355)
"Zilda balançou a cabeça, em concordância: não estavam discutindo, apenas conversando. Conhecia o marido e sua maneira de pensar: quem tem mando e autoridade, tem obrigações. De nada adiantaria argumentar, menos ainda se opor. Cumprira sua parte, expusera seus temores: a ele competia decidir, a ela obedecer." (pág. 396)
"-Me disseram que Venturinha ofereceu lhe pagar o que você pedisse.
-Coronel, eu penso que todo homem tem vontade de ser dono de sua sina. Quando eu comecei a ganhar a vida, acompanhando romeiro lá no São Francisco, ouvi o povo dizer que a sina da gente tá escrita no céu e ninguém pode mudar, mas meu pensar é diferente. Acho que cada criatura tem de cuidar de si e sempre tive vontade de ser dono de mim mesmo. Servi o Coronel por mais de vinte anos: tinha dezessete quando arribei por aqui, já festejei quarenta e dois. Nunca prometi servir à viúva ou ao filho. Nem nunca ele me pediu." (pág. 444)
domingo, 26 de novembro de 2017
O filósofo peregrino
Título: O filósofo peregrino
Autor: Marcos Bulcão
Páginas: 374
O livro é um relato de viagem do autor quando percorreu a pé a Via Francígena, uma rota de peregrinos que vai de Canterbury (Inglaterra) até Roma (Itália), numa extensão de aproximadamente 2 mil quilômetros e atravessando quatro países.
A Via Francígena, apesar de antiga, não é tão conhecida como o Caminho de Santiago e poucas são as pessoas que se aventuram a percorrê-la. O relato do autor apresenta mapas, altimetria, fotos e detalhes de todo o percurso, dividido em pequenas etapas. Além dos desafios e dificuldades o livro mostra também as reflexões e devaneios do autor durante o percurso.
Trechos interessantes:
"Muitas vezes as possibilidades que se apresentam diante de nós parecem igualmente boas naquele momento, então decidimos, despreocupados, por aquele caminho em vez daquele outro. Mas o que frequentemente esquecemos é que esses caminhos alternativos não seguem necessariamente 'rotas paralelas' ou próximas, e dificilmente haverá um 'outro dia' para voltar e percorrer aquele caminho - 'contar aquela história' - que se deixou para trás... (pág. 30)
"Quero a vida estável, com mulher e filhos, um trabalho, uma carreira, um papel marcante e reconhecido na sociedade, mas não menos uma vida nômade, com liberdade para ir aonde quiser e no momento em que a sede de novidade sobrevier, sem necessidade de justificar meus atos ou mudanças, de humor ou cidade, país ou profissão, porque eu estaria tão próximo do anonimato quanto possível." (pág. 31)
"Deste modo, o ápice do dia ficou mesmo reservado para a recepção na Abadia de Wisques. Sim, ali fui tratado como um verdadeiro peregrino, no seu mais profundo sentido, desde o primeiro momento em que lá pisei.
De fato, logo que entrei, encontrei um monge, a quem me identifiquei como peregrino. Em total deferência, ele me tomou a mochila das mãos e, antes mesmo que pudesse 'protestar', me pediu que o acompanhasse aos 'meus' aposentos. A caminhada se fez em silêncio. Chegando ao quarto, agradeci-lhe ainda uma vez, ao que ele me disse que passaria mais tarde para me chamar para o jantar." (pág. 56)
"'Acredito em Deus porque meu pai e o pai do meu pai e o pai do pai do meu pai acreditavam.' Como acreditam em Alá os que nascem no Egito ou no Marrocos; como acreditam em Buda ou Confúcio os que nascem na China ou Japão; como acreditavam em Zeus, Hera e Afrodite os gregos do passado; como acreditavam em todo tipo de deuses e entidades sobrenaturais os povos anteriores a eles." (pág. 60)
"De fato, o que está em jogo, verdadeiramente, nesta caminhada? Será que já tenho condições de responder a essa pergunta? Uma primeira tentativa é dizer que ela satisfaz pelo menos dois dos três elementos da minha 'sagrada trindade': amor, conhecimento, esporte/aventura." (pág. 71)
"País, cidade, amigos e família são como peças de roupa no inverno. Sem eles, sente-se frio. E eu quero sentir frio." (pág. 72)
"De um lado nada o obriga a andar, a fazer esse esforço. São os momentos em que a mente diz que a experiência será válida mesmo se você não percorrer todo o trajeto a pé, que você pode selecionar os trajetos mais bonitos para fazer ou, ainda, só andar nos dias em que estiver se sentindo bem e disposto.
De outro lado, há a mente do 'atleta', que insiste para que você prossiga, que diz que não há nada impedindo-o de continuar, que o corpo dá conta do recado, que as dificuldades fazem parte de todo grande feito e que são elas, no final da conta, que tornam grande um feito. De fato, se escalar o Everest fosse fácil, acessível a qualquer pessoa com um pouco de tempo e disposição física, ele não figuraria na lista dos grandes desafios do esporte." (pág. 80)
"Uma lição disso tudo: o 'mínimo' de que precisamos é sempre menos do que inicialmente pensamos. Um valioso aprendizado, ao mesmo tempo, de desprendimento e adaptação." (pág. 85)
"Frequentemente tenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que algumas vezes não entendo uma palavra do que estou dizendo. [Oscar Wilde]" (pág. 159)
"Uma vez me perguntaram qual o 'público-alvo' deste livro e eu não soube responder. Bem, acho que agora eu sei. 'Meu' público é o dos parágrafos anteriores, é aquele para quem essas palavras fazem algum sentido, despertam questões, pistas e, quem sabe, com alguma sorte, soluções." (pág. 171)
"Tive de responder algumas vezes à pergunta: mas por que decidiu andar de Londres a Roma, percorrer seus quase 2 mil quilômetros? Amigos, parentes e uma infinidade de desconhecidos me fizeram a mesma pergunta. Dei também, a cada momento, uma infinidade de respostas, mas, em geral, sempre tentava 'sofisticar' um pouco as razões: para meditar; colocar os pensamentos em ordem; reganhar perspectiva sobre minha vida; enfim, um modo especial de viajar, conhecer pessoas, paisagens, culturas etc.
É claro que todos esses aspectos são parte da resposta, mas o que percebo também é que uma das grandes motivações para andar esses 2 mil quilômetros, atravessar esses quatro países, foi o amor pela aventura, o desafio. Tal como um maratonista ou alpinista, fui também movido pela ideia de realizar um grande feito atlético, algo grandioso sob qualquer ponto de vista e, ainda assim, viável para minhas condições pessoais. Um modo privilegiado, enfim, de prestar um grande tributo ao esporte." (pág. 234)
"A palavra que transforma é a palavra falada, a palavra ouvida, não tanto a escrita." (pág. 241)
"Tempo... a mais valiosa das commodities, me disse uma vez o sábio Gustavo Queiroz, numa de nossas conversas que valeu mais do que anos de terapia." (pág. 332)
"Algumas pessoas vendem seu tempo em troca de dinheiro, poder, prestígio. Eu frequentemente troquei prestígio, poder e dinheiro por tempo, por mais liberdade de movimento. De fato, na famosa disputa 'tempo vs. carreira', sempre que precisei optei pelo primeiro." (pág. 333)
"De minha parte, e obviamente sem querer confrontá-lo [Monsignor Vercesi] de uma forma mais direta, eu dizia, quase me desculpando, que a promessa de uma vida eterna não representava para mim nenhum grande atrativo. Ao contrário, saber que essa vida, terrestre, terrena, é a única que temos à disposição a valoriza ainda mais, me faz querer fazer dela o máximo possível.
E esse 'máximo', na minha visão, incluía tentar levar uma vida de tolerância e respeito ao próximo, e eu tentava fazer isso - não por medo de punições ou por esperança de recompensas na suposta vida após a morte -, mas sim e sobretudo porque podia perceber que agindo assim a vida ao meu redor ficava necessariamente melhor, mais rica e feliz." (pág. 363/364)
Autor: Marcos Bulcão
Páginas: 374
O livro é um relato de viagem do autor quando percorreu a pé a Via Francígena, uma rota de peregrinos que vai de Canterbury (Inglaterra) até Roma (Itália), numa extensão de aproximadamente 2 mil quilômetros e atravessando quatro países.
A Via Francígena, apesar de antiga, não é tão conhecida como o Caminho de Santiago e poucas são as pessoas que se aventuram a percorrê-la. O relato do autor apresenta mapas, altimetria, fotos e detalhes de todo o percurso, dividido em pequenas etapas. Além dos desafios e dificuldades o livro mostra também as reflexões e devaneios do autor durante o percurso.
Trechos interessantes:
"Muitas vezes as possibilidades que se apresentam diante de nós parecem igualmente boas naquele momento, então decidimos, despreocupados, por aquele caminho em vez daquele outro. Mas o que frequentemente esquecemos é que esses caminhos alternativos não seguem necessariamente 'rotas paralelas' ou próximas, e dificilmente haverá um 'outro dia' para voltar e percorrer aquele caminho - 'contar aquela história' - que se deixou para trás... (pág. 30)
"Quero a vida estável, com mulher e filhos, um trabalho, uma carreira, um papel marcante e reconhecido na sociedade, mas não menos uma vida nômade, com liberdade para ir aonde quiser e no momento em que a sede de novidade sobrevier, sem necessidade de justificar meus atos ou mudanças, de humor ou cidade, país ou profissão, porque eu estaria tão próximo do anonimato quanto possível." (pág. 31)
"Deste modo, o ápice do dia ficou mesmo reservado para a recepção na Abadia de Wisques. Sim, ali fui tratado como um verdadeiro peregrino, no seu mais profundo sentido, desde o primeiro momento em que lá pisei.
De fato, logo que entrei, encontrei um monge, a quem me identifiquei como peregrino. Em total deferência, ele me tomou a mochila das mãos e, antes mesmo que pudesse 'protestar', me pediu que o acompanhasse aos 'meus' aposentos. A caminhada se fez em silêncio. Chegando ao quarto, agradeci-lhe ainda uma vez, ao que ele me disse que passaria mais tarde para me chamar para o jantar." (pág. 56)
"'Acredito em Deus porque meu pai e o pai do meu pai e o pai do pai do meu pai acreditavam.' Como acreditam em Alá os que nascem no Egito ou no Marrocos; como acreditam em Buda ou Confúcio os que nascem na China ou Japão; como acreditavam em Zeus, Hera e Afrodite os gregos do passado; como acreditavam em todo tipo de deuses e entidades sobrenaturais os povos anteriores a eles." (pág. 60)
"De fato, o que está em jogo, verdadeiramente, nesta caminhada? Será que já tenho condições de responder a essa pergunta? Uma primeira tentativa é dizer que ela satisfaz pelo menos dois dos três elementos da minha 'sagrada trindade': amor, conhecimento, esporte/aventura." (pág. 71)
"País, cidade, amigos e família são como peças de roupa no inverno. Sem eles, sente-se frio. E eu quero sentir frio." (pág. 72)
"De um lado nada o obriga a andar, a fazer esse esforço. São os momentos em que a mente diz que a experiência será válida mesmo se você não percorrer todo o trajeto a pé, que você pode selecionar os trajetos mais bonitos para fazer ou, ainda, só andar nos dias em que estiver se sentindo bem e disposto.
De outro lado, há a mente do 'atleta', que insiste para que você prossiga, que diz que não há nada impedindo-o de continuar, que o corpo dá conta do recado, que as dificuldades fazem parte de todo grande feito e que são elas, no final da conta, que tornam grande um feito. De fato, se escalar o Everest fosse fácil, acessível a qualquer pessoa com um pouco de tempo e disposição física, ele não figuraria na lista dos grandes desafios do esporte." (pág. 80)
"Uma lição disso tudo: o 'mínimo' de que precisamos é sempre menos do que inicialmente pensamos. Um valioso aprendizado, ao mesmo tempo, de desprendimento e adaptação." (pág. 85)
"Frequentemente tenho longas conversas comigo mesmo, e sou tão inteligente que algumas vezes não entendo uma palavra do que estou dizendo. [Oscar Wilde]" (pág. 159)
"Uma vez me perguntaram qual o 'público-alvo' deste livro e eu não soube responder. Bem, acho que agora eu sei. 'Meu' público é o dos parágrafos anteriores, é aquele para quem essas palavras fazem algum sentido, despertam questões, pistas e, quem sabe, com alguma sorte, soluções." (pág. 171)
"Tive de responder algumas vezes à pergunta: mas por que decidiu andar de Londres a Roma, percorrer seus quase 2 mil quilômetros? Amigos, parentes e uma infinidade de desconhecidos me fizeram a mesma pergunta. Dei também, a cada momento, uma infinidade de respostas, mas, em geral, sempre tentava 'sofisticar' um pouco as razões: para meditar; colocar os pensamentos em ordem; reganhar perspectiva sobre minha vida; enfim, um modo especial de viajar, conhecer pessoas, paisagens, culturas etc.
É claro que todos esses aspectos são parte da resposta, mas o que percebo também é que uma das grandes motivações para andar esses 2 mil quilômetros, atravessar esses quatro países, foi o amor pela aventura, o desafio. Tal como um maratonista ou alpinista, fui também movido pela ideia de realizar um grande feito atlético, algo grandioso sob qualquer ponto de vista e, ainda assim, viável para minhas condições pessoais. Um modo privilegiado, enfim, de prestar um grande tributo ao esporte." (pág. 234)
"A palavra que transforma é a palavra falada, a palavra ouvida, não tanto a escrita." (pág. 241)
"Tempo... a mais valiosa das commodities, me disse uma vez o sábio Gustavo Queiroz, numa de nossas conversas que valeu mais do que anos de terapia." (pág. 332)
"Algumas pessoas vendem seu tempo em troca de dinheiro, poder, prestígio. Eu frequentemente troquei prestígio, poder e dinheiro por tempo, por mais liberdade de movimento. De fato, na famosa disputa 'tempo vs. carreira', sempre que precisei optei pelo primeiro." (pág. 333)
"De minha parte, e obviamente sem querer confrontá-lo [Monsignor Vercesi] de uma forma mais direta, eu dizia, quase me desculpando, que a promessa de uma vida eterna não representava para mim nenhum grande atrativo. Ao contrário, saber que essa vida, terrestre, terrena, é a única que temos à disposição a valoriza ainda mais, me faz querer fazer dela o máximo possível.
E esse 'máximo', na minha visão, incluía tentar levar uma vida de tolerância e respeito ao próximo, e eu tentava fazer isso - não por medo de punições ou por esperança de recompensas na suposta vida após a morte -, mas sim e sobretudo porque podia perceber que agindo assim a vida ao meu redor ficava necessariamente melhor, mais rica e feliz." (pág. 363/364)
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
O segredo da Dinamarca
Título: O segredo da Dinamarca
Autor: Helen Russell
Páginas: 366
Os dinamarqueses são considerados as pessoas mais felizes do mundo. A autora é uma jornalista inglesa que resolveu por à prova esse conceito. Ela resolveu acompanhar o marido que recebera uma proposta de trabalho de uma empresa dinamarquesa e ficar por lá durante 12 meses para descobrir se os dinamarqueses realmente se sentem felizes.
Apesar das dificuldades iniciais - idioma, costumes, falta de amigos, clima - aos poucos foi estabelecendo contato com os dinamarqueses e efetuava a seguinte pergunta: "Numa escala de felicidade de 0 a 10, que nota você daria a si mesma". A maioria esmagadora dos entrevistados concedeu nota 9 ou mais.
