domingo, 15 de dezembro de 2019

O diplomata e o agente funerário


Título: O diplomata e o agente funerário
Autor: Jacinto Rego de Almeida
Páginas: 188

O livro veio para comprovar a minha insignificância como leitor. Li-o todo e não encontrei uma parte que me tocasse ou que pelo menos eu encontrasse algum significado. Não sei se o fato de ser um autor português ou um estilo no qual não me identifico, o certo é que não era o que eu imaginava, tendo em vista a sinopse.

Eu imaginava um livro no estilo policial, com mistérios e assassinatos a desvendar, mas não. O autor passeia por tantos assuntos que o título do livro tem importância quase nula na história, sendo mencionado quase “en passant”. Há ainda um excesso de termos sexuais vulgares, que poderiam ser omitidos sem prejuízo da história.

Trechos interessantes:

Depois acrescentou que na Estrela um homem poderia encontrar a mulher dos seus sonhos e por isso era um lugar caro, aliás não poderia ser de outra forma. Tudo conversa fiada, é um negócio de gandaia, uma casa de putas e pronto, pensou Sabino. E parece que o Barreiros experimentou todas as mulheres, uma a uma. A Rosinha é do tipo que não se importa com as aventuras do marido, desde que o dinheiro cresça. É uma mulher prática. Há outras que, ao contrário, não se importam se o marido perde dinheiro nos negócios, faz hipotecas, se tem contas bancárias que elas desconhecem, só não querem que ele foda com outra mulher. “São maneiras diferentes de ver as coisas”, disse Sabino, baixo, para si próprio. (pág. 28)

“As pessoas é que cometem irregularidades, não as instituições”. (pág. 45)

Em São Paulo crê-se que a qualquer hora, do dia ou da noite, há sempre uma mulher disposta a fornicar por dinheiro, e que num raio de dez quilómetros de qualquer lugar em que uma pessoa esteja há sempre alguém armado até os dentes, talvez com armas pesadas, a pensar em assaltar ou matar alguém. (pág. 46)

Ser recordado, uma ambição de todos os escritores, pensei. (pág. 71)

Ocorreu-me uma frase de Brendan Behan, famoso autor teatral galês e grande beberrão que disse, certa vez, que uma civilização se mede pela qualidade do seu pão e das suas prostitutas. (pág. 78)

Os bandidos fazem parte do património de uma nação, tanto quanto os escritores, os artistas plásticos, os empresários... (pág. 127)

“Uma lição básica de sobrevivência aqui é nunca ser apressado a ponto de escolher a primeira mulher que nos atrai”, fez uma pausa e continuou: “nem parvo o bastante para achar que as melhores mulheres vão ficar a noite inteira a desfilar à nossa espera”. (pág. 142)

Não sou um homem experiente com mulheres, a vida levou-me a que me dedicasse a outras tarefas. Enquanto Freud e os seus seguidores ajudaram a difundir a ideia de que o sexo domina todos os actos da vida, Marx fez crer que a economia é parte inseparável da vida do homem. Sou mais Marx. O apetite sexual, embora comece no berço, parece que no acto de mamar no peito da mãe, na maioria das pessoas começa a diminuir muito cedo, quer como intenção, quer como prática. Para grande parte das pessoas com cerca de cinquenta anos, o sexo já é assunto de menor relevo para as suas vidas e elas vivem até aos oitenta anos, em média. Já o processo económico começa no útero, há úteros ricos e pobres, e acompanha o sujeito até depois da morte. No caixão, na tumba e na missa. (pág. 158)

domingo, 1 de dezembro de 2019

A ilha dos cães


Título: A ilha dos cães
Autor: Rodrigo Schwarz
Páginas: 128

O livro faz uma versão da fase final da vida de Sir Richard Francis Burton, escritor e antropólogo britânico. Aqui, Burton naufraga e vai parar numa ilha com um único companheiro, por sinal, cego. Burton tenta escrever a história das civilizações inca, asteca e maia, mas preocupa-se porque ninguém irá ler.

Não é uma história linear, com começo, meio e fim. Ela oscila entre a história de Burton e os textos que ele está escrevendo e as conclusões cabe ao leitor determiná-las.

