Autor: Marcelo Gleiser
Páginas: 416
O universo descrito de maneira simples: essa é a minha definição do
livro. O simples aqui é no sentido de “fácil entendimento”, para leigos mesmo.
O autor aborda desde as várias teses de origem do universo até os dias atuais e
as mais recentes contribuições da ciência.
O livro não deixa de ser também uma reverência a todos os cientistas
que, de uma forma ou de outra, participaram e contribuíram para ampliar e
difundir o conhecimento sobre o universo. Leitura fácil, agradável e esclarecedora.
Trechos interessantes:
Como podemos compreender qual é a origem de “tudo”? Se assumirmos que “algo”
criou “tudo”, caímos em uma regressão infinita; quem criou o algo que criou o
tudo? Como podemos entender o que existia antes de “tudo” existir? Se dissermos
que “nada” existia antes de “tudo”, estamos assumindo a existência de “nada”, o
que implicitamente assume a existência de um “tudo” que lhe é contrário. (pág.
18)
Cientistas não devem abusar da ciência, aplicando-a a situações
claramente especulativas, e, apesar disso, sentirem-se justificados em declarar
que resolveram ou que podem resolver questões de natureza teológica. Teólogos
não devem tentar interpretar textos sagrados cientificamente, porque esses não
foram escritos com esse objetivo. Para mim, o que é realmente fascinante é que
tanto a ciência como a religião expressam nossa reverência e fascínio pela
Natureza. (pág. 36/37)
Nas palavras de Cícero, “Sócrates convidou a filosofia a descer dos céus”.
Sua influência cresceu, assustando os pais dos “jovens corrompidos”, e Sócrates
foi preso e condenado à morte por envenenamento. Esse incidente serve como barômetro
do confuso clima social que reinava em Atenas no final do século V a.C.; em
404, a Guerra do Peloponeso chegou ao fim, com Atenas se rendendo a Esparta.
Dentro do grande tumulto político da época, as pessoas voltaram sua atenção
para valores espirituais mais abstratos, em busca de algum consolo. (pág. 63)
De fato, a Igreja transformou-se em um símbolo de civilização e ordem
social, oferecendo a devoção à religião como antídoto contra os “rituais pagãos
dos bárbaros”. A vidas repletas de violência, pestilência e tormentos intermináveis,
a Igreja oferecia salvação eterna no Paraíso. Seu poder era tal que, quando no
século V Átila, o Huno, queria invadir Roma, o patriarca cristão convenceu=o a
mudar de ideia, algo que nenhum exército no mundo teria conseguido. Num certo
sentido, “a Igreja conquistou seus conquistadores”. (pág. 89)
Cedendo à constante pressão de seus amigos, em abril de 1597, “sob
céus calamitosos”, Kepler casou-se com Barbara Muehleck, filha de um rico
comerciante, viúva duas vezes aos 22 anos. Sobre Frau Barbara Kepler, escreveu
que “sua mente era limitada, e seu corpo, obeso”, e que tinha um semblante “estúpido,
deprimente, solitário e melancólico”. Acho que é fácil concluir que Kepler não
era um homem muito feliz em seu casamento. Ele constantemente reclamava da ignorância
de sua mulher, d sua falta de interesse em seu trabalho e da sua mesquinharia.