Trechos interessantes:
"A ideia de que poderíamos mudar a maneira que vivíamos fervilhava inquieta na minha cabeça, onde antes havia apenas uma aceitação estoica. O projeto Jessica Fletcher parecia, de repente, muito distante, e eu não tinha certeza de que poderia continuar naquele mesmo ritmo por mais trinta anos. Também me ocorreu que desperdiçar metade da nossa vida na expectativa da aposentadoria (embora uma muito boa) beirava ao absurdo e era algo ultrapassado. Eu não era uma serva medieval, arando a terra até cair de exaustão. Eu trabalhava na Londres do século XXI. A vida deveria ser boa. Agradável. Fácil, até. Então, o fato de que eu estava sonhando com a aposentadoria aos 33 anos já era um sinal de que alguma coisa tinha que mudar." (pág. 15/16)
"-Os dinamarqueses não acreditam que comprar mais coisas traga felicidade - disse Christian. -Um carro maior só faz você ter que pagar mais impostos. Uma casa maior só faz você levar mais tempo para acabar a faxina." (pág. 20)
"E fiquei ainda mais chocada quando Christian me disse que os dinamarqueses acreditam tanto que seus filhos estão em segurança que deixam os carrinhos de bebê do lado de fora das casas, dos cafés e dos restaurantes. Parece que eles também não trancam as bicicletas nas ruas e deixam as janelas das casas abertas. Tudo isso porque a confiança nas outras pessoas, no governo e no sistema como um todo é muito alta." (pág. 22)
"Estávamos indo para o oeste da Escandinávia, a zona rural da Jutlândia, a península da Dinamarca, no extremo norte da Alemanha. A minúscula cidade de Billund, ao sul dessa península, tinha uma população de apenas 6.100 habitantes. Conheço gente que tem mais amigos no Facebook do que isso." (pág. 25)
"-Janeiro na Dinamarca é tempo de ficar em casa, com a família. Ninguém sai muito. Os dinamarqueses ficam 'debaixo das cobertas', literal e metaforicamente falando, de novembro até fevereiro. Então não se surpreenda se você não vir muita gente andando por aí, especialmente nas áreas rurais." (pág. 40)
"-Essas pessoas são os locatários, certo? - pergunto à corretora. -A imobiliária os incentiva de algum modo a fazer uma superfaxina e arrumação antes de começarem a receber visitas?
Ela me olha confusa.
-Faxina? Arrumação? Antes das visitas? É isso que os ingleses fazem? - pergunta ela com uma cara de reprovação. -Os dinamarqueses tentam manter suas casas bem arrumadas o tempo todo." (pág. 46)
-"'Não é necessário mostrar serviço'. Se alguém gosta de bancar a vítima, ficando até tarde ou trabalhando demais, é mais provável que receba um folheto sobre eficiência ou gerenciamento do tempo do que solidariedade.
-Caramba!
Uma mudança e tanto em relação à nossa vida em Londres. Lá, responder um e-mail à meia-noite ou ficar trabalhando até as 20h é considerado uma questão de honra. Mas, na cultura dinamarquesa, isso apenas mostra que você não é capaz de fazer o seu trabalho no tempo certo." (pág. 72/73)
"Existem aproximadamente 80 mil associações na Dinamarca e em torno de 90% dos dinamarqueses são membros de alguma sociedade, e o dinamarquês é, em média membro de 2,8 clubes. Bjarne me fala que eles têm um ditado aqui: 'Quando dois dinamarqueses se encontram eles formam uma associação.'" (pág. 94)
"Uma das razões pela qual os nativos de língua inglesa têm tanta dificuldade com a nossa língua é que a maioria dos dinamarqueses fala inglês. Nós não estamos acostumados a ouvir alguém falar dinamarquês com um sotaque diferente, isso é estranho para nós. Se encontramos um estrangeiro, nós nos habituamos a falar alemão, inglês ou espanhol com ele." (pág. 102)
"-Na Dinamarca, as igrejas simplesmente estão ali para servir os indivíduos - diz Manu. -É como nosso sistema de seguridade social: está ali para o caso de se precisar dele." (pág. 145)
"Tenho ficado tonta com frequência e a toda hora com vontade de tirar uma soneca. E zangada. E dengosa. Pensando bem, estou quase completando a lista dos sete anões." (pág. 205)
"Digo a ele [Bo] que, sempre que compro frutas e legumes aqui na Dinamarca, eles estragam mais depressa do que estou acostumada.
-Isso é porque nós não os enchemos de produtos químicos, o que é muito bom! - me ensina Bo. -Na Dinamarca, preferimos frutas e vegetais frescos." (pág. 245)
"Se estou entendendo direito, os dinamarqueses continuam felizes no inverno porque é tão horroroso do lado de fora que vir para casa provoca uma onda enorme de alívio e gratidão por ter sobrevivido à natureza.
-Então ninguém sai de casa?
-Bem, podemos sair, é claro - admite ele. -Só temos que nos vestir de maneira adequada. Temos um ditado na Dinamarca que é o seguinte: não existe tempo ruim, apenas roupas erradas." (pág. 296)
"-As pessoas pagam seus impostos com prazer na Dinamarca porque sabem que terão a melhor assistência social do mundo. Temos escolas, universidades, médicos, hospitais, tudo de graça, um pagamento automático de férias muito generoso, e os patrões pagam por um bom sistema de aposentadoria que realmente beneficia os dinamarqueses e aqueles que se instalam aqui. A maioria dos dinamarqueses vai precisar dos serviços do Estado em algum momento ou outro da vida, com um membro da família que ficou doente ou algo assim, então compreendem a infraestrutura e sabem que o dinheiro deles está sendo bem usado." (pág. 304)
"-Ter um filho é como ter seu coração do lado de fora do peito - me diz Mãe Americana, e ela tem razão. Quero protegê-lo e fazer com que tudo seja cheio de luz e alegria para ele. O simples fato de ter uma pessoinha perto de mim faz com que eu decida me esforçar ao máximo para tornar o mundo melhor." (pág. 352)
Autor: Helen Russell
Páginas: 366
Os dinamarqueses são considerados as pessoas mais felizes do mundo. A autora é uma jornalista inglesa que resolveu por à prova esse conceito. Ela resolveu acompanhar o marido que recebera uma proposta de trabalho de uma empresa dinamarquesa e ficar por lá durante 12 meses para descobrir se os dinamarqueses realmente se sentem felizes.
Apesar das dificuldades iniciais - idioma, costumes, falta de amigos, clima - aos poucos foi estabelecendo contato com os dinamarqueses e efetuava a seguinte pergunta: "Numa escala de felicidade de 0 a 10, que nota você daria a si mesma". A maioria esmagadora dos entrevistados concedeu nota 9 ou mais.
Trechos interessantes:
"A ideia de que poderíamos mudar a maneira que vivíamos fervilhava inquieta na minha cabeça, onde antes havia apenas uma aceitação estoica. O projeto Jessica Fletcher parecia, de repente, muito distante, e eu não tinha certeza de que poderia continuar naquele mesmo ritmo por mais trinta anos. Também me ocorreu que desperdiçar metade da nossa vida na expectativa da aposentadoria (embora uma muito boa) beirava ao absurdo e era algo ultrapassado. Eu não era uma serva medieval, arando a terra até cair de exaustão. Eu trabalhava na Londres do século XXI. A vida deveria ser boa. Agradável. Fácil, até. Então, o fato de que eu estava sonhando com a aposentadoria aos 33 anos já era um sinal de que alguma coisa tinha que mudar." (pág. 15/16)
"-Os dinamarqueses não acreditam que comprar mais coisas traga felicidade - disse Christian. -Um carro maior só faz você ter que pagar mais impostos. Uma casa maior só faz você levar mais tempo para acabar a faxina." (pág. 20)
"E fiquei ainda mais chocada quando Christian me disse que os dinamarqueses acreditam tanto que seus filhos estão em segurança que deixam os carrinhos de bebê do lado de fora das casas, dos cafés e dos restaurantes. Parece que eles também não trancam as bicicletas nas ruas e deixam as janelas das casas abertas. Tudo isso porque a confiança nas outras pessoas, no governo e no sistema como um todo é muito alta." (pág. 22)
"Estávamos indo para o oeste da Escandinávia, a zona rural da Jutlândia, a península da Dinamarca, no extremo norte da Alemanha. A minúscula cidade de Billund, ao sul dessa península, tinha uma população de apenas 6.100 habitantes. Conheço gente que tem mais amigos no Facebook do que isso." (pág. 25)
"-Janeiro na Dinamarca é tempo de ficar em casa, com a família. Ninguém sai muito. Os dinamarqueses ficam 'debaixo das cobertas', literal e metaforicamente falando, de novembro até fevereiro. Então não se surpreenda se você não vir muita gente andando por aí, especialmente nas áreas rurais." (pág. 40)
"-Essas pessoas são os locatários, certo? - pergunto à corretora. -A imobiliária os incentiva de algum modo a fazer uma superfaxina e arrumação antes de começarem a receber visitas?
Ela me olha confusa.
-Faxina? Arrumação? Antes das visitas? É isso que os ingleses fazem? - pergunta ela com uma cara de reprovação. -Os dinamarqueses tentam manter suas casas bem arrumadas o tempo todo." (pág. 46)
-"'Não é necessário mostrar serviço'. Se alguém gosta de bancar a vítima, ficando até tarde ou trabalhando demais, é mais provável que receba um folheto sobre eficiência ou gerenciamento do tempo do que solidariedade.
-Caramba!
Uma mudança e tanto em relação à nossa vida em Londres. Lá, responder um e-mail à meia-noite ou ficar trabalhando até as 20h é considerado uma questão de honra. Mas, na cultura dinamarquesa, isso apenas mostra que você não é capaz de fazer o seu trabalho no tempo certo." (pág. 72/73)
"Existem aproximadamente 80 mil associações na Dinamarca e em torno de 90% dos dinamarqueses são membros de alguma sociedade, e o dinamarquês é, em média membro de 2,8 clubes. Bjarne me fala que eles têm um ditado aqui: 'Quando dois dinamarqueses se encontram eles formam uma associação.'" (pág. 94)
"Uma das razões pela qual os nativos de língua inglesa têm tanta dificuldade com a nossa língua é que a maioria dos dinamarqueses fala inglês. Nós não estamos acostumados a ouvir alguém falar dinamarquês com um sotaque diferente, isso é estranho para nós. Se encontramos um estrangeiro, nós nos habituamos a falar alemão, inglês ou espanhol com ele." (pág. 102)
"-Na Dinamarca, as igrejas simplesmente estão ali para servir os indivíduos - diz Manu. -É como nosso sistema de seguridade social: está ali para o caso de se precisar dele." (pág. 145)
"Tenho ficado tonta com frequência e a toda hora com vontade de tirar uma soneca. E zangada. E dengosa. Pensando bem, estou quase completando a lista dos sete anões." (pág. 205)
"Digo a ele [Bo] que, sempre que compro frutas e legumes aqui na Dinamarca, eles estragam mais depressa do que estou acostumada.
-Isso é porque nós não os enchemos de produtos químicos, o que é muito bom! - me ensina Bo. -Na Dinamarca, preferimos frutas e vegetais frescos." (pág. 245)
"Se estou entendendo direito, os dinamarqueses continuam felizes no inverno porque é tão horroroso do lado de fora que vir para casa provoca uma onda enorme de alívio e gratidão por ter sobrevivido à natureza.
-Então ninguém sai de casa?
-Bem, podemos sair, é claro - admite ele. -Só temos que nos vestir de maneira adequada. Temos um ditado na Dinamarca que é o seguinte: não existe tempo ruim, apenas roupas erradas." (pág. 296)
"-As pessoas pagam seus impostos com prazer na Dinamarca porque sabem que terão a melhor assistência social do mundo. Temos escolas, universidades, médicos, hospitais, tudo de graça, um pagamento automático de férias muito generoso, e os patrões pagam por um bom sistema de aposentadoria que realmente beneficia os dinamarqueses e aqueles que se instalam aqui. A maioria dos dinamarqueses vai precisar dos serviços do Estado em algum momento ou outro da vida, com um membro da família que ficou doente ou algo assim, então compreendem a infraestrutura e sabem que o dinheiro deles está sendo bem usado." (pág. 304)
"-Ter um filho é como ter seu coração do lado de fora do peito - me diz Mãe Americana, e ela tem razão. Quero protegê-lo e fazer com que tudo seja cheio de luz e alegria para ele. O simples fato de ter uma pessoinha perto de mim faz com que eu decida me esforçar ao máximo para tornar o mundo melhor." (pág. 352)
terça-feira, 7 de novembro de 2017
Simples assim
Título: Simples assim
Autor: Martha Medeiros
Páginas: 238
Martha Medeiros é uma das cronistas mais conceituadas do país. E não é para menos, suas crônicas são simplesmente fantásticas, revelando humor, indignação, euforia, entusiasmo, revolta, tudo na medida certa. Qualquer que seja o assunto a ser discutido, ela sempre tem uma palavra afiada e certeira.
Várias são as crônicas do livro que eu considero destaques, mas, duas especificamente chamaram a minha atenção. São crônicas que reforçam a diferença gritante entre o Brasil e os países realmente de primeiro mundo, onde a cidadania está em primeiro lugar, ao invés de lucros e propinas. Para mim, os destaques são: "O galão d'água" e "Simples assim".
Trechos interessantes:
"Da série 'Morro e não vejo tudo': cerca de 200 mil pessoas de mais de 120 países se inscreveram para participar do programa de assentamento em Marte, projeto elaborado pela organização holandesa Mars One. Os brasileiros ficaram em terceiro lugar em número de inscritos - perderam apenas para americanos e chineses." (pág. 11)
"Ele [Bansky] defende o grafite como uma arte honesta e popular. Diz que é uma resposta aos milhares de anúncios publicitários estampados em painéis gigantescos por toda a cidade, inclusive nas laterais dos ônibus: por que todos aceitam que a cidade se desfigure com publicidade e não com o grafite artístico? Ele mesmo responde: porque as pessoas não sabem reagir diante do que não gera lucro." (pág. 27)
"...você não é o que você faz para ganhar dinheiro, você é o que você faz para ser feliz." (pág. 30)
"Não odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis." (pág. 57/58)
"Pessoas viajam pelo mundo para conhecer monumentos, comer, comprar. A atenção geralmente é voltada para o que se pode fotografar com a câmera e administrar com o bolso. A Tailândia e o Camboja são realmente fotogênicos. Quanto às compras, o mundo virou um supermercado gigante e o que se comercializa lá é vendido aqui também, compra-se mais por impulso do que pela novidade. O que não se globalizou (ainda) é o espírito do lugar, e isso é que verdadeiramente encanta: a reverência que não é submissão, mas respeito. O silêncio que não é timidez, mas educação." (pág. 64)
"Quanto mais se grita e esperneia por aí, mais atenção eu dou aos singulares que brilham em voz baixa."(pág. 116)
"Tudo que dá errado pode dar muito certo. A vida joga os dados, distribui as cartas, gira a roleta: a nós, cabe apenas continuar apostando." (pág. 118)
"Um policial em cada esquina. Nota fiscal entregue em todas as transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas. Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?" (pág. 141)
"Estava descendo uma ladeira do Chiado, em Lisboa, quando passei por um mendigo. Seria mais um entre tantos que ocupam as calçadas, mas percebi que ele estava cercado de cartazes dizendo que a esmola iria para o uísque, o vinho, a cerveja, a ressaca. Um mendigo engraçadinho. Fiquei observando. Os turistas passavam, riam e distribuíam moedas não por caridade ou desencargo de consciência. Era couvert artístico." (pág. 176)
"Te tornarás só quem tu sempre foste. O que os deuses te dão, dão no começo." [Fernando Pessoa] (pág. 188)
"Uma coisa é se manifestar - inclusive com humor - a fim de pressionar pelo fim da impunidade. Demonstra amadurecimento da população. Mas no momento em que chamamos a presidente de vaca, fazemos brincadeiras sórdidas alusivas ao rosto de Cerveró ou culpamos o PT pelo espirro do cachorro do vizinho trocamos a maturidade da nossa imaginação por um bullying coletivo que mais revela nossa pobreza de espírito do que grandeza como nação." (pág. 206)
Autor: Martha Medeiros
Páginas: 238
Martha Medeiros é uma das cronistas mais conceituadas do país. E não é para menos, suas crônicas são simplesmente fantásticas, revelando humor, indignação, euforia, entusiasmo, revolta, tudo na medida certa. Qualquer que seja o assunto a ser discutido, ela sempre tem uma palavra afiada e certeira.
Várias são as crônicas do livro que eu considero destaques, mas, duas especificamente chamaram a minha atenção. São crônicas que reforçam a diferença gritante entre o Brasil e os países realmente de primeiro mundo, onde a cidadania está em primeiro lugar, ao invés de lucros e propinas. Para mim, os destaques são: "O galão d'água" e "Simples assim".