Trechos interessantes:

Levando em conta o grande número de expedições das quais participara e de livros que lera, Burton surpreendia-se com sua inabilidade para entabular conversações. Invariavelmente, via-se desprovido de assuntos ou de uma maneira de encaixá-los no diálogo. Conversar, para ele, era como dispor de milhares de soldados, sendo possível levar apenas uma dezena para a guerra; e nunca a tropa de elite. (pág. 10)

Às vezes, Montezuma achava ser essa a maior serventia dos soberanos: cultivar crânios por todo o império. (pág. 29)

Fui deixado aqui, com todos os instantes de minha vida, só que as atividades em que gostaria de gastá-los estão fora de meu alcance. Longe do que gostaria de estar realmente fazendo, toda essa imensurável quantidade de segundos serve apenas para pavimentar o pios dos infernos. (pág. 57)

Às vezes fazemos coisas com as quais não conseguimos conviver, mas continuamos convivendo. Para tanto, há toda uma área cercada em meu cérebro, em que não me atrevo a pisar, sendo contornada constantemente. (pág. 63)

Já faz quase um ano que Isabel recebeu a notícia do naufrágio do Polka Tuk, calculo. Provavelmente se encontra em Londres, trajando um vestido negro. Ela não deve fazer um juízo tão pesado sobre mim. Afinal, sou um homem morto, e falecer é a maneira mais eficiente de alguém elevar-se no conceito das outras pessoas. (pág. 64)

Conduzindo o prisioneiro, Hokan não sentiu medo. Mesmo confuso em relação à identidade do homem, achava impossível ser ele um guerreiro inca. Um povo sem escrita própria não dominaria a de outra civilização. (pág. 84)

Era uma terra povoada por homens grandes, de vastas cabeleiras e pele translúcida. Talvez devido ao afiado frio daquela região possuíssem pelos em lugares estranhos, como no peito, na barriga e no rosto. Foi-lhes dada a alcunha de vikings pelos povos que se consideravam mais civilizados, e que, na verdade, também cometiam barbaridades; porém, eram dotados da habilidade de legitimar essas atrocidades tecendo insondáveis falácias. (pág. 88)

Escritor nenhum pode levar uma pessoa à depressão ou a uma vida miserável; essas, sim, responsáveis por alguém desejar tirar a própria vida. Considero também levianos os ataques contra John Milton, em relação aos seus revolucionários escritos pós-divórcio. Ninguém que faça parte de um casamento feliz cogitaria desfazer sua união por causa dos textos de Milton. Até um cego poderia ver isso. (pág. 117)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Rio 2054 - Os filhos da revolução


Título: Rio 2054 – Os filhos da revolução
Autor: Jorge Lourenço
Páginas: 376

Em 2054 o Rio de Janeiro não é mais o mesmo. Depois de uma guerra civil, a cidade agora está dividida em Rio Alfa (ou Luzes), onde, é claro, ficam os privilegiados e Rio Beta (ou Escombros), cujo nome não precisa mais de detalhes. Todos os moradores da Rio Beta sonham em, um dia, se mudar para a Rio Alfa. Miguel é uma das exceções. Sem muitas aspirações, prefere ficar por ali e melhorar as condições de vida nos Escombros.

O livro apresenta uma visão apocalíptica da Cidade Maravilhosa. Os moradores da Rio Beta são como bárbaros, tentando a todo custo se manter vivos enquanto a Rio Alfa, controlada por megaempresários, é a visão do paraíso para todo mundo. Robôs, inteligência artificial, máfia japonesa, gangue de motoqueiros e muito mais estão presentes na história. Boa leitura.

Trechos interessantes:

Isolados do resto do Brasil e sem visto para deixarem o Rio de Janeiro, os moradores da Rio Beta tinham poucas opções de ajuda. Ignorados pela abastada Rio Alfa, eles eram obrigados a lidar com o caos e a falta de comida. Uma das poucas ajudas que recebiam era a feira de terça, na qual navios alugados por comerciantes da cidade vizinha de Niterói atracavam no porto para vender alimentos a preços abaixo do mercado e dentro da realidade da pobreza local. (pág. 23)

—Não quero ser um contrabandista, Nina. Não sonho em ir pras Luzes. Nem penso em ir pra lá. Quero juntar dinheiro pra viver bem, e acho que esse negócio de venda de próteses com o Nicolas pode me dar o suficiente pra ter algum conforto. —Ele se calou por algum tempo e olhou no fundo dos olhos esquivos dela. —Seríamos como animais lá, Nina, escravos. Além disso, estaríamos fazendo parte desse ciclo de dominação.
—Mas a vida é assim. Ou você domina, ou é dominado — ela disse, desviando do seu olhar e mirando o chão. Desconfiou que Nina estivesse tentando conter o choro, mas ela continuou a falar. —E você quer viver nessa miséria pra sempre? A gente vive no cu do mundo, Miguel. O que a gente vive não é nem perto do que os mais pobres dos mais pobres vivem lá. (pág. 29)

