sábado, 1 de setembro de 2018

Fantástica Ilha de Páscoa



Título: Fantástica Ilha de Páscoa
Autor: Francis Maziere
Páginas: 326

Este livro foi lido às vésperas da minha viagem à Ilha de Páscoa. Estava à procura de algo que fugisse do tradicional encontrado na internet e eis que me deparo com este livro antigo. Ele foi escrito em 1965 e apresenta uma ilha bem diferente do aspecto comercial e turístico que se verifica hoje.

O pesquisador Maziere, sua esposa e tripulação chegam à Ilha de Páscoa no início de 1963 e ali permanecem por quase dois anos, fazendo suas pesquisas arqueológicas e tentando decifrar os grandes mistérios da ilha. Durante esse tempo torna-se amigo dos habitantes locais e, com a ajuda deles, embrenha-se em cavernas, grutas, vulcões, praias e, principalmente, identifica e cataloga as grandes estruturas presentes na ilha (moais). Mas como estas estátuas foram deslocadas pela ilha é um mistério que ainda perdura até hoje.

Trechos interessantes:

“Meio mundo nos separa de Paris, onde tínhamos visionado o rosto desta ilha, e, no entanto, como noutro qualquer lugar, uma pequena bandeira, uma igreja, casas híbridas—dir-se-ia um bilhete-postal ilustrado de férias falhadas se o sol e o canto das vagas não nos restituíssem a vida, a verdadeira vida da ilha.” (pág. 22)

“Tenho pressa de encontrar uma casa qualquer onde possa repousar, e por isso aceito o primeiro convite que me é feito. Aliás, todos os indígenas, ao mesmo tempo, nos querem receber, oferecer as suas casas, tão miseráveis, mas tão belas, apesar da sua pobreza. Durante os nove meses que íamos passar nesta ilha só viveríamos entre os indígenas, o que seria maravilhoso.” (pág. 25)

“Pequeno território isolado, esquecido, prisioneiro, estas coisas, que noutro lugar seriam burlescas, são autenticamente trágicas. A lei do silêncio e do despotismo foi imposta a estes polinésios, que anseiam por viver livremente e que merecem toda a atenção daqueles para quem o racismo é um crime. Até nesta ilha, totalmente isolada, povoada de polinésios perdidos, o espírito dos conquistadores deixou pesados resíduos, cujo cheiro a mofo é por vezes insuportável. No entanto, dos sobreviventes da ilha ninguém fala. E eles, por sua vez, também não falam de si próprios.” (pág. 30/31)

“’Reina nesta ilha uma miséria tal que ninguém poderá falar em transição de um estado primitivo para a nossa civilização. A Ilha de Páscoa, desprezada pelos chilenos ou desastrosamente dirigida pelos elementos que para lá são enviados, não caiu em decadência—apodreceu, pura e simplesmente, no meio de uma miséria sem solução’.” (pág. 47)

Ao recordar-me destas duas primeiras provas de amizade e coragem dos indígenas, é meu dever refutar violentamente as afirmações de muitos autores que, tendo apenas passado alguns dias ou meses na ilha e sem coragem para admitirem certos factos perturbantes, se desculparam do insucesso dos seus trabalhos escrevendo as coisas mais indelicadas acerca dos indígenas, os quais, evidentemente, nunca poderão responder-lhes e defender-se.
Os homens da ilha, quando souberem ler e possuírem um bilhete de identidade, chorarão de vergonha por aqueles que os acusaram de ladrões e mentirosos e às suas mulheres de volúveis...” (pág. 140)

“É difícil imaginar a silhueta impressionante dessas estátuas, sempre dominando e fitando a aldeia. Com as costas voltadas para o mar, esses gigantes parecem querer manter os homens cativos sobre este rochedo do fim do mundo. Desproporção grandiosa, que recorda a força religiosa com que, ao esculpirem esses gigantes, estes homens se ultrapassaram a si próprios.” (pág. 148)

“Esta ilha conheceu a morte de duas faces: a época da morte violenta, das guerras, das epidemias, em que os cadáveres já não eram enterrados, mas simplesmente escondidos no ponto mais profundo das criptas de lava, e a morte durante o período de acalmia, quando os homens, pouco numerosos, tomaram posse da ilha e ergueram as estátuas.” (pág. 162)

“Por vezes, as estátuas, ao soltarem-se da rocha, caíam em cima de veios de escórias ou de traquito, o que tornava a obra impossível ou a desfigurava. Veem-se assim na pedreira várias estátuas abandonadas por essa razão.
Quando a cabeça, as orelhas e o corpo estavam terminados, começava a parte mais difícil do trabalho, que consistia em cavar o dorso para poder separar da rocha o corpo da estátua. Através de um movimento côncavo, os escultores, de um lado e do outro, roíam literalmente o dorso do gigante, até este ficar preso à rocha apenas por uma monstruosa espinha dorsal, que dava a impressão de uma quilha de navio, seguindo-se então o trabalho mais delicado, o qual consistia em fazer saltar essa quilha sem que a estátua se quebrasse.” (pág. 179/180)

“Um dos problemas que mais tem preocupado os arqueólogos que estudam a Ilha de Páscoa consiste em saber como foram as estátuas transportadas até aos ahu, alguns situados a muitos quilômetros da pedreira. Este problema nunca foi resolvido, e mesmo os trabalhos da expedição norueguesa de 1956 não lhe deram nenhuma solução. De facto, o moai que Heyerdall tentou deslocar nada provou:
1.º Porque é dos mais pequenos e foi arrastado, por meio de cordas, num terreno muito especial, que só existe em Anakena, constituído por areia fina, sem nenhuma aspereza de rochas.
2.º As estátuas maiores, deslocadas para os ahu, atingem as vinte toneladas, mas o problema não tem comparação se se pensar que, na generalidade, o terreno era constituído por uma imensa camada de lava fendida. Para o problema foram dadas muitas explicações, sendo umas delirantes, outras dificilmente válidas.” (pág. 185)

“— Bem, sabes, estava cansada de trabalhar, de ir sem cessar a cavalo em busca de reabastecimentos. Então fui visitar o señor governador e perguntei-lhe se não poderia ter, como os chilenos, carne de vaca e leite.
‘— Leite? Impossível! Está reservado para os filhos dos militares’—respondeu ele.
E é verdade! As crianças de cor da Ilha de Páscoa não têm direito a beber leite. Isto em 1964!
— E para se conseguir carne, temos de ir inscrever-nos às seis horas da manhã: três quilos por família e para toda a semana. Mas nós somos vinte a comer!” (pág. 234)

“Só faço uma pergunta, e faço-a para que este livro possa permanecer.
Que sucedeu a esses pascoanos que, há anos, têm fugido da ilha em pequenas pirogas, sem víveres, sem nada, preferindo a morte, para tentarem chegar ao Taiti, a mais de cinco mil quilômetros? E porque se arriscam assim a morrer?” (pág. 314)

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