Trechos interessantes:
"Da série 'Morro e não vejo tudo': cerca de 200 mil pessoas de mais de 120 países se inscreveram para participar do programa de assentamento em Marte, projeto elaborado pela organização holandesa Mars One. Os brasileiros ficaram em terceiro lugar em número de inscritos - perderam apenas para americanos e chineses." (pág. 11)
"Ele [Bansky] defende o grafite como uma arte honesta e popular. Diz que é uma resposta aos milhares de anúncios publicitários estampados em painéis gigantescos por toda a cidade, inclusive nas laterais dos ônibus: por que todos aceitam que a cidade se desfigure com publicidade e não com o grafite artístico? Ele mesmo responde: porque as pessoas não sabem reagir diante do que não gera lucro." (pág. 27)
"...você não é o que você faz para ganhar dinheiro, você é o que você faz para ser feliz." (pág. 30)
"Não odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis." (pág. 57/58)
"Pessoas viajam pelo mundo para conhecer monumentos, comer, comprar. A atenção geralmente é voltada para o que se pode fotografar com a câmera e administrar com o bolso. A Tailândia e o Camboja são realmente fotogênicos. Quanto às compras, o mundo virou um supermercado gigante e o que se comercializa lá é vendido aqui também, compra-se mais por impulso do que pela novidade. O que não se globalizou (ainda) é o espírito do lugar, e isso é que verdadeiramente encanta: a reverência que não é submissão, mas respeito. O silêncio que não é timidez, mas educação." (pág. 64)
"Quanto mais se grita e esperneia por aí, mais atenção eu dou aos singulares que brilham em voz baixa."(pág. 116)
"Tudo que dá errado pode dar muito certo. A vida joga os dados, distribui as cartas, gira a roleta: a nós, cabe apenas continuar apostando." (pág. 118)
"Um policial em cada esquina. Nota fiscal entregue em todas as transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas. Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?" (pág. 141)
"Estava descendo uma ladeira do Chiado, em Lisboa, quando passei por um mendigo. Seria mais um entre tantos que ocupam as calçadas, mas percebi que ele estava cercado de cartazes dizendo que a esmola iria para o uísque, o vinho, a cerveja, a ressaca. Um mendigo engraçadinho. Fiquei observando. Os turistas passavam, riam e distribuíam moedas não por caridade ou desencargo de consciência. Era couvert artístico." (pág. 176)
"Te tornarás só quem tu sempre foste. O que os deuses te dão, dão no começo." [Fernando Pessoa] (pág. 188)
"Uma coisa é se manifestar - inclusive com humor - a fim de pressionar pelo fim da impunidade. Demonstra amadurecimento da população. Mas no momento em que chamamos a presidente de vaca, fazemos brincadeiras sórdidas alusivas ao rosto de Cerveró ou culpamos o PT pelo espirro do cachorro do vizinho trocamos a maturidade da nossa imaginação por um bullying coletivo que mais revela nossa pobreza de espírito do que grandeza como nação." (pág. 206)
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
Campo de estrelas
Título: Campo de estrelas
Autor: Thales Guaracy
Páginas: 192
Ivan é um publicitário de 40 anos que descobre a existência de um câncer e procura, de todas as formas possíveis, lutar contra esse mal. Seu pai, Marcial, revela que pretende percorrer o "Caminho de Santiago" e Ivan espera se curar brevemente para acompanhar o pai nessa jornada.
Enquanto isso, Ivan vai relembrando a grande aventura que fizera, junto com o pai, a Machu Picchu. Lembra as dificuldades, as angústias, os mistérios e a recompensa por ter concluído o passeio, apesar de tantas adversidades. Com isso, Ivan vai usando as lembranças da viagem realizada para amenizar os sofrimentos de sua doença, enquanto imagina realizar a nova aventura com o pai.
Trechos interessantes:
"O homem que pregava a racionalidade acima de tudo, que divinizara a força da palavra, acreditara na onipotência do pensamento, dava uma vitoriosa guinada para os caminhos etéreos da mais deslavada religiosidade. A racionalidade é a ilusão dos intelectuais. Sendo um deles, Marcial descobrira que sabia tanto quanto outros com menos estudo, que aceitavam os mistérios da vida sem discussão ou preocupação lógica." (pág. 8)
"-Passei a vida aprendendo nos livros - disse Marcial; enquanto falava, sua voz ia se apagando, até se tornar um murmúrio. -Descobri que o grande aprendizado é com as pessoas." (pág. 10)
"A dramaticidade se acentuava pelo fato de que nunca fora hospitalizado, nem tivera problemas mais grave - na infância, sequer quebrara um braço. Imaginara que adoecer seriamente, andar numa cadeira de rodas ou depender de algum aparelho para viver devia ser insuportável. Porém, sentindo-se ligado à vida somente por aquele canudo incorporado à genitália, dispunha-se a arrastar aquele apêndice para sempre caso necessário. Pela sobrevivência, aceitava até virar terminal de uma garrafa plástica." (pág. 23)
"O efeito mais devastador da doença ocorria na sua cabeça, onde o rato da dúvida roía-lhe a paz. A vida antes era o futuro; de repente, podia ser apenas o passado. A súbita consciência da condição humana lhe caíra como um raio." (pág. 25)
"Lá, numa pequena sala, havia um brasão da República colado na parede, atrás de uma mesa onde repousavam alguns carimbos e uma efígie de Nossa Senhora Aparecida. Aquele era o posto de fronteira da Polícia Federal. Nem isso aliviou Ivan. Se aqueles eram os policiais por ali, imaginava os fora-da-lei." (pág. 35)
"Na Bolívia, como Ivan já pressentira, valia mais que em qualquer outro lugar a máxima de que o ruim sempre pode piorar." (pág. 41)
"Dizem que os cães são capazes de recuperar a consciência de forma imediata. Graças a isso, por exemplo, podem escapar de um atropelamento, passando do sono à ação sem nenhum estágio intermediário, ao sentir no corpo o roçar do pneu." (pág. 52)
"A Bolívia tinha tão poucas cidades importantes que todas se consideravam capitais de alguma coisa. La Paz era a capital política. Oruro ficava sendo a capital cultural. A Santa Cruz coubera o título de capital econômica do país." (pág. 71)
"Antes, quando achava que nada mais tinha a aprender, Ivan acreditava que a humildade era a virtude de quem não tinha outra. Aprendia agora a humildade mais genuína, não ligada à pobreza ou falta de ambição, mas a ensinada pela absoluta necessidade do ser humano do seu semelhante. Ele, que se achara auto-suficiente por tanto tempo, via naquelas circunstâncias quanto dependia dos outros." (pág. 88)
"-Existe um monte de coisa que uns farsantes vendem por aí - disse Roger. -Nada disso garante a cura. Mas, se você quiser tomar o chá, creio que pelo menos não te fará mal.
-E se eu ficar curado?
-Aí você vai dizer que foi o chá, e não o médico, mas tudo bem - disse ele, rindo.' (pág. 122/123)
"Ivan voltou à rotina, mas passou a desfrutar mais do seu bem-estar. A experiência do câncer o modificara. Não estar melhor nem pior do que ninguém já era um privilégio. Dava valor ao simples fato de não precisar ir ao banheiro a todo instante, ou não ter dor ao urinar. Operações do dia-a-dia, antes despercebidas, como o mero ato de respirar, ganhavam nova magnitude." (pág. 139)
"A saúde plena é uma bênção impagável a que se dá o devido valor somente quando a perdemos." (pág. 139)
"A cabeça fazia toda a diferença. Viver pensando na morte é morrer mil vezes todos os dias, tirando o próprio prazer da vida." (pág. 189)
Autor: Thales Guaracy
Páginas: 192
Ivan é um publicitário de 40 anos que descobre a existência de um câncer e procura, de todas as formas possíveis, lutar contra esse mal. Seu pai, Marcial, revela que pretende percorrer o "Caminho de Santiago" e Ivan espera se curar brevemente para acompanhar o pai nessa jornada.
Enquanto isso, Ivan vai relembrando a grande aventura que fizera, junto com o pai, a Machu Picchu. Lembra as dificuldades, as angústias, os mistérios e a recompensa por ter concluído o passeio, apesar de tantas adversidades. Com isso, Ivan vai usando as lembranças da viagem realizada para amenizar os sofrimentos de sua doença, enquanto imagina realizar a nova aventura com o pai.
Trechos interessantes:
"O homem que pregava a racionalidade acima de tudo, que divinizara a força da palavra, acreditara na onipotência do pensamento, dava uma vitoriosa guinada para os caminhos etéreos da mais deslavada religiosidade. A racionalidade é a ilusão dos intelectuais. Sendo um deles, Marcial descobrira que sabia tanto quanto outros com menos estudo, que aceitavam os mistérios da vida sem discussão ou preocupação lógica." (pág. 8)
"-Passei a vida aprendendo nos livros - disse Marcial; enquanto falava, sua voz ia se apagando, até se tornar um murmúrio. -Descobri que o grande aprendizado é com as pessoas." (pág. 10)
"A dramaticidade se acentuava pelo fato de que nunca fora hospitalizado, nem tivera problemas mais grave - na infância, sequer quebrara um braço. Imaginara que adoecer seriamente, andar numa cadeira de rodas ou depender de algum aparelho para viver devia ser insuportável. Porém, sentindo-se ligado à vida somente por aquele canudo incorporado à genitália, dispunha-se a arrastar aquele apêndice para sempre caso necessário. Pela sobrevivência, aceitava até virar terminal de uma garrafa plástica." (pág. 23)
"O efeito mais devastador da doença ocorria na sua cabeça, onde o rato da dúvida roía-lhe a paz. A vida antes era o futuro; de repente, podia ser apenas o passado. A súbita consciência da condição humana lhe caíra como um raio." (pág. 25)
"Lá, numa pequena sala, havia um brasão da República colado na parede, atrás de uma mesa onde repousavam alguns carimbos e uma efígie de Nossa Senhora Aparecida. Aquele era o posto de fronteira da Polícia Federal. Nem isso aliviou Ivan. Se aqueles eram os policiais por ali, imaginava os fora-da-lei." (pág. 35)
"Na Bolívia, como Ivan já pressentira, valia mais que em qualquer outro lugar a máxima de que o ruim sempre pode piorar." (pág. 41)
"Dizem que os cães são capazes de recuperar a consciência de forma imediata. Graças a isso, por exemplo, podem escapar de um atropelamento, passando do sono à ação sem nenhum estágio intermediário, ao sentir no corpo o roçar do pneu." (pág. 52)
"A Bolívia tinha tão poucas cidades importantes que todas se consideravam capitais de alguma coisa. La Paz era a capital política. Oruro ficava sendo a capital cultural. A Santa Cruz coubera o título de capital econômica do país." (pág. 71)
"Antes, quando achava que nada mais tinha a aprender, Ivan acreditava que a humildade era a virtude de quem não tinha outra. Aprendia agora a humildade mais genuína, não ligada à pobreza ou falta de ambição, mas a ensinada pela absoluta necessidade do ser humano do seu semelhante. Ele, que se achara auto-suficiente por tanto tempo, via naquelas circunstâncias quanto dependia dos outros." (pág. 88)
"-Existe um monte de coisa que uns farsantes vendem por aí - disse Roger. -Nada disso garante a cura. Mas, se você quiser tomar o chá, creio que pelo menos não te fará mal.
-E se eu ficar curado?
-Aí você vai dizer que foi o chá, e não o médico, mas tudo bem - disse ele, rindo.' (pág. 122/123)
"Ivan voltou à rotina, mas passou a desfrutar mais do seu bem-estar. A experiência do câncer o modificara. Não estar melhor nem pior do que ninguém já era um privilégio. Dava valor ao simples fato de não precisar ir ao banheiro a todo instante, ou não ter dor ao urinar. Operações do dia-a-dia, antes despercebidas, como o mero ato de respirar, ganhavam nova magnitude." (pág. 139)
"A saúde plena é uma bênção impagável a que se dá o devido valor somente quando a perdemos." (pág. 139)
"A cabeça fazia toda a diferença. Viver pensando na morte é morrer mil vezes todos os dias, tirando o próprio prazer da vida." (pág. 189)
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
O pesadelo
Título: O pesadelo
Autor: Lars Kepler
Páginas: 446
O corpo de uma mulher jovem foi encontrado num barco, próximo a Estocolmo. As aparências dizem que não, mas ela foi assassinada. No dia seguinte um homem é encontrado morto, pendurado num lustre num apartamento de pé-direito alto. As aparências dizem que não, mas ele cometeu suicídio. Há alguma relação entre essas duas mortes?
Este é somente o início de uma empolgante história de muito suspense e reviravolta. Ainda mais quando o assassino descobre que matou a mulher errada... Enfim, um livro policial com muita adrenalina do começo ao fim. O livro é ambientado na Suécia, o que garante pelo menos originalidade nos nomes das pessoas e locais.
Trechos interessantes:
"-Então, como acha que ele morreu?
-Acho que ele apertou o laço ao redor do pescoço - respondeu em voz baixa.
-Como ele conseguiu colocar o laço ao redor do pescoço?
-Não sei... Talvez tenha precisado de ajuda.
-Que tipo de ajuda?
A senhora revirou os olhos, e por um instante Joona pensou que ela iria desmaiar. Em vez disso, ela se firmou colocando uma das mãos na parede, depois o encarou.
Suavemente, ela disse:
-Sempre há pessoas prestativas por perto." (pág. 36)
"Ver o corpo morto de um ente querido é impiedoso - o maior medo de todos. Os especialistas dizem ser um passo necessário no processo do luto. Joona lera que assim que uma identificação é feita há certo tipo de libertação. Não é mais possível sustentar fantasias de que a pessoa ainda vive. Esses tipos de fantasias e esperanças levam apenas a frustração e vazio.
Essas não passam de palavras vazias, pensa Joona. A morte é horrível e nunca dá a você nada em troca." (pág. 65)
"-Você pode juntar tudo que encontrar, todos os telefonemas feitos na última semana? Todas as mensagens de texto? E os saques bancários? Todas essas coisas: recibos, bilhetes de ônibus, reuniões, atividades, horas de trabalho...
-Certamente posso!
-Por outro lado, talvez você queira apenas esquecer tudo isso - diz Joona. -Não está na hora da sua fisioterapia?
-Você está brincando? - reage Erixson, quase sem conseguir conter a indignação. -Aliás, o que é fisioterapia senão desemprego disfarçado?" (pág. 129/130)
"A empregada estivera lá para limpar o apartamento, arejar os cômodos, pegar a correspondência e trocar os lençóis.
Os dois sabem que isso não é incomum depois de uma morte repentina. As pessoas se recusam a aceitar que a vida vai mudar. Elas mantêm a antiga rotina."(pág. 169)
"Disa pega sua taça e diz relaxada:
-É que tem um cara no museu que está me convidando para jantar há seis meses.
-As pessoas ainda convidam as outras para jantar atualmente?" (pág. 189)
"Axel vai até seu bar e tira uma das mais caras garrafas de uísque de sua coleção. É um Macallan 1939, do primeiro ano da Segunda Guerra Mundial. Ele serve-se de meio copo, depois vai ao sofá e se senta. Escuta a música com os olhos fechados. A voz jovem de Bowie e o piano descuidado. Ele sente o aroma de barris de carvalho, reservatórios pesados e adegas escuras, palha e cítricos. Ele bebe e o álcool forte queima seus lábios enquanto enche sua boca. Conservando seu sabor precioso, esse uísque tem esperado décadas: gerações, mudanças de governo, guerra e paz." (pág. 366)
"-[...]As pessoas dizem que Paganini odiava sua aparência... Eu pessoalmente acredito que ele vendeu a alma ao diabo para que outros o adorassem. Ele chamava a si mesmo de macaco, mas quando tocava as mulheres se arrastavam para ele. Valia o preço. Ele tocava de forma tão inacreditável que as pessoas diziam sentir o fogo do inferno ao redor dele." (pág. 411)
Autor: Lars Kepler
Páginas: 446
O corpo de uma mulher jovem foi encontrado num barco, próximo a Estocolmo. As aparências dizem que não, mas ela foi assassinada. No dia seguinte um homem é encontrado morto, pendurado num lustre num apartamento de pé-direito alto. As aparências dizem que não, mas ele cometeu suicídio. Há alguma relação entre essas duas mortes?
Este é somente o início de uma empolgante história de muito suspense e reviravolta. Ainda mais quando o assassino descobre que matou a mulher errada... Enfim, um livro policial com muita adrenalina do começo ao fim. O livro é ambientado na Suécia, o que garante pelo menos originalidade nos nomes das pessoas e locais.
Trechos interessantes:
"-Então, como acha que ele morreu?
-Acho que ele apertou o laço ao redor do pescoço - respondeu em voz baixa.
-Como ele conseguiu colocar o laço ao redor do pescoço?
-Não sei... Talvez tenha precisado de ajuda.
-Que tipo de ajuda?
A senhora revirou os olhos, e por um instante Joona pensou que ela iria desmaiar. Em vez disso, ela se firmou colocando uma das mãos na parede, depois o encarou.
