quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Palavras envenenadas


Título: Palavras envenenadas
Autor: Maite Carranza
Páginas: 264

Bárbara é uma jovem de 15 anos que, de repente, desaparece de casa e não se tem mais notícias dela. Quatro anos depois, a mãe ainda sofre muito pois não sabe se a filha está viva ou morta. Nenhuma mensagem foi enviada, a polícia não tem pistas e a cada dia aumenta mais o desespero da mãe, ansiosa por uma definição sobre a situação de sua filha.

Confesso que não esperava muito do livro e, no entanto, ele me surpreendeu. A leitura é ágil, intrigante e precisa. A história é fácil de acompanhar e, a cada capítulo, o leitor vai conhecendo um pouco mais da vida de Bárbara e de sua família. O final do livro também foi muito bem desenvolvido. Em suma, uma ótima leitura.

Trechos interessantes:

Não há nada pior do que conviver com a incerteza, lamenta. Os vivos enterram os que faleceram e choram. Levam flores na sepultura e fazem visitas no dia de Finados. Mas ela não sabe se Bárbara está viva ou morta. Não sabe se deve chorar e passar pelo período de luto ou se deve manter viva a chama da esperança. Esta dúvida, este ir e vir constante, foram-na corroendo. Contudo, é orgulhosa e não suporta que tenham pena dela. (pág.21)

Confundiu o desejo com a educação. Não se educa os filhos com permissividade absoluta, o psiquiatra a recriminou quando ela explicou sua culpa recorrente. Não se pode confiar no critério dos filhos quando estão em formação. Os pais devem impor limites. (pág. 27)

Não há nada comparado à tranquilidade de viver sem esperar nada do futuro, desfrutando dos pequenos momentos, livre de estresse, de obrigações, de sonhos, de desejos, de culpa. (pág. 38)

—Existem pessoas — disse-me, — que jamais provaram essas migalhas de felicidade. — Eu me senti afortunada e agradeci o gesto. Nunca havia pensado no valor de um passeio, da delícia do ar quente da noite de verão, do prazer de um banho ou do gosto de sentar-se à mesa e comer uma omelete de batatas. Quando temos todas essas coisas, não damos valor. (pág. 55)

Um belo dia não me dirigia a palavra e eu não sabia por quê. Eu quebrava a cabeça, pensando o que havia feito, ou o que poderia tê-lo ofendido e perguntava a ele, mas me maltratava com seu silêncio, muito mais agressivo que seus golpes. Isso me irritava, e eu suplicava que me dissesse o que eu havia feito, que me falasse, que gritasse. Eu me dei conta de que, sem palavras, os humanos se transformam em bestas e perdem a sensatez. Era um castigo desumano. Preferia que me batesse, o mal era imediato, saía sangue, apareciam hematomas, meus ossos rangiam, mas depois ele limpava meus machucados com álcool, aplicava iodo, cuidadosamente fazia os curativos e sorria. (pág. 89/90)

Ter fome e não poder comer é morrer um pouco a cada minuto, a cada segundo. O corpo me avisava que tinha de lutar para não desfalecer. Olhava meus braços, cada vez mais magros, as pernas esqueléticas, as costelas que podiam ser contadas uma a uma e o ventre enterrado entre os ossos da pélvis. Lembrava histórias de náufragos que bebiam sangue de seus companheiros, de soldados que comiam vísceras dos mortos, de sobreviventes na neve que haviam se alimentado de cadáveres. Eu não me espantava com nada, porque a fome era tão terrível que qualquer coisa que aparecesse seria permitida. Teria matado por um prato de macarrão. A comida ocupava o epicentro de minha vida e se transformava no motor, na justificativa, na única obsessão doentia. Sonhava com o arroz que minha mãe cozinhava aos domingos, com o prato de sopa na casa de meus avós às quintas-feiras, com os lanches de presunto que eu levava todas as manhãs para a escola e que, às vezes, jogava no lixo. (pág. 150)

Pensava que, se não falasse, não existiria. As coisas que não são nomeadas são esquecidas ou desaparecem. Por isso, era tão difícil eu explicar a minha situação para alguém. (pág. 155)

A guilhotina sempre me deu pânico, embora digam que é uma invenção moderna, muito humanitária, porque proporciona uma morte doce e rápida. Isso, claro, é uma afirmação teórica, comentada pelos que não morreram e é repetida porque ouviram alguém dizendo, mas nunca pediram a opinião de um cadáver despedaçado. "Como foi a morte?" "Foi rápida?" "Você sofreu muito?" (pág. 183/184)

—Sabe qual é a diferença entre um viciado e um doente? — pergunta com um tom diferente de voz. Espera uns instantes que parecem eternos. —Que o viciado pode se curar a qualquer momento, e o doente, não. É tão simples como estalar os dedos e dizer chega. Acabou. (pág. 228)

—De repente você vê tudo o que estava escuro, o que ficava na sombra, impreciso, escondido, exatamente como um filme de fotografia antigo que não significa nada até que as imagens não sejam reveladas. E ali onde parecia haver manchas, aparecem as imagens, no lugar em que se sempre estiveram, mas fora do alcance do olho humano. De um momento para o outro fica nítido, claro, reconhecível. (pág. 228/229)

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