domingo, 28 de fevereiro de 2016

Última valsa em Viena

Título: Última valsa em Viena
Autor: George Clare
Páginas: 290

O livro - um relato biográfico do autor - narra a luta da família Klaar para fugir da perseguição de Hitler. Os Klaars eram judeus de Viena e, com a ascensão de Hitler ao poder logo começaram a sentir o ódio que o ditador tinha pelos judeus.

A maior parte do livro transcorre na adolescência de Georg Klaar (mais tarde, George Clare), quando ainda morava em Viena, mostrando sua vida, sua família e seus ideais. Ao assumir o poder, Hitler resolve acabar com os judeus, tornando a vida ali, insuportável. No fim ele consegue sair do país, mas seus pais não tiveram muita sorte e acabaram na câmara de gás. Relato triste, mas faz parte da mancha negra da história.

Trechos interessantes:

"Eu era jovem demais para entender que a pessoa nunca se livra de sua origem, que esta é uma parte essencial da identidade de cada um e deve ser valorizada, e que tudo o que se pode conseguir eventualmente é uma forma feliz de visão dupla que permite que se veja a Inglaterra e os ingleses de uma forma um pouco fora de foco, talvez, mas, ao mesmo tempo, de dentro e de fora." (pag. 14)

"Os movimentos nacionalistas adquiriram uma nova dimensão além do desejo de autodeterminação: o ódio. Os húngaros odiavam os austro-alemães, os tchecos e os croatas; os austro-alemães odiavam os húngaros acima de tudo; os tchecos odiavam todo mundo. Seguiu-se uma crise atrás da outra, um governo atrás do outro." (pág. 23/24)

"Eu nunca me esqueci da história que ele me contou a respeito do marido de tia Thalia, irmã de vovó Julie. Esse cavalheiro se deliciava em levar os filhos àquela excelente confeitaria existente em frente ao apartamento de minha avó, e que pertencia a Herr Beisiegl. Herr Teller - era esse o nome do cavalheiro - costumava sentar-se atrás da pequena mesa de mármore convencional, agrupava os filhos em volta dele e pedia café com creme batido, dois ou três bolos, ou uma outra coisa qualquer que estivesse com vontade de comer. Papai Teller tomava seu café e comia os bolos, e depois, satisfeito consigo mesmo, acendia o charuto. Durante todo esse tempo as crianças ficavam sentadas em volta da mesa, sem terem nem um copo de limonada para dividir entre si. A única festa permitida a eles era entrar na confeitaria. E eles sabiam muito bem, por experiência própria, que seu papel limitava-se a observar. Depois de bater gentilmente no estômago protuberante, Herr Teller levantava a mão direita, apontava o dedo para o filho mais velho, Erwin, e pronunciava as palavras imortais:
-Está vendo, meu caro rapaz, um dia, quando você for pai, também vai poder comer tantos bolos quanto quiser numa confeitaria." (pag. 28)

"Em My youth in Vienna, Arthur Schnitzler, o famoso escritor judeu-austríaco, cita a Resolução Waidhofer. Ela dizia:

'Todo filho de mãe judia, todo indivíduo com sangue judeu nas veias, nasce sem honra e deve, portanto, estar privado de todo sentimento humano decente. Tal pessoa não pode saber a diferença entre o que é puro e o que é sujo. Eticamente, ele é o que há de mais baixo. Segue-se daí que o contato com um judeu é desonroso; assim, qualquer contato com um judeu deve ser evitado. É impossível ofender um judeu, e portanto nenhum judeu pode exigir satisfação por qualquer insulto que possa ter recebido'." (pág. 38/39)