Suavemente, ela disse:
-Sempre há pessoas prestativas por perto." (pág. 36)
"Ver o corpo morto de um ente querido é impiedoso - o maior medo de todos. Os especialistas dizem ser um passo necessário no processo do luto. Joona lera que assim que uma identificação é feita há certo tipo de libertação. Não é mais possível sustentar fantasias de que a pessoa ainda vive. Esses tipos de fantasias e esperanças levam apenas a frustração e vazio.
Essas não passam de palavras vazias, pensa Joona. A morte é horrível e nunca dá a você nada em troca." (pág. 65)
"-Você pode juntar tudo que encontrar, todos os telefonemas feitos na última semana? Todas as mensagens de texto? E os saques bancários? Todas essas coisas: recibos, bilhetes de ônibus, reuniões, atividades, horas de trabalho...
-Certamente posso!
-Por outro lado, talvez você queira apenas esquecer tudo isso - diz Joona. -Não está na hora da sua fisioterapia?
-Você está brincando? - reage Erixson, quase sem conseguir conter a indignação. -Aliás, o que é fisioterapia senão desemprego disfarçado?" (pág. 129/130)
"A empregada estivera lá para limpar o apartamento, arejar os cômodos, pegar a correspondência e trocar os lençóis.
Os dois sabem que isso não é incomum depois de uma morte repentina. As pessoas se recusam a aceitar que a vida vai mudar. Elas mantêm a antiga rotina."(pág. 169)
"Disa pega sua taça e diz relaxada:
-É que tem um cara no museu que está me convidando para jantar há seis meses.
-As pessoas ainda convidam as outras para jantar atualmente?" (pág. 189)
"Axel vai até seu bar e tira uma das mais caras garrafas de uísque de sua coleção. É um Macallan 1939, do primeiro ano da Segunda Guerra Mundial. Ele serve-se de meio copo, depois vai ao sofá e se senta. Escuta a música com os olhos fechados. A voz jovem de Bowie e o piano descuidado. Ele sente o aroma de barris de carvalho, reservatórios pesados e adegas escuras, palha e cítricos. Ele bebe e o álcool forte queima seus lábios enquanto enche sua boca. Conservando seu sabor precioso, esse uísque tem esperado décadas: gerações, mudanças de governo, guerra e paz." (pág. 366)
"-[...]As pessoas dizem que Paganini odiava sua aparência... Eu pessoalmente acredito que ele vendeu a alma ao diabo para que outros o adorassem. Ele chamava a si mesmo de macaco, mas quando tocava as mulheres se arrastavam para ele. Valia o preço. Ele tocava de forma tão inacreditável que as pessoas diziam sentir o fogo do inferno ao redor dele." (pág. 411)
domingo, 15 de outubro de 2017
Mulherzinhas
Título: Mulherzinhas
Autor: Louisa May Alcott
Páginas: 310
Assisti ao filme "Quatro destinos" e, como gosto de filmes antigos, me identifiquei logo com ele. Só muito depois é que vim a saber que o filme era baseado em um livro (Mulherzinhas). Bem depois li "O senhor March" e - não sabia - era uma espécie de continuação do livro Mulherzinhas. Depois de tudo isso é que, finalmente, deparo-me com o livro em questão.
O livro relata a vida de uma mãe e quatro filhas durante a Guerra Civil Americana. O pai estava na guerra enquanto mãe e filhas tentam levar a vida da melhor maneira possível, enfrentando as tribulações diárias, as doenças, as tristezas e desilusões. Era uma época de muita inocência e pureza, onde, apesar da pobreza e dificuldade, todos se ajudavam e com isso, a vida tornava-se mais agradável.
Trechos interessantes:
"-Você tem de usar luvas, ou então eu não vou - gritou Meg decidida. -As luvas são mais importantes do que qualquer outra coisa. Eu ficaria mortificada se você fosse sem luvas.
-Então vou ficar onde estou.
-Você não pode pedir luvas novas a mamãe, elas são muito caras e você é descuidada demais. Ela disse, quando você estragou as outras, que não compraria mais nenhuma neste inverno. Será que você não pode dar um jeito para que elas fiquem apresentáveis? - perguntou Meg, ansiosa.
-Posso segurá-las dobradas na mão, assim ninguém vai saber o quanto estão manchadas. É tudo o que posso fazer. Não! Vou dizer como a gente pode dar um jeito: cada uma usa uma luva boa e segura uma ruim, entendeu?" (pág. 39)
"-Meu nome é Theodore, mas eu não gosto, porque os colegas me chamam de Dora, então eu mandei que me chamassem de Laurie, em vez do outro nome.
-Eu também detesto o meu nome, é tão sentimental. Eu queria que todo mundo dissesse Jo, em vez de Josephine. Como você fez para que os garotos parassem de chamá-lo de Dora?
-Eu bati neles.
-Já que não posso bater na tia March, acho que vou ter de aguentar isso." (pág. 45)
"Jo por acaso agradara a tia March, que era coxa e precisava de uma pessoa ativa para cuidar dela. A velha senhora sem filhos havia uma vez se oferecido para adotar uma das meninas quando ocorreram os problemas, e ficou muito ofendida por seu oferecimento ter sido recusado. Alguns amigos disseram aos Marches que eles tinham perdido toda a oportunidade de serem lembrados no testamento da velha senhora rica; mas os Marches, que não eram deste mundo, apenas disseram:
-Não daríamos nossas filhas nem por uma dúzia de fortunas. Ricos ou pobres, vamos ficar juntos e seremos felizes uns com os outros." (pág. 56)
"-A senhora quer dizer que está contente por eu ter sido humilhada na frente da escola toda? - exclamou Amy.
-Eu jamais escolheria essa maneira de corrigir um erro - replicou sua mãe -, mas não tenho certeza se não lhe fará mais bem do que um método mais brando. Você está começando a ficar muito convencida, querida, e é mais do que tempo de se empenhar em corrigir isso. Você tem uma porção de pequenos talentos e virtudes, mas não há necessidade de exibi-los, pois a vaidade estraga o caráter mais excelente. Não há muito perigo de que o verdadeiro talento ou a bondade sejam ignorados por muito tempo. Mesmo se forem, a consciência de tê-los e de empregá-los bem deve satisfazer a pessoa, e o grande encanto de qualquer dom é a modéstia." (pág. 98)
"-[...] Jo, querida, todos nós temos as nossas tentações, algumas bem maiores do que a sua, e muitas vezes leva-se a vida toda para vencê-las. Você acha que seu temperamento é o pior do mundo, mas o meu antigamente era exatamente igual ao seu.
-O seu, mamãe? Ora, a senhora nunca fica com raiva! - E, por um momento, a surpresa fez Jo esquecer o remorso.
-Há quarenta anos tento corrigir meu temperamento e consegui apenas controlá-lo. Tenho raiva quase todos os dias de minha vida, Jo, mas aprendi a não demonstrá-la." (pág. 110)
"Minhas filhas queridas, tenho ambições por vocês, mas não de que tenham sucesso na sociedade - casem com homens ricos apenas porque são ricos, ou tenham casas suntuosas, que não são verdadeiros lares porque falta amor. Dinheiro é uma coisa necessária e preciosa - e quando bem usado, algo nobre -, mas quero que nunca pensem nele como a primeira ou a única meta pela qual lutar. Eu preferia vê-las casadas com homens pobres, se estivessem felizes, amadas, satisfeitas, a que fossem rainhas em seus tronos, mas sem amor-próprio e paz." (pág. 133)
"A pobreza raramente desencoraja um apaixonado sincero. Algumas das mulheres mais honradas e melhores que conheço foram moças pobres, mas tão dignas de ser amadas que não ficaram solteironas. Deixem isso ao tempo. Façam feliz este lar, de modo que possam estar preparadas para ter o seu próprio, se ele lhes for oferecido, e satisfeitas aqui, se ele não o for." (pág. 133)
"Tenham horas regulares para o trabalho e para a diversão; façam com que cada dia seja ao mesmo tempo útil e agradável e provem que vocês compreendem o valor do tempo, empregando-o bem. Assim, a juventude será deliciosa, a velhice trará poucos arrependimentos e a vida se tornará um belo sucesso, apesar da pobreza." (pág. 158)
"Os olhos de Jo brilharam, pois é sempre agradável quando acreditam na gente; e o elogio de um amigo é sempre mais delicioso que uma dúzia de lisonjas de jornal." (pág. 199)
"-Tenho pensado muito ultimamente sobre meu 'monte de defeitos', e ser egoísta é o maior de todos, por isso vou me esforçar para curar-me disso, se puder. Beth não é egoísta, e é por isso que todos gostam dela e se sentem tão mal ao pensar em perdê-la. As pessoas não sentiriam nem a metade por mim, se eu estivesse doente, e não mereço que fiquem, mas gostaria que muitos e muitos amigos me amassem e sentissem a minha falta, por isso vou tentar ser como Beth tanto quanto puder. Tenho tendência a esquecer minhas resoluções, mas se tivesse sempre comigo algo que as lembrasse, acho que me sairia melhor." (pág. 259)
"-Dinheiro é uma coisa boa e útil, Jo, e espero que minhas filhas nunca sintam muito amargamente sua falta, nem fiquem tentadas demais por ele. Eu gostaria que John estivesse solidamente estabelecido em algum bom negócio, que lhe desse um rendimento suficiente para livrá-lo de dívidas e sustentar Meg com conforto. Não ambiciono uma esplêndida fortuna, uma posição invejável ou um grande nome para minhas filhas. Se a posição e o dinheiro acompanharem o amor e a virtude, eu os aceitarei de bom grado, e ficarei contente com a boa sorte de vocês; mas sei, por experiência, quanta felicidade genuína pode haver numa casinha simples, onde se ganha o pão de cada dia, e algumas privações fazem doces os poucos prazeres. Estou satisfeita de ver Meg começar modestamente, pois, se não estou enganada, ela será rica com a posse do coração de um homem bom, e isso é melhor que uma fortuna." (pág. 262/263)
Autor: Louisa May Alcott
Páginas: 310
Assisti ao filme "Quatro destinos" e, como gosto de filmes antigos, me identifiquei logo com ele. Só muito depois é que vim a saber que o filme era baseado em um livro (Mulherzinhas). Bem depois li "O senhor March" e - não sabia - era uma espécie de continuação do livro Mulherzinhas. Depois de tudo isso é que, finalmente, deparo-me com o livro em questão.
O livro relata a vida de uma mãe e quatro filhas durante a Guerra Civil Americana. O pai estava na guerra enquanto mãe e filhas tentam levar a vida da melhor maneira possível, enfrentando as tribulações diárias, as doenças, as tristezas e desilusões. Era uma época de muita inocência e pureza, onde, apesar da pobreza e dificuldade, todos se ajudavam e com isso, a vida tornava-se mais agradável.
Trechos interessantes:
"-Você tem de usar luvas, ou então eu não vou - gritou Meg decidida. -As luvas são mais importantes do que qualquer outra coisa. Eu ficaria mortificada se você fosse sem luvas.
-Então vou ficar onde estou.
-Você não pode pedir luvas novas a mamãe, elas são muito caras e você é descuidada demais. Ela disse, quando você estragou as outras, que não compraria mais nenhuma neste inverno. Será que você não pode dar um jeito para que elas fiquem apresentáveis? - perguntou Meg, ansiosa.
-Posso segurá-las dobradas na mão, assim ninguém vai saber o quanto estão manchadas. É tudo o que posso fazer. Não! Vou dizer como a gente pode dar um jeito: cada uma usa uma luva boa e segura uma ruim, entendeu?" (pág. 39)
"-Meu nome é Theodore, mas eu não gosto, porque os colegas me chamam de Dora, então eu mandei que me chamassem de Laurie, em vez do outro nome.
-Eu também detesto o meu nome, é tão sentimental. Eu queria que todo mundo dissesse Jo, em vez de Josephine. Como você fez para que os garotos parassem de chamá-lo de Dora?
-Eu bati neles.
-Já que não posso bater na tia March, acho que vou ter de aguentar isso." (pág. 45)
"Jo por acaso agradara a tia March, que era coxa e precisava de uma pessoa ativa para cuidar dela. A velha senhora sem filhos havia uma vez se oferecido para adotar uma das meninas quando ocorreram os problemas, e ficou muito ofendida por seu oferecimento ter sido recusado. Alguns amigos disseram aos Marches que eles tinham perdido toda a oportunidade de serem lembrados no testamento da velha senhora rica; mas os Marches, que não eram deste mundo, apenas disseram:
-Não daríamos nossas filhas nem por uma dúzia de fortunas. Ricos ou pobres, vamos ficar juntos e seremos felizes uns com os outros." (pág. 56)
"-A senhora quer dizer que está contente por eu ter sido humilhada na frente da escola toda? - exclamou Amy.
-Eu jamais escolheria essa maneira de corrigir um erro - replicou sua mãe -, mas não tenho certeza se não lhe fará mais bem do que um método mais brando. Você está começando a ficar muito convencida, querida, e é mais do que tempo de se empenhar em corrigir isso. Você tem uma porção de pequenos talentos e virtudes, mas não há necessidade de exibi-los, pois a vaidade estraga o caráter mais excelente. Não há muito perigo de que o verdadeiro talento ou a bondade sejam ignorados por muito tempo. Mesmo se forem, a consciência de tê-los e de empregá-los bem deve satisfazer a pessoa, e o grande encanto de qualquer dom é a modéstia." (pág. 98)
"-[...] Jo, querida, todos nós temos as nossas tentações, algumas bem maiores do que a sua, e muitas vezes leva-se a vida toda para vencê-las. Você acha que seu temperamento é o pior do mundo, mas o meu antigamente era exatamente igual ao seu.
-O seu, mamãe? Ora, a senhora nunca fica com raiva! - E, por um momento, a surpresa fez Jo esquecer o remorso.
-Há quarenta anos tento corrigir meu temperamento e consegui apenas controlá-lo. Tenho raiva quase todos os dias de minha vida, Jo, mas aprendi a não demonstrá-la." (pág. 110)
"Minhas filhas queridas, tenho ambições por vocês, mas não de que tenham sucesso na sociedade - casem com homens ricos apenas porque são ricos, ou tenham casas suntuosas, que não são verdadeiros lares porque falta amor. Dinheiro é uma coisa necessária e preciosa - e quando bem usado, algo nobre -, mas quero que nunca pensem nele como a primeira ou a única meta pela qual lutar. Eu preferia vê-las casadas com homens pobres, se estivessem felizes, amadas, satisfeitas, a que fossem rainhas em seus tronos, mas sem amor-próprio e paz." (pág. 133)
"A pobreza raramente desencoraja um apaixonado sincero. Algumas das mulheres mais honradas e melhores que conheço foram moças pobres, mas tão dignas de ser amadas que não ficaram solteironas. Deixem isso ao tempo. Façam feliz este lar, de modo que possam estar preparadas para ter o seu próprio, se ele lhes for oferecido, e satisfeitas aqui, se ele não o for." (pág. 133)
"Tenham horas regulares para o trabalho e para a diversão; façam com que cada dia seja ao mesmo tempo útil e agradável e provem que vocês compreendem o valor do tempo, empregando-o bem. Assim, a juventude será deliciosa, a velhice trará poucos arrependimentos e a vida se tornará um belo sucesso, apesar da pobreza." (pág. 158)
"Os olhos de Jo brilharam, pois é sempre agradável quando acreditam na gente; e o elogio de um amigo é sempre mais delicioso que uma dúzia de lisonjas de jornal." (pág. 199)
"-Tenho pensado muito ultimamente sobre meu 'monte de defeitos', e ser egoísta é o maior de todos, por isso vou me esforçar para curar-me disso, se puder. Beth não é egoísta, e é por isso que todos gostam dela e se sentem tão mal ao pensar em perdê-la. As pessoas não sentiriam nem a metade por mim, se eu estivesse doente, e não mereço que fiquem, mas gostaria que muitos e muitos amigos me amassem e sentissem a minha falta, por isso vou tentar ser como Beth tanto quanto puder. Tenho tendência a esquecer minhas resoluções, mas se tivesse sempre comigo algo que as lembrasse, acho que me sairia melhor." (pág. 259)
"-Dinheiro é uma coisa boa e útil, Jo, e espero que minhas filhas nunca sintam muito amargamente sua falta, nem fiquem tentadas demais por ele. Eu gostaria que John estivesse solidamente estabelecido em algum bom negócio, que lhe desse um rendimento suficiente para livrá-lo de dívidas e sustentar Meg com conforto. Não ambiciono uma esplêndida fortuna, uma posição invejável ou um grande nome para minhas filhas. Se a posição e o dinheiro acompanharem o amor e a virtude, eu os aceitarei de bom grado, e ficarei contente com a boa sorte de vocês; mas sei, por experiência, quanta felicidade genuína pode haver numa casinha simples, onde se ganha o pão de cada dia, e algumas privações fazem doces os poucos prazeres. Estou satisfeita de ver Meg começar modestamente, pois, se não estou enganada, ela será rica com a posse do coração de um homem bom, e isso é melhor que uma fortuna." (pág. 262/263)
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
Crianças de 24 quilates
Título: Crianças de 24 quilates
Autor: Dra. Judy Goldstein / Sebastian Stuart
Páginas: 334
Shelley é uma pediatra recém-formada, à procura de seu primeiro emprego. Uma das oportunidades que aparece é numa clínica de alta classe, frequentada por celebridades de todas as áreas.
