Autor: Alain de Botton
Páginas: 256
O livro é um guia de viagens totalmente diferente.
Ele não mostra lugares e paisagens exóticas e nem comenta as vantagens e
motivos pelos quais você deveria conhecer este ou aquele lugar. A ideia aqui é
discutir o que leva um cidadão a escolher este ou aquele lugar para visitar ou
conhecer.
Para tanto, o autor associa cada local mencionado a
algum artista ou pensador, mostrando através de poemas, pinturas, ensaios ou
memórias, como se relacionar com os locais percorridos. É um guia de viagens
não convencional.
Trechos interessantes:
Tais circunstâncias climáticas, acompanhadas por uma
sequência de acontecimentos ocorridos na época (que pareciam confirmar a máxima
de Chamfort de que um homem deve engolir um sapo todas as manhãs para se
certificar de que não encontrará nada mais repulsivo durante o resto do dia), conspiraram
para me tornar fortemente suscetível à chegada inesperada, no fim de uma tarde,
de um folheto publicitário grande e repleto de ilustrações coloridas intitulado
“Sol de Inverno”. Na capa, via-se uma fileira de palmeiras, muitas envergadas,
numa praia de areia clara orlada por um mar azul-turquesa, contra um pano de
fundo de colinas nas quais eu imaginava cachoeiras e alívio para o calor à
sombra de árvores frutíferas perfumadas. As fotografias me lembraram as
pinturas do Taiti trazidas por William Hodges após sua viagem com o capitão
Cook, mostrando uma lagoa tropical à luz suave do entardecer, na qual mocinhas
nativas e sorridentes brincavam despreocupadas (e descalças) em meio a uma
vegetação exuberante, imagens que provocaram espanto e admiração ao serem
exibidas na Royal Academy, em Londres, no rigoroso inverno de 1776 — e que
continuaram a servir de modelo para cenas de idílio tropical, como aquelas nas
páginas de “Sol de Inverno”. (pág. 16)
Qual é a necessidade de se locomover quando uma
pessoa pode viajar tão maravilhosamente sentada numa cadeira? Já não estava em
Londres, com seus cheiros, seu clima, seus cidadãos, sua comida e até seus
talheres dispostos ao redor dele? O que poderia encontrar lá, senão novas
decepções? (pág. 19)
Nossa capacidade de extrair felicidade de objetos
estéticos ou de bens materiais parece, na verdade, depender de forma crítica da
satisfação prévia de uma série mais importante de necessidades emocionais ou
psicológicas, entre elas compreensão, amor, comunicação e respeito. Não
apreciaremos — não somos capazes de apreciar — jardins tropicais luxuriantes e
encantadores chalés de madeira à beira-mar quando um relacionamento com o qual
estamos comprometidos subitamente se revela impregnado de incompreensão e
ressentimento. (pág. 32)
“A vida é um hospital em que cada paciente está
obcecado com a ideia de mudar de cama. Este quer sofrer em frente ao radiador,
e aquele imagina que melhoraria se estivesse junto à janela”. Baudelaire,
contudo, não se envergonha de estar entre os pacientes. “Sempre me parece que
estarei bem onde não estou, e essa questão sobre o deslocamento ocupa perenemente
minha alma”. (pág. 40)
Voltamos há pouco de um passeio pelo cemitério de
Highgate. Que deturpação grosseira da arquitetura egípcia e etrusca! Como é
limpo e ordeiro! As pessoas ali sepultadas parecem ter morrido usando luvas
brancas. Detesto pequenos jardins ao redor de túmulos, com canteiros bem
cuidados e flores desabrochando. Essa antítese sempre me pareceu ter saído de
um romance ruim. Em matéria de cemitérios, gosto dos decrépitos, decadentes,
arruinados, cheios de espinhos ou ervas crescidas e onde uma vaca fugida de um
prado vizinho venha pastar tranquilamente. (pág.85/87)
No Egito, a mais insolente liberdade de conversação é
cultivada por pessoas de ambos os sexos e de todas as camadas da sociedade, até
mesmo pelas mulheres mais virtuosas e respeitáveis. De pessoas da melhor
educação ouvem-se, com frequência, expressões tão obscenas que caberiam somente
num bordel da pior espécie, e as mulheres mais requintadas, sem nenhuma ideia
de serem indecorosas, tratam, na presença de homens, de certos temas e coisas
que muitas prostitutas em nosso país provavelmente se absteriam de mencionar.
(pág. 88)
Desde a adolescência, Flaubert insistiu que não era
francês. O ódio ao seu país e ao seu povo era tão profundo que transformou em
motivo de zombaria sua própria condição civil. Assim, ele propôs uma nova
maneira para estabelecer a nacionalidade de alguém: não em função do local de
nascimento ou da vinculação de sua família, mas de acordo com os lugares pelos
quais a pessoa se sentia atraída. (pág. 97)
Humboldt modificou os parâmetros desse conhecimento.
Ele viajou quinze mil quilômetros pelos litorais do norte e pelo interior,
recolhendo, em seu caminho, 1.600 plantas e identificando seiscentas novas
espécies. Redesenhou o mapa da América do Sul com base em dados colhidos por
cronômetros e sextantes precisos. Pesquisou o magnetismo da Terra e foi o
primeiro a descobrir que a intensidade magnética diminui com o distanciamento
dos polos. Deixou o primeiro relato das árvores produtoras da borracha e da
quina. Mapeou os rios que formam as bacias do Orinoco e do Negro. Mediu os
efeitos da pressão atmosférica e da altitude na vegetação. Estudou os rituais
de parentesco das populações da bacia amazônica, deduzindo os vínculos entre a geografia
e as características culturais. Comparou o grau de salinidade da água nos
oceanos Pacífico e Atlântico e concebeu a ideia das correntes marítimas,
reconhecendo que a temperatura do mar é determinada mais pelas correntes do que
pela latitude. (pág. 105)
Mas por que o prazer? Por que buscar esse sentimento
de insignificância — e até sentir prazer com ele? Por que abandonar o conforto de Eilat,
juntar-se a um grupo de apreciadores do deserto e caminhar quilômetros com uma
mochila pesada pelas margens do golfo de Aqaba para chegar a um lugar de rochas
e silêncio, onde é necessário esconder-se do sol como um fugitivo, à sombra
escassa de pedras gigantescas? Por que contemplar com exultação, não desespero,
camadas de granito, tórridos soalhos de cascalho e a lava congelada de
montanhas, estendendo-se a distância até que os picos se dissolvam no horizonte
de um céu azul e endurecido?
Uma das respostas é que nem tudo mais poderoso do que
nós será invariavelmente detestável. Aquilo que desafia nossa vontade pode
provocar raiva e ressentimento, mas também pode despertar assombro e respeito.
(pág. 165)
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