quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Como eu era antes de você

Título: Como eu era antes de você
Autor: Jojo Moyes
Páginas: 320

Imagine que você esteja no auge de sua vida, bom emprego, boa situação financeira, boa saúde, com um monte de amigos, viajando o mundo inteiro, praticando um punhado de esportes e, de repente, se encontra numa cadeira de rodas, tetraplégico, sem nenhuma esperança de cura... Essa é a situação em que se encontra Will, o personagem do livro. Como ele não consegue nem se imaginar nessa nova situação, resolveu que irá se matar para por fim a esse sofrimento.

Do outro lado temos Lou, uma moça simples, com uma vida sem graça, que perde o emprego e namora um sujeito sem muita paixão. Como não arranja outro emprego, ela vai trabalhar para... Will. Quando fica sabendo da intenção da intenção que ele tem de se matar ela procura, de todos os meios, um meio de modificar essa decisão. E aí, será que ela consegue?

Trechos interessantes:

“Como explicar para aquele homem o quanto eu queria trabalhar? Ele tinha alguma ideia do quanto eu sentia falta do meu antigo emprego? O desemprego era um conceito, algo vagamente citado nos noticiários, que referia-se a estaleiros ou fábricas de automóveis. Nunca pensei que se pudesse sentir falta de um emprego como se sente de um braço ou de uma perna, algo que está sempre ali, que faz parte de você. Não imaginei que, além dos medos óbvios sobre dinheiro e futuro, perder o emprego fizesse a pessoa se sentir inadequada e um pouco inútil. Que pode ser mais difícil levantar de manhã do que quando se é brutalmente trazido à consciência pelo toque do despertador. Que você pode sentir falta dos colegas de trabalho não importando quão pouco você se identificava com eles. Ou até mesmo que você pode ficar procurando rostos conhecidos ao andar pela rua. “ (pág. 20)

“Vi primeiro a mulher. Tinha pernas longas e cabelos louros, com a pele num tom levemente dourado. O tipo de mulher que me faz duvidar de que todos os humanos pertençam à mesma espécie. Parecia um puro-sangue. Eu já tinha visto mulheres como aquela algumas vezes, costumavam subir a colina do castelo carregando crianças pequenas que pareciam ter saído de um catálogo de moda e, quando entravam no café, suas vozes eram claras como cristal e despretensiosas ao perguntarem: “Harry, querido, você quer um café? Quer que eu pergunte se fazem macchiato?” Aquela era, sem dúvida, uma mulher macchiato. Tudo nela exalava dinheiro, privilégios e uma vida que parecia sair das páginas de uma revista chique. “ (pág. 47)

“Parecia que quanto mais ele ficava em forma, mais obcecado ficava pelo próprio corpo e menos interessado em mim. Perguntei a ele algumas vezes se não gostava mais de mim e ele pareceu bem enfático.
– Você é maravilhosa – disse. – Eu só estou exausto. Mas não quero que você emagreça. Mesmo se eu juntasse os peitos de todas as garotas da academia, não daria para fazer um peito decente.
Tive vontade de perguntar de onde exatamente ele havia tirado uma equação tãocomplexamas, no fundo, era uma coisa bonita de se dizer, então deixei por isso mesmo. “ (pág. 84)

“É só que o que não se pode compreender a respeito da maternidade, até que se tenha um filho, é que não é um adulto – o deselegante, barbado, fedorento, filho teimoso – que a mãe vê diante de si, com seus recibos de estacionamento, seus sapatos não engraxados e sua complicada vida sentimental. A mãe enxerga todas as pessoas que o filho já foi ao longo da vida reunidas em uma só.
Olhei para Will e enxerguei o bebê que segurei no colo, chorosamente encantada, incapaz de acreditar que eu havia gerado um outro ser humano. Vi a criança pequena, esticando a mão para mim, o menino em idade escolar chorando de raiva porque outra criança zombou dele. Enxerguei as vulnerabilidades, o amor, a história. Era isso que ele estava me pedindo para extinguir – a criança e, ao mesmo tempo, o homem – todo aquele amor, toda aquela história. “ (pág. 101)

“Eu tinha de preencher os pequenos retângulos brancos do calendário com um monte de coisas que pudessem causar felicidade, alegria, satisfação ou prazer. Tinha de preencher os dias com todas as experiências incríveis que um homem que não mexia os braços nem as pernas não podia mais realizar sozinho. Em apenas quatro meses de retângulos, eu marcaria passeios, viagens, visitas, almoços e concertos. Tinha de usar todos os meios práticos para realizar as atividades e pesquisar bastante para tudo dar certo. “ (pág. 125)

“Sei que muitas dessas coisas exigem dinheiro, mas muitas outras, não. Além do mais, como você acha que eu ganhava dinheiro?
– Explorando as pessoas na City?
– Eu fazia o que me faria feliz e o que eu queria fazer; me preparei para trabalhar no que me permitisse fazer as duas coisas.
— Você faz isso parecer tão simples.
– Eé – disse ele. – O problema é que ainda assim é muito trabalho. E ninguém quer trabalhar muito. “ (pág. 181)

