Título: A menina da montanha
Autor: Tara WestoverPáginas: 336
“A trajetória real da americana que pisou numa sala de aula pela primeira vez aos 17 anos até a conquista do doutorado em Cambridge” Esta é a chamada na capa do livro e o que despertou a minha atenção. E, sem dúvida, é uma boa leitura.
Uma história “baseada em fatos reais” sempre é mais interessante de se apreciar e, nesse caso em particular, o que mais me impressionou é que se trata de uma história atual. Tivesse a história acontecido no século passado não seria de estranhar, mas é inadmissível que neste século ainda haja famílias que pensam dessa forma quanto à necessidade do estudo.
Trechos interessantes:
Pelo que diziam, não pode haver uma pessoa sem um aniversário. Eu não entendia por que não. Até mamãe resolver tirar minha certidão de nascimento, não saber o dia do meu aniversário nunca me parecera estranho. Eu sabia que tinha nascido no fim de setembro, e a cada ano eu escolhia um dia, que não caísse no domingo, porque não tem graça passar o aniversário na igreja. (pág. 35)
Afinal, recebi minha certidão de nascimento muito antes de Luke ter a dele. Quando mamãe disse às vozes ao telefone que ela achava que eu tinha nascido na última semana de setembro, elas ficaram em silêncio. Mas quando disse que não sabia exatamente se Luke havia nascido em maio ou junho, as vozes ficaram realmente exaltadas. (pág. 35)
— Faculdade é uma escola extra para quem é burro demais para aprender na primeira vez — papai falou.
Tyler olhava para o chão, o rosto tenso. Depois soltou os ombros, relaxou o rosto e levantou os olhos. Parecia que ele havia saído de si. Tinha um olhar suave, amável. Eu não via nada dele ali.
Prestou atenção em papai, que fazia um sermão:
— Existem dois tipos desses professores de faculdade. Tem os que sabem que estão mentindo e os que acham que estão falando a verdade. — Papai deu um riso forçado. — Pensando bem, não sei qual é pior, se um sincero agente dos Illuminati, que pelo menos sabe que está a serviço do diabo, ou um professor dedicado que pensa que sua sabedoria é maior que a de Deus. (pág. 55/56)
O aprendizado em nossa família era totalmente autodirigido. Cada um podia
ler o que quisesse aprender, desde que tivesse terminado suas tarefas. Alguns
eram mais disciplinados que outros. Eu era uma das mais indisciplinadas, e
quando fiz 10 anos a única matéria que tinha estudado sistematicamente era o
código Morse, porque papai insistia que eu soubesse.
— Se cortarem o telefone, seremos a s únicas pessoas no vale capazes
de se comunicar — ele dizia, embora eu não tivesse muita certeza, porque se
éramos os únicos a aprender, com quem iríamos nos comunicar? (pág. 60/61)
Ao sair do banheiro, vovó estava esperando por mim no hall.
— Lavou as mãos? — ela perguntou naquele tom doce e amanteigado.
— Não — disse eu.
Minha resposta amargou o doce na voz dela.
— Por que não?
— Não estavam sujas.
— Você sempre deve lavar as mãos depois de ir ao banheiro. (pág. 66)
— Você não ensina seus filhos a lavarem as mãos depois de ir ao banheiro? — vovó disse.
Papai engatou a marcha. Arrancando o caminhão, ele acenou dizendo:
— Eu os ensino a não mijar nas mãos. (pág. 67)
— As pessoas querem um milagre — ela disse. — Engolem qualquer coisa que lhes dê esperança, que as leve a acreditar que estão melhorando. Mas mágica não existe. Nutrição, exercícios e um estudo meticuloso das propriedades das ervas, só isso funciona. Mas, quando está sofrendo, a pessoa não aceita que é só isso. (pág. 73)
Eu sempre soube que meu pai acreditava em um deus diferente. Quando criança, eu tinha consciência de que, embora a minha família frequentasse a mesma igreja que todos na cidade, nossa religião não era a mesma. Eles acreditavam na decência; nós a praticávamos. Eles acreditavam no poder de Deus para a cura; nós deixávamos nossas feridas nas mãos Dele. Eles acreditavam na preparação para a Segunda Vinda; nós já estávamos efetivamente preparados. Desde que me lembro, sempre soube que os membros da minha família eram os únicos mórmons verdadeiros que eu já tinha conhecido. No entanto, por alguma razão, ali na universidade, naquela capela, senti pela primeira vez a imensidão da discrepância. Agora eu entendia. Eu podia estar com minha família ou com os gentios, de um lado ou de outro, mas não havia um ponto de apoio comum aos dois. (pág. 172/173)
Não me recordo se foi pedido para avaliar Judite e Holofernes, mas se pedissem tenho certeza de que teria dado minhas impressões: a calma no rosto da jovem não condizia com a minha experiência no abate de galinhas. Composta numa linguagem adequada, teria sido uma resposta fantástica, algo sobre a serenidade em forte contraponto ao realismo da cena. Mas decerto o professor não teria se impressionado com a minha observação de que “Quando a gente corta a cabeça de galinha, não dá para sorrir porque o sangue e as penas voam na boca da gente”. (pág. 176)
É estranho como a gente dá às pessoas que ama tanto poder sobre a gente, escrevi no meu diário. Mas Shawn tinha mais poder sobre mim do que eu poderia imaginar. Ele havia me definido para mim mesma, e não há poder maior do que esse. (pág. 211)
Benjamin vinha dizendo a Shawn que tinha dado um soco num sujeito por
causa de uma leve batida de para-choques na cidade. Contou que antes de descer
do caminhão para confrontar o outro motorista havia enfiado o revólver no cinto
do jeans.
— O cara não sabia no que estava se metendo — Benjamin disse rindo.
— Só um idiota leva o revólver para uma besteira dessas — disse Shawn.
— Eu não ia usar — Benjamin resmungou.
— Então não leve a arma. Assim você sabe que não vai usar. Se você leva, pode usar. É assim que são as coisas. Uma briga pode virar um tiroteio
muito rápido. (pág. 289/290)
Foi nesse estado de espírito que recebi outra carta. Tinha sido aceita para uma bolsa de estudos em Harvard. Acho que nunca recebi uma notícia com mais indiferença. Deveria estar embriagada de gratidão, porque eu, a menina ignorante que se arrastara para fora de um monte de sucata, agora tinha permissão para estudar ali, mas não conseguia invocar esse fervor. (pág. 301)
O problema de ter um colapso mental é que, por mais que seja óbvio, não é evidente para quem está tendo. “Eu estou ótima”, a gente pensa. “E daí se vi TV por 24 horas seguidas ontem. Não estou deprimida. Estou só com preguiça.” Por que é melhor pensar que está com preguiça do que pensar que está sofrendo, não sei. Mas era melhor. Mais que melhor, era vital. (pág. 313)
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