terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A estrela sobe

Título: A estrela sobe
Autor: Marques Rebelo
Páginas: 220

Leniza é uma garota pobre, que mora no subúrbio somente com a mãe e que tem um sonho desde criança: tornar-se cantora de rádio. No início, quando ainda era um sonho, aquele era, na sua imaginação, um mundo de glamour e satisfação e o fato de pertencer a este mundo garantia a realização de todos os seus desejos.

Mais tarde, quando passou de sonho a possibilidade, ela viu que era preciso mais do que apenas talento para alcançar aquele patamar. Mas, como era seu sonho, batalhou para isso. E, enquanto subia artisticamente, os seus valores morais iam caindo progressivamente. Ao chegar ao topo, não encontrou aquela alegria que ela imaginava.

Trechos interessantes:

"Mas sempre era uma espécie de liberdade andar na rua, não ter horas certas, conversar com este, conversar com aquele, conhecer gente, ver passar gente (por que se encontram nas ruas criaturas às quais, por um sorriso, um piscar de olhos, uma inclinação de cabeça, nos sentimos imediatamente ligados, confundidos os destinos e os desejos, e que passam, e em noventa por cento dos casos, nunca mais vemos?)" (pág. 26/27)

"Uma das habilidades (do diabo) consiste em nos apresentar como triunfos, as nossas derrotas." (pág. 72)

"O tique-taque do relógio aumentava ainda mais o silêncio. Lembrou-se das palavras ouvidas num silêncio assim, na casa pequena da Rua da América. Parecia que as estava ouvindo novamente, martelando o silêncio, tornando o silêncio maior, mais doloroso, mais ameaçador. 'Não devia perdoar. Eu só tenho te ajudado na vida. Você se esquece, você finge esquecer. Tenho sempre te ajudado nos momentos mais difíceis, dia e noite, sem uma queixa, tolerando tudo, suportando tudo. Nunca reclamei nada. Nada! Nada! Mas assim também é demais, Martin. Demais, passa da conta. O que os olhos não veem, o coração não sente, mas eu sempre vi tudo, Martin. Tudo, tudo!'" (pág. 102)

"Leniza levantou-se e encaminhou-se atrás dele para o mostruário, que ficava no fundo da comprida sala. -São muito caros?
Ele vergou-se, num gesto galante.
-Depende do que a senhorita chama caro...
-Sempre chamei caro a tudo que custa muito dinheiro, ué...
-Aí é que erra, se me perdoa dizê-lo. Custa caro o objeto cujo preço não corresponde à sua utilidade. Ora, não pode haver nada mais barato do que um rádio, porque não há objeto mais útil do que ele. É o mundo em casa. Informa, diverte, instrui." (pág. 119)

"Era lamentável como cantora, e, fato raro no meio, tinha perfeita consciência disso. 'Mas onde chego, abafo', dizia mostrando os dentes miraculosamente claros e iguais. E era verdade. A sua graça pessoal, a sua beleza muito retocada e o seu corpo tentador - e o que se propalava dos seus vícios! - faziam transformar a sua mediocridade vocal numa completa sedução, que ela sabia explorar com um tino admirável." (pág. 134)

"Sentia-se miserável,imunda, escória humana,campo de todos os pecados, lama, pura lama. Mas subira. Dois ou três degraus na escada do mundo. Via que já estava num plano bem acima, algumas figuras já ficavam menores, a miséria escondia-se já numa bruma longínqua. Mas precisava subir mais, sempre mais, custasse o que custasse." (pág. 154)

"[...]
-Tuas mãos não dizem isto...
-Mentem.
-Não acredito.
-Você sempre duvidou de todas as verdades e acreditou em todas as mentiras." (pág. 177)

"As horas correm. Cinco horas. Sua mãe apareceu com um prato de mingau. Entregou-lhe o prato olhando para o teto. Como o aceitou, como conseguira engoli-lo? E a mãe ao lado, esperando que ela terminasse. Oh, quão penosa era a presença da mãe! Como imaginar que um coração tão bom tivesse ficado tão duro, tão hostil, tão distante?" (pág. 216)

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