Autor: Francis Maziere
Páginas: 326
Este livro foi lido às vésperas da minha viagem à
Ilha de Páscoa. Estava à procura de algo que fugisse do tradicional encontrado
na internet e eis que me deparo com este livro antigo. Ele foi escrito em 1965
e apresenta uma ilha bem diferente do aspecto comercial e turístico que se verifica
hoje.
O pesquisador Maziere, sua esposa e tripulação chegam
à Ilha de Páscoa no início de 1963 e ali permanecem por quase dois anos,
fazendo suas pesquisas arqueológicas e tentando decifrar os grandes mistérios
da ilha. Durante esse tempo torna-se amigo dos habitantes locais e, com a ajuda
deles, embrenha-se em cavernas, grutas, vulcões, praias e, principalmente, identifica
e cataloga as grandes estruturas presentes na ilha (moais). Mas como estas
estátuas foram deslocadas pela ilha é um mistério que ainda perdura até hoje.
Trechos interessantes:
“Meio mundo nos separa de Paris, onde tínhamos visionado o rosto desta
ilha, e, no entanto, como noutro qualquer lugar, uma pequena bandeira, uma
igreja, casas híbridas—dir-se-ia um bilhete-postal ilustrado de férias falhadas
se o sol e o canto das vagas não nos restituíssem a vida, a verdadeira vida da
ilha.” (pág. 22)
“Tenho pressa de encontrar uma casa qualquer onde possa repousar, e por
isso aceito o primeiro convite que me é feito. Aliás, todos os indígenas, ao
mesmo tempo, nos querem receber, oferecer as suas casas, tão miseráveis, mas
tão belas, apesar da sua pobreza. Durante os nove meses que íamos passar nesta
ilha só viveríamos entre os indígenas, o que seria maravilhoso.” (pág. 25)
“Pequeno território isolado, esquecido, prisioneiro, estas coisas, que
noutro lugar seriam burlescas, são autenticamente trágicas. A lei do silêncio e
do despotismo foi imposta a estes polinésios, que anseiam por viver livremente
e que merecem toda a atenção daqueles para quem o racismo é um crime. Até nesta
ilha, totalmente isolada, povoada de polinésios perdidos, o espírito dos
conquistadores deixou pesados resíduos, cujo cheiro a mofo é por vezes
insuportável. No entanto, dos sobreviventes da ilha ninguém fala. E eles, por
sua vez, também não falam de si próprios.” (pág. 30/31)
“’Reina nesta ilha uma miséria tal que ninguém poderá falar em transição
de um estado primitivo para a nossa civilização. A Ilha de Páscoa, desprezada
pelos chilenos ou desastrosamente dirigida pelos elementos que para lá são
enviados, não caiu em decadência—apodreceu, pura e simplesmente, no meio de uma
miséria sem solução’.” (pág. 47)
Ao recordar-me destas duas primeiras provas de amizade e coragem dos
indígenas, é meu dever refutar violentamente as afirmações de muitos autores
que, tendo apenas passado alguns dias ou meses na ilha e sem coragem para
admitirem certos factos perturbantes, se desculparam do insucesso dos seus
trabalhos escrevendo as coisas mais indelicadas acerca dos indígenas, os quais,
evidentemente, nunca poderão responder-lhes e defender-se.
Os homens da ilha, quando souberem ler e possuírem um bilhete de
identidade, chorarão de vergonha por aqueles que os acusaram de ladrões e
mentirosos e às suas mulheres de volúveis...” (pág. 140)
“É difícil imaginar a silhueta impressionante dessas estátuas, sempre
dominando e fitando a aldeia. Com as costas voltadas para o mar, esses gigantes
parecem querer manter os homens cativos sobre este rochedo do fim do mundo.
Desproporção grandiosa, que recorda a força religiosa com que, ao esculpirem
esses gigantes, estes homens se ultrapassaram a si próprios.” (pág. 148)
“Esta ilha conheceu a morte de duas faces: a época da morte violenta, das
guerras, das epidemias, em que os cadáveres já não eram enterrados, mas
simplesmente escondidos no ponto mais profundo das criptas de lava, e a morte
durante o período de acalmia, quando os homens, pouco numerosos, tomaram posse
da ilha e ergueram as estátuas.” (pág. 162)
“Por vezes, as estátuas, ao soltarem-se da rocha, caíam em cima de veios
de escórias ou de traquito, o que tornava a obra impossível ou a desfigurava. Veem-se
assim na pedreira várias estátuas abandonadas por essa razão.
Quando a cabeça, as orelhas e o corpo estavam terminados, começava a
parte mais difícil do trabalho, que consistia em cavar o dorso para poder
separar da rocha o corpo da estátua. Através de um movimento côncavo, os
escultores, de um lado e do outro, roíam literalmente o dorso do gigante, até
este ficar preso à rocha apenas por uma monstruosa espinha dorsal, que dava a
impressão de uma quilha de navio, seguindo-se então o trabalho mais delicado, o
qual consistia em fazer saltar essa quilha sem que a estátua se quebrasse.”
(pág. 179/180)
“Um dos problemas que mais tem preocupado os arqueólogos que estudam a
Ilha de Páscoa consiste em saber como foram as estátuas transportadas até aos ahu, alguns situados a muitos quilômetros
da pedreira. Este problema nunca foi resolvido, e mesmo os trabalhos da
expedição norueguesa de 1956 não lhe deram nenhuma solução. De facto, o moai que Heyerdall tentou deslocar nada
provou:
1.º Porque é dos mais pequenos e foi arrastado, por meio de cordas, num
terreno muito especial, que só existe em Anakena, constituído por areia fina, sem
nenhuma aspereza de rochas.
2.º As estátuas maiores, deslocadas para os ahu, atingem as vinte toneladas, mas o problema não tem comparação
se se pensar que, na generalidade, o terreno era constituído por uma imensa
camada de lava fendida. Para o problema foram dadas muitas explicações, sendo
umas delirantes, outras dificilmente válidas.” (pág. 185)
“— Bem, sabes, estava cansada de trabalhar, de ir sem cessar a cavalo em
busca de reabastecimentos. Então fui visitar o señor governador e perguntei-lhe se não poderia ter, como os
chilenos, carne de vaca e leite.
‘— Leite? Impossível! Está reservado para os filhos dos militares’—respondeu
ele.
E é verdade! As crianças de cor da Ilha de Páscoa não têm direito a beber
leite. Isto em 1964!
— E para se conseguir carne, temos de ir inscrever-nos às seis horas da
manhã: três quilos por família e para toda a semana. Mas nós somos vinte a
comer!” (pág. 234)
“Só faço uma pergunta, e faço-a para que este livro possa permanecer.
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