O desafio de Shelley agora é se mostrar à altura de cuidar das crianças famosas, resolver seus traumas e problemas e conquistar o respeito e atenção dos pais, sem no entanto deixar que este mundo da opulência a domine.
Trechos interessantes:
"-Apos - gritou minha mãe do outro lado do restaurante. Caso você esteja se perguntando o que Apos significa, é 'Arrume a postura, Shelley'. Mamãe inventou isso para que pudesse corrigir minha postura em público sem chamar atenção. Sou a única pessoa que conheço que é repreendida com uma sigla." (pág. 18)
"-A minha filosofia de criação de filhos? Minha filosofia é de que os pais devem relaxar e deixar que isso aconteça naturalmente. Vocês não estão estudando para o exame da Ordem aqui, vocês não precisam ser pediatras, e eu não me importo quanto controle vocês exerçam em outras áreas das suas vidas, ter um bebê é uma experiência incontrolável. Deixem a vida que vocês estão trazendo ao mundo se desenvolver no seu próprio ritmo, não no de vocês... não tem nada a ver com vocês, e um bebê não é a última moda em acessório. Então, relaxem um pouco, sejam surpreendidos e espontâneos, rendam-se à bagunça. Parem de exagerar e confiem em seus instintos. Esta é a minha filosofia." (pág. 80)
"Eu realmente me sentia como se tivesse entrado em outro mundo, um mundo onde ninguém gritava para o outro lado da sala nem brigava pela última fatia de torta, onde as pessoas podiam ser agradáveis e generosas, onde a vida era cheia de tranquilidade e estilo, sofisticação e possibilidades. Será que eu não estava sendo ingênua? Provavelmente. Mas tudo era tão emocionante, que não me importei." (pág. 107)
"-[...]Eu me sinto péssima vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Minha carreira não suporta isso... sou uma profissional de sucesso, mas estou parecendo uma doente mental. Tem que haver uma maneira de fazer esse bebê dormir. Estou falando sério, porque estou começando a odiá-la, e isso não pode ser saudável. - Ela me olhou com tristeza.
Ah, sono. É sempre um grande problema que acompanha a chegada de um bebê. E para personalidades controladoras de sucesso que levavam vidas até então cem por cento controladas, é um problema colossal. Elas consideram sua capacidade de controlar os invariavelmente caóticos primeiros meses de vida de um bebê como um fracasso pessoal." (pág. 136)
"Tive um professor de medicina incrível que sempre dizia que a respiração profunda é a mais poderosa ferramenta terapêutica do mundo, mas que, como era de graça e não vinha em fórmula de pílula, as pessoas raramente a usavam." (pág. 149)
"-Você pode me odiar pelo que vou dizer agora, mas vou dizer assim mesmo. Este é o seu momento. Muitas portas bastante emocionantes estão se abrindo. Se você pelo menos não mergulhar os dedos dos pés no grande mundo glamouroso pra ver se gosta ou não, talvez venha a se arrepender mais para a frente. Quer dizer, olhe para você, Shelley... você é um mulherão. E tem charme de verdade. Sei com certeza que Josh Potter está interessado em você. Você não quer chegar aos 65 anos e olhar para trás cheia de eu devia-eu podia-eu teria, desejando ter pelo menos beliscado o fabuloso bufê que foi estendido diante de você." (pág. 168)
"Aquela não era a primeira vez que eu via uma mãe rica deixar uma criança nas mãos de alguém com quem pensaria duas vezes antes de deixar meu cachorro. Era um fenômeno estranho, que eu já havia discutido com a Dra. Marge e a Candace, a forma como muitas dessas mulheres da sociedade confiavam despreocupadamente numa governanta que não falava inglês ou numa au pair que estava no país havia uma semana ou num serviço de babás neófitas para acompanhar os filhos em algo tão importante quanto uma consulta médica." (pág. 181)
"Eu havia estudado psicologia o bastante para identificar que Lee Merrill estava enfrentando uma das verdades tácitas da maternidade: o fenômeno no qual uma nova mãe tem uma forte reação negativa ao recém-nascido. A reação normalmente é detonada ou por ciúme, porque o bebê rouba da mãe a atenção do marido e do mundo, ou por claustrofobia - de repente você está amarrada a outra pessoa para o resto da vida, e a sua liberdade emocional e física é abreviada profundamente. Meu palpite era de que Lee Merrill se encaixava na categoria claustrofóbica. Ali estava uma mulher jovem com ambições mundanas grandiosas, e não há nada incrivelmente grandioso ou mundano num bebê exigente." (pág. 238)
"Embora tenha gostado de ouvir suas palavras gentis, uma parte de mim ficou decepcionada por ele não ter desafiado ou questionado a minha decisão, ainda que levemente. Eu queria uma chance de expor as minhas próprias dúvidas. Às vezes, apoio incondicional não é algo de que uma filha precise, mesmo que possa ser o que ela acredite querer." (pág. 267/268)
"-Sra. Miller, podemos falar um minuto sobre seus filhos chuparem o dedo?
-É para isso que estou aqui. Engessar é uma alternativa? Gostei da sua roupa. É Fendi, não é? Acabamos de comprar uma casa em Millbrook. Tally-ho, ha ha.
-Engessar não é uma alternativa. Na verdade, essa técnica não tem sido usada há alguns anos, e sinto muito que você tenha sido submetida a ela. É importante lembrar que sugar é algo instintivo para uma criança e que costuma começar logo depois, ou mesmo antes, do nascimento. Na verdade, alguns bebês nascem com bolhas de tanto chupar os pulsos ou as mãos. Um bebê que chupa o dedo é, na verdade, um bebê capaz de acalmar a si mesmo, o que pode ser um sinal de independência sadia ou auto-suficiência." (pág. 292/293)
"-Enfim, eu passei por aqui porque fiquei sabendo que você vai almoçar com as irmãs Van Rensselaer. Eu as conheço desde o ventre.
-Como elas são?
-Digamos que elas provam o princípio Paris-Hilton: é possível ter dinheiro e nome e ainda assim ser ralé." (pág. 322)
Autor: Dra. Judy Goldstein / Sebastian Stuart
Páginas: 334
Shelley é uma pediatra recém-formada, à procura de seu primeiro emprego. Uma das oportunidades que aparece é numa clínica de alta classe, frequentada por celebridades de todas as áreas.
O desafio de Shelley agora é se mostrar à altura de cuidar das crianças famosas, resolver seus traumas e problemas e conquistar o respeito e atenção dos pais, sem no entanto deixar que este mundo da opulência a domine.
Trechos interessantes:
"-Apos - gritou minha mãe do outro lado do restaurante. Caso você esteja se perguntando o que Apos significa, é 'Arrume a postura, Shelley'. Mamãe inventou isso para que pudesse corrigir minha postura em público sem chamar atenção. Sou a única pessoa que conheço que é repreendida com uma sigla." (pág. 18)
"-A minha filosofia de criação de filhos? Minha filosofia é de que os pais devem relaxar e deixar que isso aconteça naturalmente. Vocês não estão estudando para o exame da Ordem aqui, vocês não precisam ser pediatras, e eu não me importo quanto controle vocês exerçam em outras áreas das suas vidas, ter um bebê é uma experiência incontrolável. Deixem a vida que vocês estão trazendo ao mundo se desenvolver no seu próprio ritmo, não no de vocês... não tem nada a ver com vocês, e um bebê não é a última moda em acessório. Então, relaxem um pouco, sejam surpreendidos e espontâneos, rendam-se à bagunça. Parem de exagerar e confiem em seus instintos. Esta é a minha filosofia." (pág. 80)
"Eu realmente me sentia como se tivesse entrado em outro mundo, um mundo onde ninguém gritava para o outro lado da sala nem brigava pela última fatia de torta, onde as pessoas podiam ser agradáveis e generosas, onde a vida era cheia de tranquilidade e estilo, sofisticação e possibilidades. Será que eu não estava sendo ingênua? Provavelmente. Mas tudo era tão emocionante, que não me importei." (pág. 107)
"-[...]Eu me sinto péssima vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Minha carreira não suporta isso... sou uma profissional de sucesso, mas estou parecendo uma doente mental. Tem que haver uma maneira de fazer esse bebê dormir. Estou falando sério, porque estou começando a odiá-la, e isso não pode ser saudável. - Ela me olhou com tristeza.
Ah, sono. É sempre um grande problema que acompanha a chegada de um bebê. E para personalidades controladoras de sucesso que levavam vidas até então cem por cento controladas, é um problema colossal. Elas consideram sua capacidade de controlar os invariavelmente caóticos primeiros meses de vida de um bebê como um fracasso pessoal." (pág. 136)
"Tive um professor de medicina incrível que sempre dizia que a respiração profunda é a mais poderosa ferramenta terapêutica do mundo, mas que, como era de graça e não vinha em fórmula de pílula, as pessoas raramente a usavam." (pág. 149)
"-Você pode me odiar pelo que vou dizer agora, mas vou dizer assim mesmo. Este é o seu momento. Muitas portas bastante emocionantes estão se abrindo. Se você pelo menos não mergulhar os dedos dos pés no grande mundo glamouroso pra ver se gosta ou não, talvez venha a se arrepender mais para a frente. Quer dizer, olhe para você, Shelley... você é um mulherão. E tem charme de verdade. Sei com certeza que Josh Potter está interessado em você. Você não quer chegar aos 65 anos e olhar para trás cheia de eu devia-eu podia-eu teria, desejando ter pelo menos beliscado o fabuloso bufê que foi estendido diante de você." (pág. 168)
"Aquela não era a primeira vez que eu via uma mãe rica deixar uma criança nas mãos de alguém com quem pensaria duas vezes antes de deixar meu cachorro. Era um fenômeno estranho, que eu já havia discutido com a Dra. Marge e a Candace, a forma como muitas dessas mulheres da sociedade confiavam despreocupadamente numa governanta que não falava inglês ou numa au pair que estava no país havia uma semana ou num serviço de babás neófitas para acompanhar os filhos em algo tão importante quanto uma consulta médica." (pág. 181)
"Eu havia estudado psicologia o bastante para identificar que Lee Merrill estava enfrentando uma das verdades tácitas da maternidade: o fenômeno no qual uma nova mãe tem uma forte reação negativa ao recém-nascido. A reação normalmente é detonada ou por ciúme, porque o bebê rouba da mãe a atenção do marido e do mundo, ou por claustrofobia - de repente você está amarrada a outra pessoa para o resto da vida, e a sua liberdade emocional e física é abreviada profundamente. Meu palpite era de que Lee Merrill se encaixava na categoria claustrofóbica. Ali estava uma mulher jovem com ambições mundanas grandiosas, e não há nada incrivelmente grandioso ou mundano num bebê exigente." (pág. 238)
"Embora tenha gostado de ouvir suas palavras gentis, uma parte de mim ficou decepcionada por ele não ter desafiado ou questionado a minha decisão, ainda que levemente. Eu queria uma chance de expor as minhas próprias dúvidas. Às vezes, apoio incondicional não é algo de que uma filha precise, mesmo que possa ser o que ela acredite querer." (pág. 267/268)
"-Sra. Miller, podemos falar um minuto sobre seus filhos chuparem o dedo?
-É para isso que estou aqui. Engessar é uma alternativa? Gostei da sua roupa. É Fendi, não é? Acabamos de comprar uma casa em Millbrook. Tally-ho, ha ha.
-Engessar não é uma alternativa. Na verdade, essa técnica não tem sido usada há alguns anos, e sinto muito que você tenha sido submetida a ela. É importante lembrar que sugar é algo instintivo para uma criança e que costuma começar logo depois, ou mesmo antes, do nascimento. Na verdade, alguns bebês nascem com bolhas de tanto chupar os pulsos ou as mãos. Um bebê que chupa o dedo é, na verdade, um bebê capaz de acalmar a si mesmo, o que pode ser um sinal de independência sadia ou auto-suficiência." (pág. 292/293)
"-Enfim, eu passei por aqui porque fiquei sabendo que você vai almoçar com as irmãs Van Rensselaer. Eu as conheço desde o ventre.
-Como elas são?
-Digamos que elas provam o princípio Paris-Hilton: é possível ter dinheiro e nome e ainda assim ser ralé." (pág. 322)
domingo, 17 de setembro de 2017
Caçadores de bons exemplos
Título: Caçadores de bons exemplos
Autor: Iara Xavier e Eduardo Xavier
Páginas: 256
Um dia o casal Iara e Eduardo resolveu vender o que tinha e sair Brasil afora à procura de pessoas que estivessem praticando o bem com seus semelhantes. O livro é o relato dessa jornada onde as histórias vão se acumulando, mostrando que no Brasil há, sim, muitas pessoas praticando o bem. Apenas a divulgação é que é mínima.
Enfrentando problemas de toda natureza e sem contar com nenhum auxílio, o casal percorre todos os estados do Brasil apontando, mostrando e divulgando uma infinidade de projetos e ações que as pessoas promovem com o intuito de ajudar os mais necessitados. Faz a gente pensar sobre o que estamos fazendo (ou deixando de fazer) em benefício do próximo.
Trechos interessantes:
"Dizem que cada um de nós guarda dentro de si quatro pessoas diferentes:
Quem a gente acha que é;
Quem as pessoas acham que somos;
Quem a gente realmente é; e
Quem nós queremos nos tornar!
Fomos em busca dessa quarta opção!
Como já dizia Lao Tsé: Não sabendo que era impossível, foi lá e fez!" (pág. 8)
"Uma amiga nos contou que a palavra coragem vem da fusão de duas outras, de raiz latina, coeur (coração) e age (agir). E o significado, segundo ela, era exatamente este: não parar para pensar.
-Portanto - dizia ela, citando o filósofo hinduísta Osho -, ser corajoso significa viver com o coração. Só os fracos vivem com a cabeça. Receosos, eles criam em torno deles uma segurança baseada na lógica. Com medo, fecham todas as janelas e portas, com conceitos, palavras, teorias, e se escondem. O caminho do coração é o caminho da coragem. É viver na insegurança; é viver no amor e confiar; é enfrentar o desconhecido. É deixar o passado para trás e deixar o futuro ser." (pág. 18)
"Nunca fomos santos. Cometemos vários erros durante toda a nossa vida. Atitudes desenfreadas e julgamentos injustos. Contudo, não estamos aqui para falar de nosso passado, e sim do que vivemos depois que decidimos mudar nossa história.
O que são erros senão aprendizados?
Muitas pessoas acham que, para fazer o bem, é preciso ser totalmente puro; por essa teoria, a pessoa já nasceu 'boa'.