“As pessoas usavam muitas siglas nos bate-papos. Descobri que LME era lesão na medula espinhal; ITU, infecção do trato urinário; FS, forte e saudável. Vi também uma lesão em C4 e C 5 era bem mais grave do que em C11 e C12, pois muitos dos lesionados nessa última localização usavam os braços ou o torso. Havia história de amor e perda, de homens lutando para lidar com esposas deficientes físicas e lambem com filhos pequenos. Havia esposas que se sentiam culpadas por terem rezadopara que o marido parasse de espancá-la; agora ele nunca mais faria isso. Havia maridos que queriam se separar da esposa deficiente, mas tinham medo de como a imunidade reagiria. Havia exaustão e desespero e muito humor negro – piadas sobre bolsas de coleta que explodiam; atitudes bem-intencionadas, mas burras; desventuras de bêbados. Cair da cadeira parecia um tema corriqueiro. E havia ameaças de suicídio: os que queriam se matar; outros que os encorajavam a esperar, a aprender a olhar a vida de outra maneira. Li cada uma delas e me senti como se estivesse olhando para um panorama secreto de como o cérebro de Will funcionava. “ (pág. 183)

“O pior de se trabalhar como cuidadora não é o que as pessoas pensam. Não é carregar e limpar a pessoa, os remédios e os lenços de limpeza e o distante, mas de algum modo sempre perceptível, cheiro de desinfetante. Não é nem o fato de quase todo mundo achar que você faz isso porque não tem inteligência suficiente para fazer qualquer outra coisa. O pior é o fato de que, quando se passa o dia inteiro num estado de real proximidade com outra pessoa, não há como escapar do estado de humor dela. “ (pág. 204)

“Will mudou de direção. Com meus braços envolvendo o pescoço dele, afastei um pouco o rosto para olhá-lo e vi que não estava mais inseguro. Baixou o olhar para meus peitos. Para ser justa, na posição em que eu estava, não havia nenhum outro lugar para onde ele pudesse olhar. Tirou os olhos do meu decote e levantou uma sobrancelha.
– Você sabe que só deixa esses peitos tão perto de mim porque estou em uma cadeira de rodas – murmurou.
Olhei-o, firme.
– Você nunca iria olhar para os meus peitos se não estivesse numa cadeira de rodas.
– O quê? Claro que olharia.
– Não. Se não fosse cadeirante, estaria muito ocupado olhando as louras altas de pernas e cabelos compridos, que gastam uma fortuna a cada passo que dão. De todo jeito, eu não estaria aqui. Estaria servindo as bebidas lá no bar. Seria unia das pessoas invisíveis. “ (pág. 235/236)

“Você está marcada no meu coração, Clark. Desde o dia em que chegou,com suas roupas ridículas, suas piadas ruins e sua total incapacidade de disfarçar o que sente. Você mudou a minha vida muito mais do que esse dinheiro vai mudar a sua.
Não pense muito em mim. Não quero que você fique toda sentimental. Apenas viva bem. “ (pág. 317)

sábado, 1 de setembro de 2018

Fantástica Ilha de Páscoa



Título: Fantástica Ilha de Páscoa
Autor: Francis Maziere
Páginas: 326

Este livro foi lido às vésperas da minha viagem à Ilha de Páscoa. Estava à procura de algo que fugisse do tradicional encontrado na internet e eis que me deparo com este livro antigo. Ele foi escrito em 1965 e apresenta uma ilha bem diferente do aspecto comercial e turístico que se verifica hoje.

O pesquisador Maziere, sua esposa e tripulação chegam à Ilha de Páscoa no início de 1963 e ali permanecem por quase dois anos, fazendo suas pesquisas arqueológicas e tentando decifrar os grandes mistérios da ilha. Durante esse tempo torna-se amigo dos habitantes locais e, com a ajuda deles, embrenha-se em cavernas, grutas, vulcões, praias e, principalmente, identifica e cataloga as grandes estruturas presentes na ilha (moais). Mas como estas estátuas foram deslocadas pela ilha é um mistério que ainda perdura até hoje.

Trechos interessantes:

“Meio mundo nos separa de Paris, onde tínhamos visionado o rosto desta ilha, e, no entanto, como noutro qualquer lugar, uma pequena bandeira, uma igreja, casas híbridas—dir-se-ia um bilhete-postal ilustrado de férias falhadas se o sol e o canto das vagas não nos restituíssem a vida, a verdadeira vida da ilha.” (pág. 22)

“Tenho pressa de encontrar uma casa qualquer onde possa repousar, e por isso aceito o primeiro convite que me é feito. Aliás, todos os indígenas, ao mesmo tempo, nos querem receber, oferecer as suas casas, tão miseráveis, mas tão belas, apesar da sua pobreza. Durante os nove meses que íamos passar nesta ilha só viveríamos entre os indígenas, o que seria maravilhoso.” (pág. 25)

