segunda-feira, 22 de julho de 2019

O machado gentil


Título: O machado gentil
Autor: R. N. Morris
Páginas: 366

Num parque de São Petersburgo são encontrados dois mortos. Um deles foi morto à golpes de machado e o outro estava enforcado, com um machado na cintura. O investigado Porfiri não acredita que o assassino tenha se enforcado por remorso e vai, de todas as formas, tentar elucidar o caso.

A contracapa do livro traz uma comparação (forçada, é claro) com Crime e Castigo e nas notas de agradecimento o autor se justifica. No cômputo geral é uma história simples, mas bem trabalhada. Vale a leitura.

Trechos interessantes:

Caminhou penosamente, atarantada, as pernas incertas e doloridas. Em um nicho no meio do lance de escada seguinte imaginou ter visto uma figura vacilante, uma forma escura em meio às sombras escuras. Eram olhos que cintilavam na escuridão ou faíscas brancas incendiando seu cérebro? Ela estava exausta, tão cansada que não era inconcebível que seus pesadelos tivessem vindo na frente para encontrá-la. (pág. 32)

“Eu combinei com sua proprietária resolver suas dívidas aqui. Isto cobrirá a dívida?” Porfiri presenteou o estudante com cinquenta rublos.
“Por que você faria isso por mim?”
“Porque eu acredito que você tem potencial para algo melhor. Mas temo que a pobreza e a fome possam conduzi-lo a atos que você lamentará.”
“Como você pode saber tanto de mim? Nós acabamos de nos conhecer.”
“Mas eu conheci alguém muito parecido com você antes.” (pág. 87)

Por fim, Porfiri voltou o olhar para Pervoiedov. De maneira extraordinária, ele sustentou o olhar sem piscar. “Há algo que você deseja dizer?”
“Muito bem, muito bem. Vou dizer. Com todo o respeito, realmente, com extremo respeito, quero que saiba que eu detesto seus métodos.”
“Naturalmente. Você é um médico. Eu sou um investigador criminal. Nós temos propósitos diferentes, afinal de contas. Mas eu lhe pergunto, como médico, você preferiria que eu empregasse os velhos métodos para extrair informações?”
“Substituir uma forma de brutalidade por outra não é progresso.” (pág. 102)

Porfiri traçou uma linha no ar com as costas da mão, o gesto de um conjurador, enquanto conferia a fila de machados pendurados. Mas, é claro, não precisava fazer isso. Podia ver perfeitamente bem onde o machado que faltava deveria estar. E também podia supor, de sua posição na hierarquia de machados, que seu tamanho era o mesmo que o do machado ensanguentado encontrado com Boria.
Fitou o espaço vazio e se questionou sobre a mente que havia escolhido aquele machado em lugar dos três outros pendurados ali. Só havia um machado menor do que aquele que havia sido levado. Era provável que houvesse sido arrebatado com pressa. Mas, mesmo assim, algum exercício de intenção deve ter estado envolvido, consciente ou inconscientemente. Por exemplo, por que o machado menor não fora levado, pois seguramente teria sido mais conveniente? O machado, ou melhor, a ausência desse machado em particular, tinha de apontar para algo. Era precisamente por causa de um detalhe como esse que o assassino se trairia. (pág. 144)

“...Você sabe, traduzir filosofia não é uma ciência exata. Como estávamos discutindo há pouco, o tradutor precisa empregar sua imaginação. Ele primeiro tem de entender o que o filósofo pretende dizer, antes de tentar transpor o significado em outro idioma. Pegue Hegel. Ele não era entendido nem mesmo pelos alemães. Ele disse: ‘Um homem me entendeu, e mesmo assim não compreendeu’. Mas é de se admirar realmente? A linguagem, o único meio que temos disponível para expressar o pensamento, está longe de ser perfeita. Podemos dizer com certeza que existem coisas para as quais não temos palavras. As palavras simplificam e reduzem o universo. Além disso, há uma gradação de ideias que não são refletidas na natureza categórica e divisiva da linguagem. Hegel mostrou, eu acho, que é possível uma ideia conter dentro de si mesma seu oposto. Uma palavra não pode fazer o mesmo. Sim, realmente”. (pág. 178/179)

Porfiri apontou uma mão, num gesto de rejeição, para os cantos do quadro. Ele olhou para Zoia. “O que elas precisam, o que todos vocês precisam, é provisão para este mundo. Se estiver preocupada com o próximo mundo, você pode rezar. Afinal de contas, a oração é de graça.” (pág. 199)

“Deixe-me apresentar isso de outro modo. Enquanto você é mantido aqui, como nosso principal suspeito, o verdadeiro assassino acreditará que está a salvo. Ele pode baixar a guarda. Pode até se revelar por algum equívoco involuntário. Se nós o libertarmos, ele sentirá que está de novo sob suspeita. É natural, é a neurose natural de um criminoso. Ele começará a desejar saber o que você disse, ou o que poderia dizer. Irá tentar estabelecer ligações. Ele atormentará o próprio cérebro, tentando lembrar-se de todas as conversas que alguma vez chegou a ter com você, até se lembrar da ocasião em que, de certo modo, deixou escapar aquele detalhe incriminador.”
“E se eu não conhecer esse sujeito?”
“Oh, não tenha ilusões, meu amigo. O assassino é um conhecido seu. Alguém que você conhece, alguém que o conhece.” (pág.206)

Os olhos do menino se arregalaram no rosto manchado de carvão. “Assassinato!”
“Sim.”
“Há uma recompensa?”
“Você terá a satisfação de saber que cumpriu seu dever como um súdito leal do tsar.”
“Isso não é bem uma recompensa.”
“Talvez eu devesse lhe explicar como funcionam os sistemas legais. Não se trata de ganhar recompensas por fazer seu dever, e sim de ser penalizado por não cumpri-lo. Se você não me der a informação que exijo, eu posso prendê-lo.” (pág. 209)

“Agora eu realmente já ouvi bastante dessa cansativa tolice. O fato é, Porfiri Petrovitch, que eu não poderia ter sido o assassino de Boria, ou de Goriantchikov. Eu estava a mil verstas daqui, em Optina Pustin. Se você tivesse se dado ao trabalho de conferir meu álibi, teria se poupado o embaraço de fazer estas acusações absurdas e bastante infundadas.”
“Eu conferi seu álibi. Sempre suspeito das pessoas que se dão ao trabalho de produzir um álibi antes de serem acusadas de qualquer coisa, como você fez.” (pág. 345)

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