Que nada! Todos nós estamos na vida para aprender. A vida é uma grande escola. Todos cometemos erros, por carência, por egoísmo, por amor, por não saber o que é certo ou errado. No entanto, se quisermos ou tivermos oportunidade, todos podemos fazer algo bom." (pág. 26)
"TODOS nós precisamos nos policiar. Aceitar a condição humana e seus erros é o primeiro passo para seguir um caminho diferente. O que é verdade e o que é mentira? Só podemos ter certeza da verdade no que se refere a nós mesmos. No que se refere ao outro, sempre existirá outra versão." (pág. 33)
"Amar aquele que está fazendo tudo certinho em sua vida é muito fácil. Um dia, o grande mestre Jesus disse: 'Amai os vossos inimigos.' Eu achava uma insanidade. Como podemos amar alguém que nos fez mal? E um dia um amigo me disse:
-Não significa que você deve amar da mesma forma que você ama seus pais, sua família ou seu namorado. Significa que você deve fazer o que o amor faz. Quando você ama, você respeita, tolera, incentiva, perdoa e, acima de tudo, você diz que ama. Isso faz toda a diferença na vida de qualquer pessoa. Significa: independentemente de qualquer coisa, estamos juntos!" (pág. 36)
"[..] um bêbado nos parou e disse:
-Só o nome Caçadores de bons exemplos já é bom, nem preciso saber o que fazem." (pág. 44)
"O que vocês fazem é genial, pois levam e divulgam esperança. Vocês são como médicos na guerra. Não conseguirão acabar com o confronto, porém amenizarão as dores de quem está vivendo nele." (pág. 50)
"'Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas, se você não fizer nada, não existirão resultados.' Gandhi" (pág. 96)
"Ainda queremos ver a banalização das informações do bem! Sinceramente, acreditamos que, se começarmos a falar mais do bem, as pessoas não terão coragem de fazer o mal. Ou pelo menos pensarão duas vezes. Esperamos que um dia seja normal ser solidário, gentil e ter pensamentos de crescimento coletivo." (pág. 121)
"Uma vez, refletimos sobre o sentido do 'happy hour'. Como pode alguém ficar esperando um horário para ser feliz? Devemos tentar ser felizes em todos os lugares e em todos os horários! Se você passa a semana inteira esperando a sexta-feira chegar... Se na sexta-feira você passa o dia todo olhando o relógio até o expediente terminar... Se no domingo à noite você fica deprimido porque a semana está começando... E se você acredita que uma hora feliz não pode ser no seu trabalho nem na sua casa... Você precisa rever sua vida. Algo está errado." (pág. 125/126)
"Nossas chegadas e partidas foram quase diárias. Se ficássemos mais de dois dias nos lugares, já fazíamos amigos e sofríamos nas despedidas. O coração batia mais forte, não segurava as lágrimas. Um aperto no peito, tantas coisas para falar, tantos agradecimentos. Saudade antes mesmo de partir. Sentíamos amor por pessoas que um mês antes nem sequer conhecíamos. Como pode isso?"(pág. 183)
"Magna sempre escolhia aquelas que tinham algum problema de saúde e cuja adoção seria difícil. Enquanto alguns casais optavam por crianças bonitas e saudáveis, Magna e Carlos preferiam os excluídos. A filosofia desse casal é educar com amor; para eles, a religião é aquilo que se vive, e não aquilo que se demonstra." (pág. 245/246)
Autor: Iara Xavier e Eduardo Xavier
Páginas: 256
Um dia o casal Iara e Eduardo resolveu vender o que tinha e sair Brasil afora à procura de pessoas que estivessem praticando o bem com seus semelhantes. O livro é o relato dessa jornada onde as histórias vão se acumulando, mostrando que no Brasil há, sim, muitas pessoas praticando o bem. Apenas a divulgação é que é mínima.
Enfrentando problemas de toda natureza e sem contar com nenhum auxílio, o casal percorre todos os estados do Brasil apontando, mostrando e divulgando uma infinidade de projetos e ações que as pessoas promovem com o intuito de ajudar os mais necessitados. Faz a gente pensar sobre o que estamos fazendo (ou deixando de fazer) em benefício do próximo.
Trechos interessantes:
"Dizem que cada um de nós guarda dentro de si quatro pessoas diferentes:
Quem a gente acha que é;
Quem as pessoas acham que somos;
Quem a gente realmente é; e
Quem nós queremos nos tornar!
Fomos em busca dessa quarta opção!
Como já dizia Lao Tsé: Não sabendo que era impossível, foi lá e fez!" (pág. 8)
"Uma amiga nos contou que a palavra coragem vem da fusão de duas outras, de raiz latina, coeur (coração) e age (agir). E o significado, segundo ela, era exatamente este: não parar para pensar.
-Portanto - dizia ela, citando o filósofo hinduísta Osho -, ser corajoso significa viver com o coração. Só os fracos vivem com a cabeça. Receosos, eles criam em torno deles uma segurança baseada na lógica. Com medo, fecham todas as janelas e portas, com conceitos, palavras, teorias, e se escondem. O caminho do coração é o caminho da coragem. É viver na insegurança; é viver no amor e confiar; é enfrentar o desconhecido. É deixar o passado para trás e deixar o futuro ser." (pág. 18)
"Nunca fomos santos. Cometemos vários erros durante toda a nossa vida. Atitudes desenfreadas e julgamentos injustos. Contudo, não estamos aqui para falar de nosso passado, e sim do que vivemos depois que decidimos mudar nossa história.
O que são erros senão aprendizados?
Muitas pessoas acham que, para fazer o bem, é preciso ser totalmente puro; por essa teoria, a pessoa já nasceu 'boa'.
Que nada! Todos nós estamos na vida para aprender. A vida é uma grande escola. Todos cometemos erros, por carência, por egoísmo, por amor, por não saber o que é certo ou errado. No entanto, se quisermos ou tivermos oportunidade, todos podemos fazer algo bom." (pág. 26)
"TODOS nós precisamos nos policiar. Aceitar a condição humana e seus erros é o primeiro passo para seguir um caminho diferente. O que é verdade e o que é mentira? Só podemos ter certeza da verdade no que se refere a nós mesmos. No que se refere ao outro, sempre existirá outra versão." (pág. 33)
"Amar aquele que está fazendo tudo certinho em sua vida é muito fácil. Um dia, o grande mestre Jesus disse: 'Amai os vossos inimigos.' Eu achava uma insanidade. Como podemos amar alguém que nos fez mal? E um dia um amigo me disse:
-Não significa que você deve amar da mesma forma que você ama seus pais, sua família ou seu namorado. Significa que você deve fazer o que o amor faz. Quando você ama, você respeita, tolera, incentiva, perdoa e, acima de tudo, você diz que ama. Isso faz toda a diferença na vida de qualquer pessoa. Significa: independentemente de qualquer coisa, estamos juntos!" (pág. 36)
"[..] um bêbado nos parou e disse:
-Só o nome Caçadores de bons exemplos já é bom, nem preciso saber o que fazem." (pág. 44)
"O que vocês fazem é genial, pois levam e divulgam esperança. Vocês são como médicos na guerra. Não conseguirão acabar com o confronto, porém amenizarão as dores de quem está vivendo nele." (pág. 50)
"'Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas, se você não fizer nada, não existirão resultados.' Gandhi" (pág. 96)
"Ainda queremos ver a banalização das informações do bem! Sinceramente, acreditamos que, se começarmos a falar mais do bem, as pessoas não terão coragem de fazer o mal. Ou pelo menos pensarão duas vezes. Esperamos que um dia seja normal ser solidário, gentil e ter pensamentos de crescimento coletivo." (pág. 121)
"Uma vez, refletimos sobre o sentido do 'happy hour'. Como pode alguém ficar esperando um horário para ser feliz? Devemos tentar ser felizes em todos os lugares e em todos os horários! Se você passa a semana inteira esperando a sexta-feira chegar... Se na sexta-feira você passa o dia todo olhando o relógio até o expediente terminar... Se no domingo à noite você fica deprimido porque a semana está começando... E se você acredita que uma hora feliz não pode ser no seu trabalho nem na sua casa... Você precisa rever sua vida. Algo está errado." (pág. 125/126)
"Nossas chegadas e partidas foram quase diárias. Se ficássemos mais de dois dias nos lugares, já fazíamos amigos e sofríamos nas despedidas. O coração batia mais forte, não segurava as lágrimas. Um aperto no peito, tantas coisas para falar, tantos agradecimentos. Saudade antes mesmo de partir. Sentíamos amor por pessoas que um mês antes nem sequer conhecíamos. Como pode isso?"(pág. 183)
"Magna sempre escolhia aquelas que tinham algum problema de saúde e cuja adoção seria difícil. Enquanto alguns casais optavam por crianças bonitas e saudáveis, Magna e Carlos preferiam os excluídos. A filosofia desse casal é educar com amor; para eles, a religião é aquilo que se vive, e não aquilo que se demonstra." (pág. 245/246)
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
Agente do caos
Título: Agente do caos
Autor: Kami Garcia
Páginas: 314
A premissa do livro é apresentar uma história que mostre Fox Mulder antes de se tornar Fox Mulder, ou seja, antes de ser um personagem emblemático do Arquivo X.
Preocupado com o sumiço de sua irmã Samantha, Fox se envolve num caso de crianças que são sequestradas e depois aparecem mortas. Quando a polícia não dá a mínima para o caso, Fox entra em ação para tentar descobrir o assassino. Para isso vai contar com a ajuda de Gimble (seu melhor amigo), de Phoebe (sua melhor amiga), um major louco (pai de Gimble) e um estranho (apropriadamente apelidado de X).
Trechos interessantes:
"-Não consegue se lembrar dos rostos das pessoas? - perguntou Gimble, confuso.
Phoebe suspirou.
-É claro que consegue, mas não melhor do que uma pessoa comum. Uma memória fotográfica não se aplica a todas as coisas. É um mito - explicou ela." (pág. 76)
"Tudo o que ele fazia, ou não fazia, era ao extremo. Sempre teve problemas para dormir, mas com frequência isso se transformava em insônia pesada. Depois que assistiu ao primeiro jogo dos Knicks, foi até a biblioteca e leu tudo o que conseguiu encontrar sobre o time. Na semana seguinte, conhecia as estatísticas de cinco temporadas. O pai chamava tais tendências de obsessivas.
Mulder preferia o termo concentrado." (pág. 91)
"-Jamais julgue um homem pelo tamanho da conta bancária dele ou pelo lugar em que pendura o uniforme." (pág. 140)
"Depois que Samantha sumiu, pesquisar crime e psicologia se tornou meio que um hobby esquisito. Naquela época, ele não pensara muito no quanto era estranho. Apenas acrescentou isso à lista crescente de interesses - New York Knicks e basquete, Jornada nas Estrelas e o programa espacial da NASA, Farrah Fawcett e a Mulher-Maravilha, e sequestradores e assassinos em série." (pág. 143)
"-Estou dizendo que não temos certeza. Talvez o motivo pelo qual os pedaços pareçam se encaixar seja porque nós queremos que se encaixem. E se estivermos errados?
-E se não estivermos? - disparou Mulder de volta.
-Então é provavelmente uma ideia ruim aparecer na casa de um assassino em série e tocar a campainha como se estivéssemos vendendo biscoitos - replicou Gimble, bruscamente." (pág. 199)
"-Ratos não são espertos, mas fazem qualquer coisa para sobreviver. Está vendo isso? - Ele apontou para a foto do espécimen de rei dos ratos. Vinte ratos, com as caudas entrelaçadas e presas no centro, com as cabeças apontadas para fora. -Se ratos se emaranhassem assim na vida real, sabe o que fariam? - O pai de X tomou outro gole. -Eles mastigariam as próprias caudas para se libertarem.
O homem bateu na foto.
-Pessoas fizeram isso. Amarraram as caudas dos ratos para que não pudessem se soltar. A natureza não cria monstros. Apenas os homens fazem isso." (pág. 225/226)
"Monstros não deveriam conseguir se misturar às pessoas normais. Se uma criança se encontrasse frente a frente com um, como saberia?" (pág. 242)
Autor: Kami Garcia
Páginas: 314
A premissa do livro é apresentar uma história que mostre Fox Mulder antes de se tornar Fox Mulder, ou seja, antes de ser um personagem emblemático do Arquivo X.
Preocupado com o sumiço de sua irmã Samantha, Fox se envolve num caso de crianças que são sequestradas e depois aparecem mortas. Quando a polícia não dá a mínima para o caso, Fox entra em ação para tentar descobrir o assassino. Para isso vai contar com a ajuda de Gimble (seu melhor amigo), de Phoebe (sua melhor amiga), um major louco (pai de Gimble) e um estranho (apropriadamente apelidado de X).
Trechos interessantes:
"-Não consegue se lembrar dos rostos das pessoas? - perguntou Gimble, confuso.
Phoebe suspirou.
-É claro que consegue, mas não melhor do que uma pessoa comum. Uma memória fotográfica não se aplica a todas as coisas. É um mito - explicou ela." (pág. 76)
"Tudo o que ele fazia, ou não fazia, era ao extremo. Sempre teve problemas para dormir, mas com frequência isso se transformava em insônia pesada. Depois que assistiu ao primeiro jogo dos Knicks, foi até a biblioteca e leu tudo o que conseguiu encontrar sobre o time. Na semana seguinte, conhecia as estatísticas de cinco temporadas. O pai chamava tais tendências de obsessivas.
Mulder preferia o termo concentrado." (pág. 91)
"-Jamais julgue um homem pelo tamanho da conta bancária dele ou pelo lugar em que pendura o uniforme." (pág. 140)
"Depois que Samantha sumiu, pesquisar crime e psicologia se tornou meio que um hobby esquisito. Naquela época, ele não pensara muito no quanto era estranho. Apenas acrescentou isso à lista crescente de interesses - New York Knicks e basquete, Jornada nas Estrelas e o programa espacial da NASA, Farrah Fawcett e a Mulher-Maravilha, e sequestradores e assassinos em série." (pág. 143)
"-Estou dizendo que não temos certeza. Talvez o motivo pelo qual os pedaços pareçam se encaixar seja porque nós queremos que se encaixem. E se estivermos errados?
-E se não estivermos? - disparou Mulder de volta.
-Então é provavelmente uma ideia ruim aparecer na casa de um assassino em série e tocar a campainha como se estivéssemos vendendo biscoitos - replicou Gimble, bruscamente." (pág. 199)
"-Ratos não são espertos, mas fazem qualquer coisa para sobreviver. Está vendo isso? - Ele apontou para a foto do espécimen de rei dos ratos. Vinte ratos, com as caudas entrelaçadas e presas no centro, com as cabeças apontadas para fora. -Se ratos se emaranhassem assim na vida real, sabe o que fariam? - O pai de X tomou outro gole. -Eles mastigariam as próprias caudas para se libertarem.
O homem bateu na foto.
-Pessoas fizeram isso. Amarraram as caudas dos ratos para que não pudessem se soltar. A natureza não cria monstros. Apenas os homens fazem isso." (pág. 225/226)
"Monstros não deveriam conseguir se misturar às pessoas normais. Se uma criança se encontrasse frente a frente com um, como saberia?" (pág. 242)
terça-feira, 29 de agosto de 2017
6 de abril
Título: 6 de abril
Autor: Sveva Casati Modignani
Páginas: 302
Lendo as primeiras páginas, tem-se a impressão de tratar-se de um livro de espionagem, tendo em vista o estilo enigmático da história. Mas a realidade é bem diferente.
O livro nos apresenta a saga das mulheres de uma família italiana, mostrando as dificuldades e os percalços encontrados para tentar sobreviver e dar continuidade à sua família. Apesar de Irene ser a personagem que aparece no início do livro, a personagem principal da história é sua avó, Agostina, que, devido ao seu gênio contestador, só conheceu dificuldades durante sua vida.
Trechos interessantes:
"-Tem a certeza que sabe como é que eu me sinto? Estou aqui há sete dias e ninguém se apresentou para dizer: sou o marido, ou o namorado, ou o filho, ou a mãe, ou o amigo do peito, ou o colega de trabalho. Ninguém me procurou. De onde venho? O que será que fiz de tão terrível para ninguém me procurar?" (pág. 19)
"-E resume-se a isso, aquilo que deseja da vida?
-Oh, não! Desejo muito mais - declarou sorrindo.
-Por exemplo?
-Quero ficar rica e ser admirada, cortejada, bajulada e venerada.
-Pensava que sonhava com o Príncipe Encantado. Normalmente, na sua idade, as moças sonham com o amor.
-O amor, como diz a minha avó, dura um dia. A riqueza e o poder duram toda a vida.
-Irene, Irene, quando é que vai crescer? - suspirou Angelo, enquanto despenteava os seus cabelos.
-Se crescer significa contentarmo-nos com aquilo que temos e deixar de sonhar com os olhos abertos, eu nunca vou crescer." (pág. 41)
"-Posso fazer alguma coisa por você? - perguntou-lhe alguém em surdina. Francesca teve um sobressalto. Achou-se ao lado de uma freira que a olhava com simpatia. As outras tinham ido embora e a igreja estava deserta.
-Estou à procura de Deus - sussurrou.