“Pequeno território isolado, esquecido, prisioneiro, estas coisas, que noutro lugar seriam burlescas, são autenticamente trágicas. A lei do silêncio e do despotismo foi imposta a estes polinésios, que anseiam por viver livremente e que merecem toda a atenção daqueles para quem o racismo é um crime. Até nesta ilha, totalmente isolada, povoada de polinésios perdidos, o espírito dos conquistadores deixou pesados resíduos, cujo cheiro a mofo é por vezes insuportável. No entanto, dos sobreviventes da ilha ninguém fala. E eles, por sua vez, também não falam de si próprios.” (pág. 30/31)

“’Reina nesta ilha uma miséria tal que ninguém poderá falar em transição de um estado primitivo para a nossa civilização. A Ilha de Páscoa, desprezada pelos chilenos ou desastrosamente dirigida pelos elementos que para lá são enviados, não caiu em decadência—apodreceu, pura e simplesmente, no meio de uma miséria sem solução’.” (pág. 47)

Ao recordar-me destas duas primeiras provas de amizade e coragem dos indígenas, é meu dever refutar violentamente as afirmações de muitos autores que, tendo apenas passado alguns dias ou meses na ilha e sem coragem para admitirem certos factos perturbantes, se desculparam do insucesso dos seus trabalhos escrevendo as coisas mais indelicadas acerca dos indígenas, os quais, evidentemente, nunca poderão responder-lhes e defender-se.
Os homens da ilha, quando souberem ler e possuírem um bilhete de identidade, chorarão de vergonha por aqueles que os acusaram de ladrões e mentirosos e às suas mulheres de volúveis...” (pág. 140)

“É difícil imaginar a silhueta impressionante dessas estátuas, sempre dominando e fitando a aldeia. Com as costas voltadas para o mar, esses gigantes parecem querer manter os homens cativos sobre este rochedo do fim do mundo. Desproporção grandiosa, que recorda a força religiosa com que, ao esculpirem esses gigantes, estes homens se ultrapassaram a si próprios.” (pág. 148)

“Esta ilha conheceu a morte de duas faces: a época da morte violenta, das guerras, das epidemias, em que os cadáveres já não eram enterrados, mas simplesmente escondidos no ponto mais profundo das criptas de lava, e a morte durante o período de acalmia, quando os homens, pouco numerosos, tomaram posse da ilha e ergueram as estátuas.” (pág. 162)

“Por vezes, as estátuas, ao soltarem-se da rocha, caíam em cima de veios de escórias ou de traquito, o que tornava a obra impossível ou a desfigurava. Veem-se assim na pedreira várias estátuas abandonadas por essa razão.
Quando a cabeça, as orelhas e o corpo estavam terminados, começava a parte mais difícil do trabalho, que consistia em cavar o dorso para poder separar da rocha o corpo da estátua. Através de um movimento côncavo, os escultores, de um lado e do outro, roíam literalmente o dorso do gigante, até este ficar preso à rocha apenas por uma monstruosa espinha dorsal, que dava a impressão de uma quilha de navio, seguindo-se então o trabalho mais delicado, o qual consistia em fazer saltar essa quilha sem que a estátua se quebrasse.” (pág. 179/180)

“Um dos problemas que mais tem preocupado os arqueólogos que estudam a Ilha de Páscoa consiste em saber como foram as estátuas transportadas até aos ahu, alguns situados a muitos quilômetros da pedreira. Este problema nunca foi resolvido, e mesmo os trabalhos da expedição norueguesa de 1956 não lhe deram nenhuma solução. De facto, o moai que Heyerdall tentou deslocar nada provou:
1.º Porque é dos mais pequenos e foi arrastado, por meio de cordas, num terreno muito especial, que só existe em Anakena, constituído por areia fina, sem nenhuma aspereza de rochas.
2.º As estátuas maiores, deslocadas para os ahu, atingem as vinte toneladas, mas o problema não tem comparação se se pensar que, na generalidade, o terreno era constituído por uma imensa camada de lava fendida. Para o problema foram dadas muitas explicações, sendo umas delirantes, outras dificilmente válidas.” (pág. 185)

“— Bem, sabes, estava cansada de trabalhar, de ir sem cessar a cavalo em busca de reabastecimentos. Então fui visitar o señor governador e perguntei-lhe se não poderia ter, como os chilenos, carne de vaca e leite.
‘— Leite? Impossível! Está reservado para os filhos dos militares’—respondeu ele.
E é verdade! As crianças de cor da Ilha de Páscoa não têm direito a beber leite. Isto em 1964!
— E para se conseguir carne, temos de ir inscrever-nos às seis horas da manhã: três quilos por família e para toda a semana. Mas nós somos vinte a comer!” (pág. 234)

“Só faço uma pergunta, e faço-a para que este livro possa permanecer.
Que sucedeu a esses pascoanos que, há anos, têm fugido da ilha em pequenas pirogas, sem víveres, sem nada, preferindo a morte, para tentarem chegar ao Taiti, a mais de cinco mil quilômetros? E porque se arriscam assim a morrer?” (pág. 314)