"A liberdade na Áustria é uma criatura heterogênea. Ela está em algum lugar entre a liberdade na Rússia e a liberdade na Alemanha. Na sua forma, ela é germânica; na sua execução, é russa. Com exceção da França e da Inglaterra, a Áustria tem, provavelmente, as leis mais liberais, tanto é assim que ela se parece muito mais com uma república que, em vez de um presidente, tem uma majestade no poder. Por infelicidade, no entanto, não se põe em prática o que é determinado pela lei, mas apenas o que convém ao inspetor de polícia responsável. Ele tem o direito de confiscar todas as liberdades garantidas pela lei, e temos razões para acreditar que ele use e abuse desse direito... Que estranho, entretanto: o governo da Áustria é tão incapaz de executar atos de justiça quanto é incapaz de executar atos de opressão; ele balança para lá e para cá - nós temos despotismo suavizado pela indolência." (pág. 72/73)

"Nem a direita nem a esquerda haviam desejado aquela matança. Mas ambas foram igualmente culpadas por envenenar a atmosfera política. O 15 de julho de 1927 não foi uma guerra civil. Foi apenas uma revolta de um dia, mas os acontecimentos desse dia desesperado tornaram inevitável a guerra civil de 1934." (pág. 113/114)

"Em tudo o que fez naquele dia, minha mãe mostrou uma profunda compreensão do seu filho de doze anos. Tentar fazer uma criança compreender que aquilo que aprende na escola é, em última análise, para seu próprio benefício e não para o bem de seus pais, nunca funciona. O que pode um conceito como 'em última análise' significar para uma criança? Ele diz respeito a um futuro que está anos à frente - e portanto a uma eternidade - do que ela pode conceber como realidade. Significa algo com uma vaga importância, em algum remoto período de tempo, compreensível do ponto de vista intelectual, mas sem sentido emocional, porque nenhuma criança é capaz de se identificar com o homem ou mulher que vai ser daí a dez anos. Mas uma criança pode identificar-se emocionalmente com os pais. O que eles sentem a respeito dela, isso é real. E a minha realidade, minha identificação, naquele dia, foi com mamãe. A mãe que tinha chorado comigo, tinha compartilhado a minha culpa, estava preparada para sacrificar por mim suas joias queridas, sobretudo por haverem pertencido à sua própria mãe, e por fim, tinha me levado ao cinema em vez de me castigar." (pág. 129/130)

"Eu sabia que tinha causado um grande sofrimento a meu pai, e apesar da fúria que sentia, percebi também quanto o amava e quanto dói ferir alguém a quem se ama." (pág. 168)

"Nunca tinha visto meu pai chorar antes, nunca tinha ouvido aquele som atormentado de dor e desespero de um homem chorando, nunca tinha presenciado aquela luta sufocada de um homem tomado pela dor que tenta recuperar o controle sobre si mesmo. Um homem, criado na crença de que chorar não é próprio de homens, não encontra alívio nas lágrimas como as mulheres encontram. Suas lágrimas não escorrem livremente dos olhos, mas saltam deles, quentes e cheias de agonia, turvando a visão e a alma." (pag. 210/211)

"[...]folheei distraidamente meu passaporte, contemplando o visto lituano, bem como o carimbo enfeitado com a suástica, feito pela seção de passaportes de Viena, e que dizia: 'Válido somente para uma viagem de ida e volta'. Todo judeu austríaco sabia que essa licença para voltar só era válida no papel. Quando se ia buscar o passaporte, era-se informado de que uma viagem de volta terminaria em Dachau, se a pessoa tivesse a audácia de voltar." (pag. 236)

"Todo mundo sabe que o simples fato de ser preso induz a vítima a um sentimento de culpa. Kafka, bem como os policiais do mundo inteiro, descobriu isso muito antes que eu, mas posso jurar que é verdade por experiência própria. Eu realmente me senti culpado - do quê, eu não sabia -, ao caminhar ao lado de Mandl sob os olhos vigilantes de dois guardas armados." (pág. 237/238)

"Meus pais tiveram de morrer porque eram judeus, porque pertenciam ao povo que deu ao mundo Jesus e um código de ética de acordo com o qual o mundo nunca foi capaz de viver.
A Igreja ensina que toda humanidade partilha a culpa pela morte de Jesus na cruz. Assim, toda a humanidade partilha a culpa pela morte de meus pais e de milhões de judeus, homens, mulheres e crianças, nas câmaras de gás." (pag. 283)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Os melhores contos de Bernardo Élis

Titulo: Os melhores contos de Bernardo Élis
Autor: Gilberto Mendonça Teles (org.)
Páginas: 174

O nome de Bernardo Élis é sempre reverenciado por ser um dos melhores escritores de nossa região. Seus contos, quase sempre utilizando a linguagem simples e natural do homem do campo, trazem à tona toda a alma e sensibilidade do povo goiano.