-Procura-o em você - respondeu a monja." (pág. 88)
"-É preciso que você saiba. A tua vida, o teu futuro, são coisas que me preocupam. Vive-se mal no meio dos equívocos. Na nossa família há muitos equívocos para uma menina como você. Sabe, Irene, a vida não é fácil para ninguém. Mas para as mulheres é dificílima. O mundo muda muito depressa e nunca para melhor, pelo menos para nós." (pág. 117)
"Durante dias e dias, da madrugada até o anoitecer, andou dobrada colhendo flores. Agostina aprendeu rapidamente a fazer raminhos de vinte, quarenta e sessenta violetas. Uma mulher passava e colocava os ramos em grandes caixas de cartão que eram logo despachadas para as grandes cidades: Paris, Lion, Londres. Eram presentes para mulheres cortejadas e elegantes que, ao recebê-las, sorririam satisfeitas sem saberem nada sobre a dor e o cansaço, as privações e as lágrimas de outras mulheres menos afortunadas." (pág. 123)
"Agostina pensou que as mulheres vivem toda a vida numa condição de perene submissão: primeiro ao pai e depois ao marido. Enquanto a mulher respeitasse essa regra, garantindo ao homem o direito de supremacia, gozava do respeito dos outros. Agostina não tinha conseguido aceitar essa situação." (pág. 163)
"-Hoje de manhã estava no estábulo e apareceu um delegado sindical de Cuneo - contou Agostina. -Disse-me que eu não devia ordenhar as minhas vacas porque ao domingo não se trabalha. Não é que está tudo maluco? São animais e não sabem que ao domingo não podem produzir leite. Se não as ordenho apanham uma mastite e depois tenho que mandá-las para o matadouro. Aquele é um dos tais que acreditam que o leite é o leiteiro que o faz." (pág. 196)
"-O que foi que eu fiz de mal? - perguntou Agostina.
-Só fez aquilo que a apeteceu fazer. O mal e o bem não têm nada a ver com isso. Deixa as coisas acontecerem, sem se atormentar. Só o Senhor é onipotente. Quer competir com Ele?" (pág. 217)
"Muitas fazendas pequenas agonizavam. Os jovens trabalhavam na indústria, única saída para a sobrevivência, enquanto os pais conseguiam com dificuldade tratar das pequenas propriedades.
Onde morria uma fazenda, nascia uma pequena fábrica. As instalações fabris, da periferia das cidades, invadiam os campos. O novo avançava com a arrogância do vencedor, e o velho, apesar de ter já perdido o fôlego, não se decidia a morrer." (pág. 228)
"-Quem é que quer derrubá-lo?
-Todos aqueles que me invejam. E são muitos. Cada operação comercial, cada transação, cada nova aquisição, cada nova empresa é como uma batalha em campo aberto entre dois exércitos opostos. Vence quem for mais forte, quem for mais destro, quem conseguir levar para o seu lado gente da facção adversária. Muitas vezes, quem perde não se conforma e continua a combater. Se não consegue através das vias legais, tenta com a difamação ou, pior ainda, com a intimidação - explicou, calmamente." (pág. 256)
Autor: Sveva Casati Modignani
Páginas: 302
Lendo as primeiras páginas, tem-se a impressão de tratar-se de um livro de espionagem, tendo em vista o estilo enigmático da história. Mas a realidade é bem diferente.
O livro nos apresenta a saga das mulheres de uma família italiana, mostrando as dificuldades e os percalços encontrados para tentar sobreviver e dar continuidade à sua família. Apesar de Irene ser a personagem que aparece no início do livro, a personagem principal da história é sua avó, Agostina, que, devido ao seu gênio contestador, só conheceu dificuldades durante sua vida.
Trechos interessantes:
"-Tem a certeza que sabe como é que eu me sinto? Estou aqui há sete dias e ninguém se apresentou para dizer: sou o marido, ou o namorado, ou o filho, ou a mãe, ou o amigo do peito, ou o colega de trabalho. Ninguém me procurou. De onde venho? O que será que fiz de tão terrível para ninguém me procurar?" (pág. 19)
"-E resume-se a isso, aquilo que deseja da vida?
-Oh, não! Desejo muito mais - declarou sorrindo.
-Por exemplo?
-Quero ficar rica e ser admirada, cortejada, bajulada e venerada.
-Pensava que sonhava com o Príncipe Encantado. Normalmente, na sua idade, as moças sonham com o amor.
-O amor, como diz a minha avó, dura um dia. A riqueza e o poder duram toda a vida.
-Irene, Irene, quando é que vai crescer? - suspirou Angelo, enquanto despenteava os seus cabelos.
-Se crescer significa contentarmo-nos com aquilo que temos e deixar de sonhar com os olhos abertos, eu nunca vou crescer." (pág. 41)
"-Posso fazer alguma coisa por você? - perguntou-lhe alguém em surdina. Francesca teve um sobressalto. Achou-se ao lado de uma freira que a olhava com simpatia. As outras tinham ido embora e a igreja estava deserta.
-Estou à procura de Deus - sussurrou.
-Procura-o em você - respondeu a monja." (pág. 88)
"-É preciso que você saiba. A tua vida, o teu futuro, são coisas que me preocupam. Vive-se mal no meio dos equívocos. Na nossa família há muitos equívocos para uma menina como você. Sabe, Irene, a vida não é fácil para ninguém. Mas para as mulheres é dificílima. O mundo muda muito depressa e nunca para melhor, pelo menos para nós." (pág. 117)
"Durante dias e dias, da madrugada até o anoitecer, andou dobrada colhendo flores. Agostina aprendeu rapidamente a fazer raminhos de vinte, quarenta e sessenta violetas. Uma mulher passava e colocava os ramos em grandes caixas de cartão que eram logo despachadas para as grandes cidades: Paris, Lion, Londres. Eram presentes para mulheres cortejadas e elegantes que, ao recebê-las, sorririam satisfeitas sem saberem nada sobre a dor e o cansaço, as privações e as lágrimas de outras mulheres menos afortunadas." (pág. 123)
"Agostina pensou que as mulheres vivem toda a vida numa condição de perene submissão: primeiro ao pai e depois ao marido. Enquanto a mulher respeitasse essa regra, garantindo ao homem o direito de supremacia, gozava do respeito dos outros. Agostina não tinha conseguido aceitar essa situação." (pág. 163)
"-Hoje de manhã estava no estábulo e apareceu um delegado sindical de Cuneo - contou Agostina. -Disse-me que eu não devia ordenhar as minhas vacas porque ao domingo não se trabalha. Não é que está tudo maluco? São animais e não sabem que ao domingo não podem produzir leite. Se não as ordenho apanham uma mastite e depois tenho que mandá-las para o matadouro. Aquele é um dos tais que acreditam que o leite é o leiteiro que o faz." (pág. 196)
"-O que foi que eu fiz de mal? - perguntou Agostina.
-Só fez aquilo que a apeteceu fazer. O mal e o bem não têm nada a ver com isso. Deixa as coisas acontecerem, sem se atormentar. Só o Senhor é onipotente. Quer competir com Ele?" (pág. 217)
"Muitas fazendas pequenas agonizavam. Os jovens trabalhavam na indústria, única saída para a sobrevivência, enquanto os pais conseguiam com dificuldade tratar das pequenas propriedades.
Onde morria uma fazenda, nascia uma pequena fábrica. As instalações fabris, da periferia das cidades, invadiam os campos. O novo avançava com a arrogância do vencedor, e o velho, apesar de ter já perdido o fôlego, não se decidia a morrer." (pág. 228)
"-Quem é que quer derrubá-lo?
-Todos aqueles que me invejam. E são muitos. Cada operação comercial, cada transação, cada nova aquisição, cada nova empresa é como uma batalha em campo aberto entre dois exércitos opostos. Vence quem for mais forte, quem for mais destro, quem conseguir levar para o seu lado gente da facção adversária. Muitas vezes, quem perde não se conforma e continua a combater. Se não consegue através das vias legais, tenta com a difamação ou, pior ainda, com a intimidação - explicou, calmamente." (pág. 256)
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
O arroz de Palma
Título: O arroz de Palma
Autor: Francisco Azevedo
Páginas: 362
O livro é um relato de Antonio, um velho de 88 anos que se emociona ao relembrar a sua história e de sua família. Seus pais eram portugueses e, quando se casaram receberam de presente de sua Tia Palma, o arroz que foi jogado sobre eles depois da cerimônia, com a crença de que era um arroz abençoado e que lhes trariam felicidade e harmonia.
Esse arroz acompanha toda a trajetória da família, passando de um para outro, menosprezado por uns, desejado por outros e assim vai. Os pais de Antonio vieram para o Brasil, tiveram aqui quatro filhos e, durante todo esse tempo, o arroz de Palma teve a sua influência sobre o desenvolvimento dessa família.
Trechos interessantes:
"Sim, ainda tenho momentos de lucidez. Meu nome é Antonio. Antonio de quê? Antonio de tudo o que vivi e passei, vivo e passo. Depois, é fácil. Passarei, como tantos já passaram, para dar espaço às vidas incontáveis que virão - certo dia, por boas maneiras, o velho vivido agradece a atenção dispensada, fecha os olhos educadamente, levanta-se e cede o lugar para o bebê que chega, qualquer um que chega. Família somos todos." (pág. 15)
"-Já é tarde. Você jantou. Viu alguma bobagem na televisão. Veio para o quarto, leu mais uns capítulos do livro de cabeceira. O sono bate. As pálpebras começam a pesar. Agora, você quer é dormir. Está de banho tomado, dentes escovados, camisola limpa, nova muda de roupa de cama. O colchão com o lençol esticado apetece. Podem convidá-la para o que for, a melhor festa, o programa mais animado, ver o amigo ou o filho mais querido, conhecer a cidade que você sempre sonhou, comer o doce especial, fazer a antiga extravagância, o sexo mais arrebatado. Nada seduz. Nada será capaz de lhe tirar aquele soninho gostoso. Você se dá por satisfeita, está de bem com a vida. Tem certeza de que será uma noite tranquila. Enfim, quer mesmo é apagar a luz e dormir. E você dorme. E você se entrega ao desconhecido sem nenhum medo." (pág. 63/64)
"Quando conto ao meu neto casos vividos por mim, e por pessoas que me são queridas, ou que me foram passados por meus pais ou Tia Palma, não aspiro à posteridade. Bem ou mal falado, meu nome não irá além de umas poucas gerações. Pretendo apenas cuidar do meu jardim. Depois, será a vez de o mato tomar conta. Mas tudo a seu tempo.
Coleciono alguns guardados preciosos que, quando eu morrer, serão jogados fora, porque só fazem sentido para mim. A memória material deles começa e acaba em mim. Só a mim eles emocionam. Só eu lhes estimo o valor." (pág. 82)
"Acontece que família é prato difícil de preparar. Mesmo nas mãos do cozinheiro mais experiente, o doce desanda de uma hora para outra. A fofoca, súbito faz o estrago. O mexerico surpreende e desperta a fúria de quem parecia o mais pacato. Nada a fazer - há dias em que o mundo amanhece de ovo virado. O caldo entorna. E aí, mesmo em casas onde há fartura e sobra pão, todos berram sem razão. Por isso, quando há bolo na família, nunca ponho fermento. Deixo passar o tempo. E o que hoje parece tão sério, breve passará a fazer parte das reminiscências, das conversas de mesa, da horinha da saudade. Mas que, no momento, machuca, ah, machuca." (pág. 108/109)
"Breve tocará o sinal e o Professor Deus tomará a minha prova. Tantas questões por responder." (pág. 124)
"Tia Palma acha engraçado o nome 'Pão de Açúcar'. Que ideia! De onde será que tiraram isso?! Espanta-se por eu saber que foram os tupinambás, primeiros habitantes da região, que o batizaram de 'Pau-nh-açuquã' que, em tupi-guarani, quer dizer 'morro alto, isolado e pontudo', mas que os portugueses traduziram erradamente para 'Pão de Açúcar'. Tia Palma discorda: 'erradamente, não. Poeticamente'. Está certíssima.Já começo até a achar que o morro se parece mesmo com um bico de pão. Agora, é só esperar um pouco de neve no topo e o nome estará perfeito." (pág. 180/181)
"A felicidade desperta mais inveja que a riqueza." (pág. 250)
"Jovens, queremos o impossível, e isso é bom, porque o desatino nos dá preparo físico e fôlego para a realização de nossos sonhos. Adultos, aprendemos aos poucos a nos contentar com o possível - o sucesso possível, a saúde possível, a beleza possível, a ousadia possível - e isso é bom, porque a moderação nos vai ensinando o desapego necessário para, chegada a hora, podermos deixar a vida que é vigorosa e linda demais." (pág. 265)
"Palavra mete medo, assusta. Toda palavra. A mais inofensiva, súbito, causa estrago. Uma combinação equivocada, um tom infeliz, uma vírgula precipitada ou omissa podem significar o desastre. Palavra machuca, deixa marca. Palavra mata. Palavra deveria ficar guardada bem no fundo, no alto dos armários. Longe do alcance das crianças. E dos adultos. Palavra é arma. É preciso ter porte para usá-la." (pág. 292)
"Digo que não faz ideia do que era a vida antes da internet, da emoção ao abrirmos um envelope com notícias vindas de longe. Hoje, nem existe longe! Tudo é ali na esquina! [...] Mas, cá entre nós - e não vou falar isso para o Bernardo, que é até maldade -, é triste ser de uma época em que a única correspondência que nos chega ao escaninho são extratos bancários, contas, avisos de débito automáticos e propagandas inúteis." (pág. 312)
Autor: Francisco Azevedo
Páginas: 362
O livro é um relato de Antonio, um velho de 88 anos que se emociona ao relembrar a sua história e de sua família. Seus pais eram portugueses e, quando se casaram receberam de presente de sua Tia Palma, o arroz que foi jogado sobre eles depois da cerimônia, com a crença de que era um arroz abençoado e que lhes trariam felicidade e harmonia.
Esse arroz acompanha toda a trajetória da família, passando de um para outro, menosprezado por uns, desejado por outros e assim vai. Os pais de Antonio vieram para o Brasil, tiveram aqui quatro filhos e, durante todo esse tempo, o arroz de Palma teve a sua influência sobre o desenvolvimento dessa família.
Trechos interessantes:
"Sim, ainda tenho momentos de lucidez. Meu nome é Antonio. Antonio de quê? Antonio de tudo o que vivi e passei, vivo e passo. Depois, é fácil. Passarei, como tantos já passaram, para dar espaço às vidas incontáveis que virão - certo dia, por boas maneiras, o velho vivido agradece a atenção dispensada, fecha os olhos educadamente, levanta-se e cede o lugar para o bebê que chega, qualquer um que chega. Família somos todos." (pág. 15)
"-Já é tarde. Você jantou. Viu alguma bobagem na televisão. Veio para o quarto, leu mais uns capítulos do livro de cabeceira. O sono bate. As pálpebras começam a pesar. Agora, você quer é dormir. Está de banho tomado, dentes escovados, camisola limpa, nova muda de roupa de cama. O colchão com o lençol esticado apetece. Podem convidá-la para o que for, a melhor festa, o programa mais animado, ver o amigo ou o filho mais querido, conhecer a cidade que você sempre sonhou, comer o doce especial, fazer a antiga extravagância, o sexo mais arrebatado. Nada seduz. Nada será capaz de lhe tirar aquele soninho gostoso. Você se dá por satisfeita, está de bem com a vida. Tem certeza de que será uma noite tranquila. Enfim, quer mesmo é apagar a luz e dormir. E você dorme. E você se entrega ao desconhecido sem nenhum medo." (pág. 63/64)
"Quando conto ao meu neto casos vividos por mim, e por pessoas que me são queridas, ou que me foram passados por meus pais ou Tia Palma, não aspiro à posteridade. Bem ou mal falado, meu nome não irá além de umas poucas gerações. Pretendo apenas cuidar do meu jardim. Depois, será a vez de o mato tomar conta. Mas tudo a seu tempo.
