Título: Palavras envenenadas
Autor: Maite
Carranza
Páginas: 264
Bárbara é uma jovem de 15 anos que, de repente, desaparece de casa e
não se tem mais notícias dela. Quatro anos depois, a mãe ainda sofre muito pois
não sabe se a filha está viva ou morta. Nenhuma mensagem foi enviada, a polícia
não tem pistas e a cada dia aumenta mais o desespero da mãe, ansiosa por uma
definição sobre a situação de sua filha.
Confesso que não esperava muito do livro e, no entanto, ele me
surpreendeu. A leitura é ágil, intrigante e precisa. A história é fácil de
acompanhar e, a cada capítulo, o leitor vai conhecendo um pouco mais da vida de
Bárbara e de sua família. O final do livro também foi muito bem desenvolvido. Em
suma, uma ótima leitura.
Trechos interessantes:
Não há nada pior do que conviver com a incerteza, lamenta. Os vivos
enterram os que faleceram e choram. Levam flores na sepultura e fazem visitas
no dia de Finados. Mas ela não sabe se Bárbara está viva ou morta. Não sabe se
deve chorar e passar pelo período de luto ou se deve manter viva a chama da
esperança. Esta dúvida, este ir e vir constante, foram-na corroendo. Contudo, é
orgulhosa e não suporta que tenham pena dela. (pág.21)
Confundiu o desejo com a educação. Não se educa os filhos com
permissividade absoluta, o psiquiatra a recriminou quando ela explicou sua
culpa recorrente. Não se pode confiar no critério dos filhos quando estão em
formação. Os pais devem impor limites. (pág. 27)
Não há nada comparado à tranquilidade de viver sem esperar nada do futuro,
desfrutando dos pequenos momentos, livre de estresse, de obrigações, de sonhos,
de desejos, de culpa. (pág. 38)
—Existem pessoas — disse-me, — que jamais provaram essas migalhas de
felicidade. — Eu me senti afortunada e agradeci o gesto. Nunca havia pensado no
valor de um passeio, da delícia do ar quente da noite de verão, do prazer de um
banho ou do gosto de sentar-se à mesa e comer uma omelete de batatas. Quando
temos todas essas coisas, não damos valor. (pág. 55)
Um belo dia não me dirigia a palavra e eu não sabia por quê. Eu
quebrava a cabeça, pensando o que havia feito, ou o que poderia tê-lo ofendido
e perguntava a ele, mas me maltratava com seu silêncio, muito mais agressivo
que seus golpes. Isso me irritava, e eu suplicava que me dissesse o que eu
havia feito, que me falasse, que gritasse. Eu me dei conta de que, sem
palavras, os humanos se transformam em bestas e perdem a sensatez. Era um
castigo desumano. Preferia que me batesse, o mal era imediato, saía sangue,
apareciam hematomas, meus ossos rangiam, mas depois ele limpava meus machucados
com álcool, aplicava iodo, cuidadosamente fazia os curativos e sorria. (pág.
89/90)
Ter fome e não poder comer é morrer um pouco a cada minuto, a cada
segundo. O corpo me avisava que tinha de lutar para não desfalecer. Olhava meus
braços, cada vez mais magros, as pernas esqueléticas, as costelas que podiam
ser contadas uma a uma e o ventre enterrado entre os ossos da pélvis. Lembrava
histórias de náufragos que bebiam sangue de seus companheiros, de soldados que
comiam vísceras dos mortos, de sobreviventes na neve que haviam se alimentado
de cadáveres. Eu não me espantava com nada, porque a fome era tão terrível que
qualquer coisa que aparecesse seria permitida. Teria matado por um prato de
macarrão. A comida ocupava o epicentro de minha vida e se transformava no
motor, na justificativa, na única obsessão doentia. Sonhava com o arroz que
minha mãe cozinhava aos domingos, com o prato de sopa na casa de meus avós às
quintas-feiras, com os lanches de presunto que eu levava todas as manhãs para a
escola e que, às vezes, jogava no lixo. (pág. 150)
Pensava que, se não falasse, não existiria. As coisas que não são
nomeadas são esquecidas ou desaparecem. Por isso, era tão difícil eu explicar a
minha situação para alguém. (pág. 155)
A guilhotina sempre me deu pânico, embora digam que é uma invenção
moderna, muito humanitária, porque proporciona uma morte doce e rápida. Isso,
claro, é uma afirmação teórica, comentada pelos que não morreram e é repetida
porque ouviram alguém dizendo, mas nunca pediram a opinião de um cadáver
despedaçado. "Como foi a morte?" "Foi rápida?" "Você
sofreu muito?" (pág. 183/184)
—Sabe qual é a diferença entre um viciado e um doente? — pergunta com
um tom diferente de voz. Espera uns instantes que parecem eternos. —Que o
viciado pode se curar a qualquer momento, e o doente, não. É tão simples como
estalar os dedos e dizer chega. Acabou. (pág. 228)
—De repente você vê tudo o que estava escuro, o que ficava na sombra,
impreciso, escondido, exatamente como um filme de fotografia antigo que não
significa nada até que as imagens não sejam reveladas. E ali onde parecia haver
manchas, aparecem as imagens, no lugar em que se sempre estiveram, mas fora do
alcance do olho humano. De um momento para o outro fica nítido, claro,
reconhecível. (pág. 228/229)