Título: O arroz de Palma
Autor: Francisco Azevedo
Páginas: 362
O livro é um relato de Antonio, um velho de 88 anos que se emociona ao relembrar a sua história e de sua família. Seus pais eram portugueses e, quando se casaram receberam de presente de sua Tia Palma, o arroz que foi jogado sobre eles depois da cerimônia, com a crença de que era um arroz abençoado e que lhes trariam felicidade e harmonia.
Esse arroz acompanha toda a trajetória da família, passando de um para outro, menosprezado por uns, desejado por outros e assim vai. Os pais de Antonio vieram para o Brasil, tiveram aqui quatro filhos e, durante todo esse tempo, o arroz de Palma teve a sua influência sobre o desenvolvimento dessa família.
Trechos interessantes:
"Sim, ainda tenho momentos de lucidez. Meu nome é Antonio. Antonio de quê? Antonio de tudo o que vivi e passei, vivo e passo. Depois, é fácil. Passarei, como tantos já passaram, para dar espaço às vidas incontáveis que virão - certo dia, por boas maneiras, o velho vivido agradece a atenção dispensada, fecha os olhos educadamente, levanta-se e cede o lugar para o bebê que chega, qualquer um que chega. Família somos todos." (pág. 15)
"-Já é tarde. Você jantou. Viu alguma bobagem na televisão. Veio para o quarto, leu mais uns capítulos do livro de cabeceira. O sono bate. As pálpebras começam a pesar. Agora, você quer é dormir. Está de banho tomado, dentes escovados, camisola limpa, nova muda de roupa de cama. O colchão com o lençol esticado apetece. Podem convidá-la para o que for, a melhor festa, o programa mais animado, ver o amigo ou o filho mais querido, conhecer a cidade que você sempre sonhou, comer o doce especial, fazer a antiga extravagância, o sexo mais arrebatado. Nada seduz. Nada será capaz de lhe tirar aquele soninho gostoso. Você se dá por satisfeita, está de bem com a vida. Tem certeza de que será uma noite tranquila. Enfim, quer mesmo é apagar a luz e dormir. E você dorme. E você se entrega ao desconhecido sem nenhum medo." (pág. 63/64)
"Quando conto ao meu neto casos vividos por mim, e por pessoas que me são queridas, ou que me foram passados por meus pais ou Tia Palma, não aspiro à posteridade. Bem ou mal falado, meu nome não irá além de umas poucas gerações. Pretendo apenas cuidar do meu jardim. Depois, será a vez de o mato tomar conta. Mas tudo a seu tempo.
Coleciono alguns guardados preciosos que, quando eu morrer, serão jogados fora, porque só fazem sentido para mim. A memória material deles começa e acaba em mim. Só a mim eles emocionam. Só eu lhes estimo o valor." (pág. 82)
"Acontece que família é prato difícil de preparar. Mesmo nas mãos do cozinheiro mais experiente, o doce desanda de uma hora para outra. A fofoca, súbito faz o estrago. O mexerico surpreende e desperta a fúria de quem parecia o mais pacato. Nada a fazer - há dias em que o mundo amanhece de ovo virado. O caldo entorna. E aí, mesmo em casas onde há fartura e sobra pão, todos berram sem razão. Por isso, quando há bolo na família, nunca ponho fermento. Deixo passar o tempo. E o que hoje parece tão sério, breve passará a fazer parte das reminiscências, das conversas de mesa, da horinha da saudade. Mas que, no momento, machuca, ah, machuca." (pág. 108/109)
"Breve tocará o sinal e o Professor Deus tomará a minha prova. Tantas questões por responder." (pág. 124)
"Tia Palma acha engraçado o nome 'Pão de Açúcar'. Que ideia! De onde será que tiraram isso?! Espanta-se por eu saber que foram os tupinambás, primeiros habitantes da região, que o batizaram de 'Pau-nh-açuquã' que, em tupi-guarani, quer dizer 'morro alto, isolado e pontudo', mas que os portugueses traduziram erradamente para 'Pão de Açúcar'. Tia Palma discorda: 'erradamente, não. Poeticamente'. Está certíssima.Já começo até a achar que o morro se parece mesmo com um bico de pão. Agora, é só esperar um pouco de neve no topo e o nome estará perfeito." (pág. 180/181)
"A felicidade desperta mais inveja que a riqueza." (pág. 250)
"Jovens, queremos o impossível, e isso é bom, porque o desatino nos dá preparo físico e fôlego para a realização de nossos sonhos. Adultos, aprendemos aos poucos a nos contentar com o possível - o sucesso possível, a saúde possível, a beleza possível, a ousadia possível - e isso é bom, porque a moderação nos vai ensinando o desapego necessário para, chegada a hora, podermos deixar a vida que é vigorosa e linda demais." (pág. 265)
"Palavra mete medo, assusta. Toda palavra. A mais inofensiva, súbito, causa estrago. Uma combinação equivocada, um tom infeliz, uma vírgula precipitada ou omissa podem significar o desastre. Palavra machuca, deixa marca. Palavra mata. Palavra deveria ficar guardada bem no fundo, no alto dos armários. Longe do alcance das crianças. E dos adultos. Palavra é arma. É preciso ter porte para usá-la." (pág. 292)
"Digo que não faz ideia do que era a vida antes da internet, da emoção ao abrirmos um envelope com notícias vindas de longe. Hoje, nem existe longe! Tudo é ali na esquina! [...] Mas, cá entre nós - e não vou falar isso para o Bernardo, que é até maldade -, é triste ser de uma época em que a única correspondência que nos chega ao escaninho são extratos bancários, contas, avisos de débito automáticos e propagandas inúteis." (pág. 312)
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
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