Em defesa de Frau Barbara, imagino que Kepler não devia ser uma pessoa muito
agradável de se conviver, ou por quem fosse fácil sentir atração física. Fora
suas horrendas feridas e vermes nos dedos, parece que ele tomou apenas um banho
em toda sua vida. E, mesmo assim, ele reclamou que o banho o deixou doente por
dias. (pág. 118/119)
O conflito entre Galileu e a Igreja serve como uma excelente, embora
trágica, metáfora da eterna batalha entre o novo e o velho. A cega arrogância
que vem com a juventude é paralisada pela falta de flexibilidade do velho; a
impaciência e ambição do jovem chocam-se com o medo que o velho tem de ideias
novas e de suas possíveis consequências contra a sua hegemonia. A curto prazo o
velho em geral vence, o jovem recuando para repensar seu plano de ataque. Se a
força dos argumentos do jovem, contudo, for realmente grande, ele conquistará o
velho no final, forçando uma completa transformação de valores ou, pelo menos,
o início de uma transição. Embora a Igreja tenha silenciado Galileu em questões
relacionadas ao arranjo dos céus, sua vitória durou pouco. (pág. 131)
Grandes teorias não aparecem nas mentes de cientistas como por mágica,
mas tomam tempo para florir. O famoso grito de “Heureca!” é mais um grito de
alívio mental do que causado por uma súbita revelação da verdade. (pág. 167)
Para que seres vivos possam se desenvolver, é necessário que se
alimentem de produtos encontrados em seu meio ambiente, deixando para trás
restos ou excrementos desnecessários para seu metabolismo. Embora a ordem
esteja surgindo localmente (o ser vivo), globalmente (o ser vivo e o meio
ambiente) a entropia continua sempre a crescer. No final, a desordem sempre
vence. Parece deprimente? Pense na outra alternativa: um mundo com entropia
constante é um mundo sem mudanças, sem surpresas. Tudo seria ou estático ou
perfeitamente cíclico, sempre voltando ao seu ponto de partida, num movimento
que se repete por toda a eternidade. Essa, eu acredito, é uma alternativa muito
mais deprimente. O preço do novo é o declínio da ordem. (pág. 212)
Embora seja verdade que a sorte tenha tido um papel importante em
várias descobertas científicas, também é verdade que apenas a sorte jamais é
suficiente. Em geral, uma descoberta que acontece “por acaso” acontece porque o
cientista está procurando alguma coisa. (pág. 223/224)
Mudança, para melhor ou para pior, sempre demanda coragem. Abandonar
velhas ideias, que em geral nos trazem uma confortável sensação de segurança e
controle, não é nada fácil. (pág. 245)
Infelizmente, existem dois lados para tudo, inclusive para as
descobertas científicas. Como disse Sidarta Gautama, o Buda, “onde existe luz,
existe sombra”. O conhecimento pode gerar poder, e o poder é muito sedutor. A
ciência pode curar, mas também pode matar. Contudo, a alternativa, certamente,
não é desprezar a importância crucial da ciência para a sociedade. Essa atitude
seria uma viagem sem escalas para o obscurantismo, forçando nossa qualidade de
vida a regredir aos padrões miseráveis de um passado não muito distante. O
conhecimento não representa necessariamente sabedoria, mas com certeza a
ignorância nunca é uma opção razoável. (pág. 265)
Vivemos num Universo povoado por um número gigantesco de galáxias,
espalhadas pela vastidão do espaço cósmico. Nossa galáxia, a Via Láctea, é
apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente
irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e
nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo. O que temos de
especial é a habilidade de nos maravilharmos com a beleza do cosmo. (pág. 341)
Quando terminei o segundo grau, também queria ser físico. Lembro-me
dos argumentos de meu pai, cuidadosamente construídos, contra essa decisão
profissional. Preocupado com meu futuro, meu pai me perguntou se eu realmente
acreditava que alguém iria me pagar um salário decente para “contar estrelas”.
Enquanto eu tentava justificar minha decisão, meu pai continuou seu ataque, com
sua voz segura: “O Brasil precisa de engenheiros químicos”. Desisti. Talvez eu
pudesse ser o único engenheiro químico do mundo com uma foto autografada de
Einstein decorando a parede do escritório. Que honra! Talvez eu pudesse estudar
a teoria da relatividade como amador, como fiz com a música. Mas minha
autonegação não durou muito. Após dois anos de experiências desastrosas no
laboratório de química, me transferi para a física, a decisão mais feliz de
minha vida profissional. Mesmo assim, lembro-me do medo que senti antes de
tomar esse passo. Fui visitar Luiz, meu irmão mais velho (e, às vezes, mais
sábio), que estava hospitalizado com um forte ataque de hepatite. Após eu ter
exposto todos os pontos contra e a favor da minha mudança de carreira, Luiz
tocou no ponto que realmente me preocupava: “Você é bom o suficiente?”. “Hum,
eu acho que sim”, respondi, um tanto sem graça. “Então, vai fundo”. E eu fui.
(pág.351/352)
A Natureza jamais vai deixar de nos surpreender. As teorias de hoje,
das quais somos justamente orgulhosos, serão consideradas brincadeira de
criança por futuras gerações de cientistas. Nossos modelos de hoje certamente
serão pobres aproximações para os modelos do futuro. No entanto, o trabalho dos
cientistas do futuro seria impossível sem o nosso, assim como o nosso teria
sido impossível sem o trabalho de Kepler, Galileu ou Newton. Teorias
científicas jamais serão a verdade final: elas irão sempre evoluir e mudar,
tornando-se progressivamente mais corretas e eficientes, sem chegar nunca a um
estado final de perfeição. Novos fenômenos estranhos, inesperados e imprevisíveis
irão sempre desafiar nossa imaginação. Assim como nossos antepassados,
estaremos sempre buscando compreender o novo. E, a cada passo dessa busca sem
fim, compreenderemos um pouco mais sobre nós mesmos e sobre o mundo a nossa
volta. (pág. 384)