Aqui temos uma seleção variada e para todos os gostos, incluindo o célebre conto 'A enxada', conto este que já teve até uma versão para a TV, mas foi impedido pela censura política. Enfim, se você gosta de contos, aqui está uma ótima seleção.

Trechos interessantes:

O Quelemente, filho da velha, entrou. Estava ensopadinho da silva. Dependurou numa forquilha a caroça, - que é a maneira mais analfabeta de se esconder da chuva, - tirou a camisa molhada do corpo e se agachou na beira da fornalha." (pág. 27)

"Nesse tempo, dizia-me Anízio: - 'Na mulher a arte é bastante para redimir a prostituta; e por isso é a única forma digna de prostituição'." (pág. 36)

"Dona Rita costurava seus panos, no tarará da maquininha. Era preciso remendar e remendar sempre, fiel ao ditado: 'Remenda teu pano que durará um ano; remenda outra vez que durará um mês; torna a remendar que ainda há de durar'." (pág. 105)

"-Mas cuma é que esse pessoal veve? Num tou vendo ninguém não tocar roça, uai.
Para ela, todos deveriam fazer roça, criar bois, cavalos, porcos, tecer pano, fazer chapéu e sabão. Como não visse Reimundo fazer nada disso, tinha-o em má conta. 'Homem preguiçoso e inútil'." (pág. 107)

"-Chuva não deve de tardar - comentava capitão, espreitando o céu encardido.
-A chuva... - Neca repetia a palavra num eco, a boca seca, dente no dente. Não tinha terras para lavrar, nem gado para tratar, nem dinheiro para comprar mantimento quando viessem as colheitas. Portanto, tanto fazia chover ou não." (pág. 109)

"Mas Rosária exigia que as meninas, até que fossem dormir, dessem uma demão na labuta, que não deixassem de lavar os pés na bica, depois do que, que rezassem o padre-nosso e a salve-rainha e também o creindeuspadre, por via de uma premessa que não e d'hoje ela havera feito pra Nossa Senhora da Conceição que era madrinha de ambas as duas filhas dela. Entretanto, o tempo passando e Rosária mais a Veva e a Nhã enrolavam cumbersa mode desorientar as meninas e não permitir que elas entendessem certas coisas por causa que menina mulher é muito curioso demais de certas proveniências que só devem de ser entendidas ao seu devido tempo, mas que esse tal de Joãoboi não andava que nem o comum das gentes não porque ele não pissuía pé de gente não, ele pissuía era casco rachado tal e qual casco de boi." (pág. 123/124)

"Ela não ia deitar porque precisava terminar a colcha que principiara fazia muitos e muitos anos. Por que seria que a colcha não rendia, que tinha sempre uma coisa atrapalhando terminá-la? Até diziam que colcha de retalho a gente não deve nunca de acabar, porque no dia que a gente acaba uma colcha de retalhos, ela também acaba com a gente." (pág. 147)

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A vida secreta dos números

Título: A vida secreta dos números
Autor: George G. Szpiro
Páginas: 272

O livro apresenta 50 crônicas relacionadas à Matemática: pode ser um fato curioso, uma biografia interessante, uma pesquisa importante ou até mesmo uma curiosidade qualquer. Assim sendo, o livro é recomendado para quem tem uma certa afinidade com números. Para quem não tem, o livro se tornará muito tedioso.

As crônicas são variadas, algumas são simples, mas a maioria é bastante complexa. É um livro para ser lido com calma e tranquilidade. Para quem acha que a Matemática não tem utilidade alguma, talvez seja interessante conhecer algumas das crônicas.