Coleciono alguns guardados preciosos que, quando eu morrer, serão jogados fora, porque só fazem sentido para mim. A memória material deles começa e acaba em mim. Só a mim eles emocionam. Só eu lhes estimo o valor." (pág. 82)
"Acontece que família é prato difícil de preparar. Mesmo nas mãos do cozinheiro mais experiente, o doce desanda de uma hora para outra. A fofoca, súbito faz o estrago. O mexerico surpreende e desperta a fúria de quem parecia o mais pacato. Nada a fazer - há dias em que o mundo amanhece de ovo virado. O caldo entorna. E aí, mesmo em casas onde há fartura e sobra pão, todos berram sem razão. Por isso, quando há bolo na família, nunca ponho fermento. Deixo passar o tempo. E o que hoje parece tão sério, breve passará a fazer parte das reminiscências, das conversas de mesa, da horinha da saudade. Mas que, no momento, machuca, ah, machuca." (pág. 108/109)
"Breve tocará o sinal e o Professor Deus tomará a minha prova. Tantas questões por responder." (pág. 124)
"Tia Palma acha engraçado o nome 'Pão de Açúcar'. Que ideia! De onde será que tiraram isso?! Espanta-se por eu saber que foram os tupinambás, primeiros habitantes da região, que o batizaram de 'Pau-nh-açuquã' que, em tupi-guarani, quer dizer 'morro alto, isolado e pontudo', mas que os portugueses traduziram erradamente para 'Pão de Açúcar'. Tia Palma discorda: 'erradamente, não. Poeticamente'. Está certíssima.Já começo até a achar que o morro se parece mesmo com um bico de pão. Agora, é só esperar um pouco de neve no topo e o nome estará perfeito." (pág. 180/181)
"A felicidade desperta mais inveja que a riqueza." (pág. 250)
"Jovens, queremos o impossível, e isso é bom, porque o desatino nos dá preparo físico e fôlego para a realização de nossos sonhos. Adultos, aprendemos aos poucos a nos contentar com o possível - o sucesso possível, a saúde possível, a beleza possível, a ousadia possível - e isso é bom, porque a moderação nos vai ensinando o desapego necessário para, chegada a hora, podermos deixar a vida que é vigorosa e linda demais." (pág. 265)
"Palavra mete medo, assusta. Toda palavra. A mais inofensiva, súbito, causa estrago. Uma combinação equivocada, um tom infeliz, uma vírgula precipitada ou omissa podem significar o desastre. Palavra machuca, deixa marca. Palavra mata. Palavra deveria ficar guardada bem no fundo, no alto dos armários. Longe do alcance das crianças. E dos adultos. Palavra é arma. É preciso ter porte para usá-la." (pág. 292)
"Digo que não faz ideia do que era a vida antes da internet, da emoção ao abrirmos um envelope com notícias vindas de longe. Hoje, nem existe longe! Tudo é ali na esquina! [...] Mas, cá entre nós - e não vou falar isso para o Bernardo, que é até maldade -, é triste ser de uma época em que a única correspondência que nos chega ao escaninho são extratos bancários, contas, avisos de débito automáticos e propagandas inúteis." (pág. 312)
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
Entre assassinatos
Título: Entre assassinatos
Autor: Aravind Adiga
Páginas: 340
O autor descreve uma cidade fictícia, num período entre o assassinato de Indira Gandhi e o assassinato de seu filho, Rajiv. Os acontecimentos dessa cidade mostram os sentimentos e anseios da população em meio ao caos político existente na Índia.
O livro apresenta várias histórias independentes que retratam principalmente a situação da classe pobre do país. O mais estranho é que, apesar da extrema pobreza da população e situação desumana vivenciada pela maioria, não deixa de existir alegria e esperança.
Trechos interessantes:
"-Sabe aquele rapaz que vai de casa em casa oferecendo vinte rupias para quem lhe vender as caixas velhas de Johnnie Walker Red label? - perguntou Abbasi. - Para quem ele vende essas caixas depois?
[...]
-É claro que ele vende para o falsificador. É por isso que o Johnnie Walker Red que você compra na loja, mesmo que venha numa garrafa genuína e numa caixa genuína, é falsificado.
Abbasi falou devagar, desenhando círculos no ar com o dedo:
-Quer dizer que eu vendi a caixa ao homem que vai vender ao homem que vai falsificar a bebida e vender de volta para mim? Isso quer dizer que eu enganei a mim mesmo?" (pág. 33/34)
"Aqueles homens eram contrabandistas, ladrões de carro, gângsteres e coisas piores; mas enquanto tomassem chá juntos, nada iria acontecer com Abbasi. Essa era a cultura do Bunder. Um homem podia ser esfaqueado à luz do dia, mas nunca à noite, e nunca enquanto estivesse tomando chá. De qualquer forma, o senso de solidariedade entre os muçulmanos do Bunder havia se aprofundado desde os conflitos." (pág. 36)
"-Eu não quero causar nenhum problema para o senhor nem para os editores; eu apenas adoro livros: adoro fazer livros, segurar os livros nas mãos e vender. Meu pai ganhava a vida limpando bosta, senhor: não sabia ler nem escrever. Ele ficaria tão orgulhoso se pudesse ver que eu ganho a vida com livros." (pág. 48/49)
"Vamos simplesmente escrever toda a verdade, e nada além da verdade, no jornal de hoje. Só hoje. O dia da verdade plena. É tudo o que eu quero fazer. Pode ser que ninguém perceba. Amanhã poderemos voltar com as mentiras de sempre. Mas só por um dia eu quero comunicar, escrever e editar a verdade. Por um dia na minha vida quero ser um jornalista propriamente dito. O que o senhor diz disso?" (pág. 160)
"-Pare de dar lições na gente, seu filho da puta! - gritou.
-Quem nasce pobre neste país está fadado a morrer pobre. Não há esperança para nós, e a gente não precisa de piedade. Certamente não de você, que nunca mexeu um dedo para nos ajudar; eu cuspo em você. Cuspo no seu jornal. Nada nunca muda. Nunca vai mudar." (pág. 187/188)
"Uma placa na porta mostrava Indira Gandhi com a mão levantada e o slogan: 'Mãe Indira vai proteger os pobres.' Chenayya abriu um sorriso forçado.
Será que eles tinham enlouquecido completamente? Realmente achavam que alguém poderia acreditar que um político ia proteger os pobres?" (pág. 194)
"Numa entrega na estação ferroviária, foi beber água numa torneira; ali perto, ouviu motoristas de autorriquixá falando do colega que havia batido no cliente.
-Ele tinha direito de fazer aquilo - disse um deles. - A condição dos pobres neste lugar está ficando intolerável.
Mas eles não eram pobres, pensou Chenayya, deixando cair bastante água em seus antebraços secos; eles moravam em casa, tinham veículos. A pessoa tem que juntar alguma riqueza para poder reclamar que é pobre, pensou. Quando a gente é pobre assim, não tem nem o direito de reclamar." (pág. 197)
"-Vou lhes dizer dos ricos. Em Bombaim, no Hotel Oberoi em Nariman Point, existe um prato chamado 'Beef Vindaloo' que custa quinhentas rupias.
-Impossível!
-Sim, quinhentas! Estava no jornal em inglês de domingo. Agora vocês sabem dos ricos.
-E se você pedir o prato e depois perceber que cometeu um erro, que não gosta da comida? Pode pegar o dinheiro de volta?
-Não, mas isso não importa se você for rico. Você sabe qual é a grande diferença entre ser rico e ser como a gente? Os ricos cometem erros muitas e muitas vezes. A gente comete só um, e já era." (pág. 249)
Autor: Aravind Adiga
Páginas: 340
O autor descreve uma cidade fictícia, num período entre o assassinato de Indira Gandhi e o assassinato de seu filho, Rajiv. Os acontecimentos dessa cidade mostram os sentimentos e anseios da população em meio ao caos político existente na Índia.
O livro apresenta várias histórias independentes que retratam principalmente a situação da classe pobre do país. O mais estranho é que, apesar da extrema pobreza da população e situação desumana vivenciada pela maioria, não deixa de existir alegria e esperança.
Trechos interessantes:
"-Sabe aquele rapaz que vai de casa em casa oferecendo vinte rupias para quem lhe vender as caixas velhas de Johnnie Walker Red label? - perguntou Abbasi. - Para quem ele vende essas caixas depois?
[...]
-É claro que ele vende para o falsificador. É por isso que o Johnnie Walker Red que você compra na loja, mesmo que venha numa garrafa genuína e numa caixa genuína, é falsificado.
Abbasi falou devagar, desenhando círculos no ar com o dedo:
-Quer dizer que eu vendi a caixa ao homem que vai vender ao homem que vai falsificar a bebida e vender de volta para mim? Isso quer dizer que eu enganei a mim mesmo?" (pág. 33/34)
"Aqueles homens eram contrabandistas, ladrões de carro, gângsteres e coisas piores; mas enquanto tomassem chá juntos, nada iria acontecer com Abbasi. Essa era a cultura do Bunder. Um homem podia ser esfaqueado à luz do dia, mas nunca à noite, e nunca enquanto estivesse tomando chá. De qualquer forma, o senso de solidariedade entre os muçulmanos do Bunder havia se aprofundado desde os conflitos." (pág. 36)
"-Eu não quero causar nenhum problema para o senhor nem para os editores; eu apenas adoro livros: adoro fazer livros, segurar os livros nas mãos e vender. Meu pai ganhava a vida limpando bosta, senhor: não sabia ler nem escrever. Ele ficaria tão orgulhoso se pudesse ver que eu ganho a vida com livros." (pág. 48/49)
"Vamos simplesmente escrever toda a verdade, e nada além da verdade, no jornal de hoje. Só hoje. O dia da verdade plena. É tudo o que eu quero fazer. Pode ser que ninguém perceba. Amanhã poderemos voltar com as mentiras de sempre. Mas só por um dia eu quero comunicar, escrever e editar a verdade. Por um dia na minha vida quero ser um jornalista propriamente dito. O que o senhor diz disso?" (pág. 160)
"-Pare de dar lições na gente, seu filho da puta! - gritou.
-Quem nasce pobre neste país está fadado a morrer pobre. Não há esperança para nós, e a gente não precisa de piedade. Certamente não de você, que nunca mexeu um dedo para nos ajudar; eu cuspo em você. Cuspo no seu jornal. Nada nunca muda. Nunca vai mudar." (pág. 187/188)
"Uma placa na porta mostrava Indira Gandhi com a mão levantada e o slogan: 'Mãe Indira vai proteger os pobres.' Chenayya abriu um sorriso forçado.
Será que eles tinham enlouquecido completamente? Realmente achavam que alguém poderia acreditar que um político ia proteger os pobres?" (pág. 194)
"Numa entrega na estação ferroviária, foi beber água numa torneira; ali perto, ouviu motoristas de autorriquixá falando do colega que havia batido no cliente.
-Ele tinha direito de fazer aquilo - disse um deles. - A condição dos pobres neste lugar está ficando intolerável.
Mas eles não eram pobres, pensou Chenayya, deixando cair bastante água em seus antebraços secos; eles moravam em casa, tinham veículos. A pessoa tem que juntar alguma riqueza para poder reclamar que é pobre, pensou. Quando a gente é pobre assim, não tem nem o direito de reclamar." (pág. 197)
"-Vou lhes dizer dos ricos. Em Bombaim, no Hotel Oberoi em Nariman Point, existe um prato chamado 'Beef Vindaloo' que custa quinhentas rupias.
-Impossível!
-Sim, quinhentas! Estava no jornal em inglês de domingo. Agora vocês sabem dos ricos.
-E se você pedir o prato e depois perceber que cometeu um erro, que não gosta da comida? Pode pegar o dinheiro de volta?
-Não, mas isso não importa se você for rico. Você sabe qual é a grande diferença entre ser rico e ser como a gente? Os ricos cometem erros muitas e muitas vezes. A gente comete só um, e já era." (pág. 249)
terça-feira, 1 de agosto de 2017
Desculpem, sou novo aqui
Título: Desculpem, sou novo aqui
Autor: Carlos Moraes
Páginas: 240
O livro narra as peripécias de um ex-padre que foi tentar a vida em São Paulo. De forma romanceada o autor descreve sua própria história ao abandonar a batina, de preso político no Sul até a solidão da cidade grande.
Nessa aventura, sempre recheada de humor, o autor vai se lembrando dos conselhos dos amigos que deixou em Porto Alegre enquanto tenta se adaptar à sua nova rotina já que, para ele, tudo é novidade, desde procurar emprego até se aventurar na noite paulistana.
Trechos interessantes:
"Uma tarde, depois de mais uma entrevista frustrada, fui ao banheiro da empresa onde procurava emprego e vi no espelho um cara bastante assustado com umas franjinhas tipo pega-rapaz caindo pela testa, obra da chuva. Tive que reconhecer: eu também não contrataria aquele sujeito." (pág. 22/23)
"Nos PROCURA-SE dos jornais as vagas mais abundantes eram, por exemplo, para overloque e fresador. Por que não?, pensei. Por que não? O mundo aí se danando e eu ali, quieto no canto, fresando, overloqueando. Nem sei bem o que é isso, mas por que não?" (pág. 27)
"'Confissão de homem é como derramar um saco de pedra no chão: é abrir a boca que cai tudo. Já a de mulher é como derramar um saco de farinha: sacudindo, sempre vem mais um pouco.' O que, imagino, vale tanto para a confissão como para a vida em geral." (pág. 55)
"-Qual é, pô?
Eu só falei:
-Pois é, cara.
Não sei o que ele quis perguntar, nem direito o que eu respondi. Felizmente a comunicação moderna nos propicia esses confortos. E eu nem poderia assim sem mais citar para o Jéfferson meu salmo preferido, aquele que diz que de nada adianta levantar antes da aurora e até alta noite laborar porque o Senhor dá aos que ama enquanto eles dormem." (pág. 87)
"Um dos meus terapeutas dizia que a felicidade é silenciosa, o que muito tilinta é porque está um pouco fora de lugar." (pág. 164/165)
"-Sabe o que é um turista no fundo? Um panaca que sai por aí pra ver se alguma coisa acontece numa vida em que não está acontecendo porra nenhuma." (pág. 198)
"Lembrou que faltavam menos de 30 anos para o ano 2000 e que, segundo um amigo dele, o Bastos, as três coisas mais escassas no próximo milênio hão de ser água, silêncio e caráter." (pág. 203)
"-O que as mulheres mais sonham na vida é que a gente leve elas à loucura. Só que, no auge da loucura, o que que elas mais querem? Que você case, tenha filhos, abra um crediário no Mappin e, pelo resto da vida, não chegue em casa depois das sete. Se isso é que sonham no auge da loucura, o que não pediriam, me diz, no auge da normalidade?" (pág. 233)
Autor: Carlos Moraes
Páginas: 240
O livro narra as peripécias de um ex-padre que foi tentar a vida em São Paulo. De forma romanceada o autor descreve sua própria história ao abandonar a batina, de preso político no Sul até a solidão da cidade grande.
Nessa aventura, sempre recheada de humor, o autor vai se lembrando dos conselhos dos amigos que deixou em Porto Alegre enquanto tenta se adaptar à sua nova rotina já que, para ele, tudo é novidade, desde procurar emprego até se aventurar na noite paulistana.
Trechos interessantes:
"Uma tarde, depois de mais uma entrevista frustrada, fui ao banheiro da empresa onde procurava emprego e vi no espelho um cara bastante assustado com umas franjinhas tipo pega-rapaz caindo pela testa, obra da chuva. Tive que reconhecer: eu também não contrataria aquele sujeito." (pág. 22/23)
"Nos PROCURA-SE dos jornais as vagas mais abundantes eram, por exemplo, para overloque e fresador. Por que não?, pensei. Por que não? O mundo aí se danando e eu ali, quieto no canto, fresando, overloqueando. Nem sei bem o que é isso, mas por que não?" (pág. 27)
"'Confissão de homem é como derramar um saco de pedra no chão: é abrir a boca que cai tudo. Já a de mulher é como derramar um saco de farinha: sacudindo, sempre vem mais um pouco.' O que, imagino, vale tanto para a confissão como para a vida em geral." (pág. 55)
"-Qual é, pô?
Eu só falei:
-Pois é, cara.
Não sei o que ele quis perguntar, nem direito o que eu respondi. Felizmente a comunicação moderna nos propicia esses confortos. E eu nem poderia assim sem mais citar para o Jéfferson meu salmo preferido, aquele que diz que de nada adianta levantar antes da aurora e até alta noite laborar porque o Senhor dá aos que ama enquanto eles dormem." (pág. 87)
"Um dos meus terapeutas dizia que a felicidade é silenciosa, o que muito tilinta é porque está um pouco fora de lugar." (pág. 164/165)
"-Sabe o que é um turista no fundo? Um panaca que sai por aí pra ver se alguma coisa acontece numa vida em que não está acontecendo porra nenhuma." (pág. 198)
"Lembrou que faltavam menos de 30 anos para o ano 2000 e que, segundo um amigo dele, o Bastos, as três coisas mais escassas no próximo milênio hão de ser água, silêncio e caráter." (pág. 203)
"-O que as mulheres mais sonham na vida é que a gente leve elas à loucura. Só que, no auge da loucura, o que que elas mais querem? Que você case, tenha filhos, abra um crediário no Mappin e, pelo resto da vida, não chegue em casa depois das sete. Se isso é que sonham no auge da loucura, o que não pediriam, me diz, no auge da normalidade?" (pág. 233)
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