Autor: Pedro Bandeira e Guido Carlos Levi
Páginas: 240
Achei fantástica a ideia do livro: desentranhar a causa mortis dos
gênios da música e tratá-las como se fossem mistérios que pudessem ser
elucidados pelo grande Sherlock Holmes. E devo acrescentar que o resultado foi
primoroso e nos encanta e diverte ao mesmo tempo.
Os temas foram bem escolhidos e, melhor ainda, bem trabalhados,
assemelhando-se muito às histórias de Sherlock Holmes. Cada “morte” dos gênios
divide-se em duas partes: na primeira é apresentada a “elucidação do crime” por
Holmes e Watson e, na segunda, um grupo de médicos adeptos das histórias de
Holmes se reúne para discutir o caso.
Trechos interessantes:
— Eu não preciso ter estado presente ao ato de um crime, Watson —
explicava-me ele. — Basta que me sejam relatados dois detalhes da ocorrência,
ainda que separados e distantes, mesmo que do passado, para que a lógica do meu
raciocínio trace a linha reta que unirá esses dois pontos e me apontará o
culpado. (pág. 12-13)
— Um absurdo, Watson! Para ouvir de novo a ária de alguma ópera, ou
uma sonata de Beethoven, ou alguma peça de Liszt, ou uma polonaise de Chopin, tenho de esperar que algum solista, ou alguma
orquestra se compadeçam de mim e apresentem-se no Royal Opera House, no King’s
Theatre, no Drury Lane, ou no Covent Garden! Por que a inventividade britânica
ainda não nos ofereceu alguma forma de ouvir de novo uma música que nos tenha
encantado? (pág. 37)
Todos ergueram suas taças, menos Sheila, que cruzou os braços.
— Humpf... Esse vinho é também a maior parte da conta que teremos que
pagar!
As risadas continuavam, mas De Amicis, um cardiologista calmo, de fala
mansa e pausada, tinha a virtude de conseguir a atenção de todos, mesmo sem
erguer a voz.
— Beba, cara Sheila! Um tinto de qualidade, para alegrar seu coração!
De corações eu entendo, minha querida colega. Até mesmo figurativamente! (pág.
66)
Os ousados começam, mas só os
determinados terminam! (pág. 84)
— Continuamos com problemas nas colônias, cavalheiros, especialmente
na Índia... E as providências do primeiro-ministro não estão trazendo os
resultados esperados. Pelo jeito devemos aguardar para breve uma mudança no
gabinete, não lhe parece, senhor Shaw?
— Que seja breve mesmo, senhor Holmes. Porque, na minha opinião, as fraldas e os políticos devem ser trocados
com frequência. E pelo mesmo motivo! (pág. 91)
— Brilhante, senhor Holmes! O senhor não se contentou com as
explicações óbvias do inspetor. Nada mais perigoso do que o óbvio. Nenhuma
pergunta é tão difícil de responder quanto aquela cuja resposta é óbvia! Como
sempre digo, um vencedor é aquele que sai em busca de oportunidades e, se não
as encontra, ele as cria! (pág. 96)
— [...] Lembro-me de ter assistido a uma aula na faculdade de música,
na qual um famoso maestro destacara os três B – Bach, Beethoven e Brahms — como
os maiores gênios da História da Música. E eu, um simples ouvinte, ousei
interpelá-lo, protestando pela exclusão de Mozart. O maestro sorriu, encarou-me
docemente e respondeu: “Meu jovem, todos aceitamos que Bach, Beethoven e Brahms
foram gênios imensos, mas sem perder sua característica humana. As partituras
de Beethoven, por exemplo, mostram inúmeras alterações e correções, enquanto as
de Mozart contêm um mínimo de anotações, como se a arte nele brotasse pronta,
irretocável, contínua e naturalmente, desde a infância até o último minuto de
sua vida. Mozart foi mais que um ser humano. Mozart foi... foi um anjo! Ninguém
se compara a ele, como não se comparam discursos com sonhos, como não se
comparam seres humanos com anjos...” (pág. 117/118)
— Freud?! O criador da psicanálise? Sigmund Freud?
Com os olhos fixos no recém-chegado, Holmes entusiasmava-se.
— Ele mesmo! Parece ter adivinhado nossa discussão sobre a loucura,
meu caro Watson. Como o restaurante está lotado, vamos convidá-lo à nossa mesa!
Meu coração de médico provinciano saltou-me do peito.
— Imagine, Holmes! Um homem importante como ele! Esse professor já é
um mito! Ele pode nos ignorar!
— Bobagem, Watson — argumentou meu amigo —, os grandes gênios costumam
ser indivíduos humildes, pois têm consciência do grão de areia que somos no
universo. São na verdade modestos, como eu! (pág. 171)
Freud e Holmes entendiam-se perfeitamente, pois a língua alemã era uma
das muitas que meu amigo dominava, embora eu deva confessar que desse idioma eu
não entendia nenhuma palavra. E como pode eu, sem nada entender da língua
alemã, estar relatando o que foi conversado naquela ocasião? E eu respondo: É
mesmo! Como eu pude? Mas deixemos de lado esses detalhes e continuemos a
narrativa, pois o que eu pensava naquela hora é que o mundo seria bem mais esclarecedor
se todos falassem inglês. (pág. 172)
— Interessante, herr
Holmes... perdoe-me a franqueza de um psicanalista, mas essa é a minha Ciência.
Sabe que o dedo médio é considerado um órgão sexual? E que também é certo que o
fornilho do cachimbo signifique um perfeito símbolo da vagina com o fumo no
papel dos pelos pubianos? Assim, qualquer psicanalista que tivesse lido meus
escritos poderia dizer que esse seu gesto lascivo de apertar o fumo no fornilho
do cachimbo com o dedo médio, como se acariciasse um clitóris, é uma típica
demonstração de carência de sexo...
Holmes franziu suas peludas sobrancelhas e, estendendo o olhar para o
médico, devolveu a provocação:
— Verdade? Por outro lado, em seus escritos, o senhor informa que o
charuto é o mais óbvio dos símbolos fálicos. Assim, como poderia ser
interpretada sua maneira de preparar o charuto, envolvendo-o e umedecendo-o
dentro da boca?
Freud não se deu por achado.
— Às vezes, herr Holmes, um charuto é apenas um charuto.
— E quase sempre, professor Freud, um cachimbo é apenas um cachimbo!
(pág. 183-184)
— [...] Para pescar o peixe, meu caro amigo, não precisamos saber em
que ponto do lago ele se encontra. Basta jogar a isca e esperar que ele morda!
(pág. 217)