Trechos interessantes:

"Futuras incorreções do calendário haviam,portanto, sido corrigidas, mas, o que fazer em relação àquelas acumuladas durante o milênio e meio que se passou desde que Júlio César introduziu seu calendário? O criativo do Papa Gregório resolveu o problema com uma tacada de mestre: em 1582, retirou 10 dias completos do calendário. Com esta solução drástica,o pontífice colhia um benefício adicional. Uma oportunidade para mostrar ao mundo e seus governantes quem era o verdadeiro senhor. Assim, na maioria dos países católicos, a quinta-feira, 4 de outubro de 1582, foi seguida pela sexta-feira, 15 de outubro." (pág. 19)

"Os russos mantiveram o calendário inalterado até a Revolução, quando foram forçados a eliminar 13 dias. A consequência curiosa é que a Revolução de Outubro ocorreu, na verdade, em novembro de 1917." (pág. 19)

"Trabalhar na teoria de primos gêmeos pode ser mais que um simples exercício intelectual, como Thomas Nicely, da Virgínia, descobriu na década de 1990. Quando buscava grandes pares de primos gêmeos, ele passou por todos os inteiros até 4 quatrilhões. O algoritmo exigia o cálculo da banal expressão x vezes (1/x). Mas, para sua surpresa, quando inseria certos números nesta fórmula, o resultado não era o valor 1 e, sim, um outro incorreto. No dia 30 de outubro de 1994, Nicely enviou uma mensagem de correio eletrônico a colegas, para informá-los que o computador consistentemente produzia resultados errados ao calcular a expressão anterior com números entre 824.633.702.418 e 824.633.702.449. Através da pesquisa com primos gêmeos, Nicely deparou-se com o notório bug do processador Pentium. Este erro custou à Intel, o fabricante, 500 milhões de dólares de indenizações - um primo exemplo (sem trocadilho) mostrando que matemáticos nunca sabem onde suas pesquisas, e erros, os levarão." (pág. 47)

É parte da vida dos matemáticos passar a maior parte do tempo sozinhos em pequenas salas, trabalhando em problemas seculares. Trabalhar nestas circunstâncias, longe do burburinho do mundo exterior, assegura um certo nível de qualidade. Como provas matemáticas somente são consideradas corretas após passarem pelo teste do tempo, alarde na imprensa é prejudicial à cuidadosa e prolongada análise de uma prova. Buscar este tipo de exposição pública é, para dizer o mínimo, inapropriado." (pág. 51/52)

"Coxeter tinha consciência de ser privilegiado e creditava a longa vida ao amor pela matemática, à dieta vegetariana, aos exercícios diários de 50 flexões de uma só vez e à grande devoção à matemática. Como disse a um colega, nunca esteve aborrecido e foi 'pago para fazer o que amava'." (pág. 99)

"Como um matemático tem a inspiração para chegar à solução de um problema investigado há anos e anos? A resposta de Specker é que isto não pode ser previsto. Uma ideia pode surgir de repente, sem mais nem menos, no meio do banho ou enquanto se faz a barba. No entanto, é importante - e ele estica o dedo para enfatizar o que diz - estar completamente relaxado. Tensão, ele insiste, é contraproducente. E mais uma coisa: nunca se deve ficar frustrado por um início falho. Muitas vezes, Specker enfatiza, um início falho contribui para pesquisa adicional ou, até mesmo, forma a base da pesquisa." (pág. 119/120)

"O fato de que muitas pessoas façam seguros para evitar riscos e, ao mesmo tempo, gastem dinheiro com bilhetes de loteria para correr riscos é um outro paradoxo, que ainda aguarda uma explicação." (pág. 199)

"Uma vez que estratégias fracas tenham desaparecido, até mesmo as estratégias bem sucedidas deixarão de prover grandes resultados, pois não haverá mais alguém para ser explorado. Portanto, as estratégias bem-sucedidas também desaparecerão, da mesma forma que predadores se tornam extintos quando não há mais presas para caçar." (pág. 247)