Título: Tocaia Grande
Autor: Jorge Amado
Páginas: 506
Natário é o capataz da fazenda Atalaia, uma grande propriedade cacaueira do sertão da Bahia, de propriedade do Coronel Boaventura. Ao realizar uma tocaia para atender aos "interesses" do Coronel, Natário achou que o local era adequado para o desenvolvimento de uma cidade. Dessa ideia surgiu um povoado que, dadas as circunstâncias, recebeu o nome de Tocaia Grande.
O livro relata a evolução da cidade, desde a primeira picada aberta até tornar-se uma cidade de fato. Começando como pouso de tropeiros, Tocaia Grande demorou muitos anos para se firmar como um povoado e depois como cidade. Para isso, muitos nomes foram extremamente importantes como o Capitão Natário, o turco Fadul, o negro Tição, além das prostitutas que faziam a vida no local. Tocaia Grande prosperou, mas não sem sacrifício.
Trechos interessantes:
"Ouvidos à escuta, tentando distinguir rumor de passos em meio à comoção da borrasca - o zunido do vento, o estrondo do trovão, o barulho medonho da queda de um pé de pau atingido pelo raio -, encharcados, cobertos de lama, distribuídos por detrás das árvores, no alto da colina, os cabras esperam, tensos. Habituados ao tempo longo das tocaias, temperados no perigo e na luta, íntimos da morte, ainda assim não conseguem impedir incômoda sensação de agonia diante da fúria da natureza, o fim do mundo. Procuram manter a calma, controlar o sobressalto; medo maior sentem de Natário: da intempérie poderão escapar com vida, de bala do capataz nem por milagre." (pág. 26)
"Chegado ao Brasil há quinze anos, Fadul viera para trabalhar e enriquecer. Enriquecer é a meta de todos os homens, para alcançá-la Deus lhes dá alma e inteligência. Uns cumprem à risca o mandato do Senhor, ganham dinheiro e se estabelecem, outros não conseguem; alma pequena, inteligência curta ou tão-somente pouca disposição para o trabalho, preguiça, malandrice." (pág. 39)
"Não cabia discussão: lavra nenhuma no mundo se compara à do cacau, nenhuma compensa tanto e tão rapidamente. Plantar cacau é o mesmo que semear ouro em pó para colher barrotes." (pág. 47)
"Dali não arredaria pé: nem por conselho de doutor, nem por ameaça de jagunço, nem por engodo de mulher. Ainda não nascera fêmea capaz de obrigá-lo a desistir, de mudar o curso do destino. Quem perde a cabeça por mulher a ponto de abandonar o uso da razão acaba na penúria, objeto de riso e de debique, avacalhado." (pág. 83)
"Com o filho doutor ali à mão, o Coronel não mais precisaria utilizar os serviços de outros bacharéis para cuidar-lhe os interesses nos fóruns e cartórios, tampouco depender de terceiros a quem eleger para cargos de confiança, a quem delegar comandos. Ficava a salvo de aleives e falsidades, de surpresas: assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por isso andam sempre juntos, de mãos dadas." (pág. 117)
-[...]O que é que tu pensa? Que isso aqui é uma cidade? Isso aqui é uma tapera com uma bodega, quatro putas e com nós no barracão do Coronel: é cada um por si e Deus por todos. Se tu quiser, fica aqui com nós que nada vai assuceder.
Caminhou até junto à porta onde Bernarda estava aflita e tensa e lhe disse sem rancor:
-Mas se tu não quiser ficar, se arresolver se matar pelo turco, pode ir. Nós não sai daqui. Se eles vier nós ensina eles com quantos paus se faz uma cangalha. A gente só tem uma vida e uma morte pra gastar." (pág. 167)
"Cada vivente, por mais miserável e despossuído, por mais coitado e sozinho, tem direito a uma quota de alegria, não há sina que seja inteira de amargura. Não importa o custo, o preço a pagar. A própria Jacinta pagara preços absurdos por um capricho, a chama de um desejo. Nunca se arrependera nem mesmo quando, após fenecerem a excitação e o júbilo, a solidão medrara cinzenta e acerba. Afinal, que se leva da vida além da dolência e da ânsia, da agonia e da ventura de um xodó? Vale a pena correr o risco: por mais caro que seja o preço, será barato." (pág. 237)
"No fim da página, sob a assinatura: 'sua para sempre Maria José Batista', ela pusera uma quantidade de vírgulas, pontos finais, pontos de exclamação e de interrogação para ele espalhar na carta onde conveniente fosse." (pág. 288)
"Nos cabarés, os fazendeiros espoucavam champanha, presenteavam as comborças com anéis de brilhante, pulseiras de ouro, colares de pérolas. Para um coronel ser deveras respeitado, devia possuir casa civil e casa militar: na civil, esposa austera e religiosa, rainha do lar, devotada aos cuidados da família, aos deveres de mãe; na militar, amante vistosa e chique, posta aos trinques, boa de cama, alegre companhia, para deleite da vista e regalo do corpo e para fazer inveja." (pág. 349)
"No balcão de seu próspero negócio, Fadul Abdala ouvia os relatos assustados, os maus presságios. Todos eles, os fazendeiros, os alugados, as raparigas e o tocador de harmônica preocupavam-se com a floração das roças, os incipientes bilros nascendo nos cacaueiros, com o temporão e a safra.
Escutando, constatava que ninguém se referia ao destino dos viventes. Calculavam o montante dos prejuízos causados pela enchente do rio Cachoeira, mas com a sorte dos retirantes sem pouso e sem comida, apinhados em Ferradas, ninguém se preocupava nem deles se compadecia. (pág. 354/355)
"Zilda balançou a cabeça, em concordância: não estavam discutindo, apenas conversando. Conhecia o marido e sua maneira de pensar: quem tem mando e autoridade, tem obrigações. De nada adiantaria argumentar, menos ainda se opor. Cumprira sua parte, expusera seus temores: a ele competia decidir, a ela obedecer." (pág. 396)
"-Me disseram que Venturinha ofereceu lhe pagar o que você pedisse.
-Coronel, eu penso que todo homem tem vontade de ser dono de sua sina. Quando eu comecei a ganhar a vida, acompanhando romeiro lá no São Francisco, ouvi o povo dizer que a sina da gente tá escrita no céu e ninguém pode mudar, mas meu pensar é diferente. Acho que cada criatura tem de cuidar de si e sempre tive vontade de ser dono de mim mesmo. Servi o Coronel por mais de vinte anos: tinha dezessete quando arribei por aqui, já festejei quarenta e dois. Nunca prometi servir à viúva ou ao filho. Nem nunca ele me pediu." (pág. 444)
domingo, 3 de dezembro de 2017
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