—A vida não acerta nada, Nina. É a gente que aprende a lidar com a decepção. (pág. 33)

—As pessoas sempre usavam umas às outras em benefício próprio, fosse no amor ou na guerra, para se confortar ou para se defender. (pág. 76)

Dentro de sua cabeça, um emaranhado de caminhos tortuosos que sempre passavam por Nina e terminavam em Alice se formou. Sua ex-namorada era como parte dele, uma extensão de seu corpo sem a qual se sentia desfigurado. O problema é que, com o tempo, aquela extensão tinha mudado tanto a ponto de não conhecê-la mais. O que os ligava não era mais o amor, nem a amizade. Da parte dele, a única esperança que tinha era de que um dia ela voltaria a ser como antes, mas o que acontecia era exatamente o oposto. A estrada do amadurecimento os levou para direções opostas, tão distintas que às vezes se sentiam como estranhos um ao lado do outro. (pág. 104)

—Missão Cristã, hein? Ajudam muito vocês?
—Acho que lá no fundo nós é que ajudamos. Eles se sentem menos culpados depois de fazer uma ou duas visitas, raramente aparecem mais do que isso.
—A hipocrisia nunca morre. Essa é a verdade. (pág. 124)

Rotulado como bandido nas ruas pacatas do Andaraí, viu em Miguel o único amigo que não saiu do seu lado, o único que não julgou suas atitudes. Ele não concordava com seu novo estilo de vida, mas fazia questão de manter viva a amizade que conservavam desde pequenos. Era seu irmão, seu pilar e o único em quem confiava quando a situação apertava. (pág. 175)

[...] Kazuo sentiu que finalmente sua hora tinha chegado. Capaz de driblar tropas israelenses num ataque a uma embaixada local, assassinar um membro da SAS no centro de Londres e encurtar a carreira de um senador americano com uma bala no meio de uma convenção do Partido Democrata, cair para um grupo de narcotraficantes remelentos com cara de mendigos numa favela que mais parecia um lixão a céu aberto o revoltava. Trabalhara sempre com a perspectiva da morte, mas esperava encontrá-la com um pouco mais de glória. (pág. 190)

—Não sei explicar, mas as músicas falam de maneira diferentes comigo. Uma música romântica parece conversar com minhas paixões. Um rock pesado fala com a minha rebeldia, minhas frustrações. Algumas, no entanto, parecem dialogar diretamente com a minha alma. Quando escuto Debussy ou algo mais clássico, é como se as notas falassem com toda a minha existência. Eu sinto o coração pesado de admiração. (pág. 204)

—[...] A aceitação de dúvidas e questionamentos é aliada do conhecimento. Pelo menos essa é a conclusão que tiro da minha base de dados. Alguém certo da existência de um deus ou de uma inteligência superior, por exemplo, jamais levaria em conta afirmações contrárias e se fecharia para aquele tipo de conhecimento. O mesmo serve para o contrário. Um ateu excessivamente convicto descartaria evidências de eventos sobrenaturais, por mais claros que eles fossem. A dúvida é aliada do conhecimento. (pág.206)

—[...] Mesmo quem não acredita em macumba tem medo dela. É uma religião interessante. (pág. 213)

“O Nicolas vivia em cima de um castelo de cartas montado pelas próprias mentiras, Miguel. E já estava tão no alto que não conseguia mais descer. Ele mentia para você sobre as próteses, para a Nina, para mim, para os clientes, até para si próprio. Ele nunca esteve nem aí para ninguém, só para a ideia fixa de pegar a sua ex-namorada e levá-la numa viagem só de ida para os Escombros. Ele tinha até um bom objetivo, gostava dela, mas seguia todos os meios errados”. (pág. 288)

“Você não tem ideia de como as pessoas vivem nas Luzes e no resto do mundo. Nós vivemos hoje numa sociedade voltada para um bem-estar inalcançável, sempre atrás de uma felicidade que nunca vem. Trabalhamos em escalas cada vez mais árduas para manter o status social de um bom emprego, gastamos todo o nosso dinheiro com coisas que nós não precisamos e esperamos um momento de paz de espírito que nunca chega, a promessa de sucesso definitivo que nunca é cumprida. Diariamente, somos bombardeados por uma quantidade tão grande de informação que nossos cérebros estão entrando em curto”. (pág. 290)

“Como a humanidade é mesquinha”, pensou. “Conseguimos viver nossa ilusão de segurança normalmente enquanto tem gente passando fome bem do nosso lado. Atribuímos o bem-estar ao nosso trabalho, ao merecimento ou até à sorte. E não abrimos mão disso”. (pág.330)