Autor:
Carlos Drummond de Andrade
Páginas: 220
Sou um
apreciador inveterado de crônicas, contos e histórias curtas e, com base nisso,
resolvi fazer uma releitura deste livro de Drummond. Infelizmente tenho uma
péssima memória e, quando faço uma releitura, só me lembro de trechos esparsos.
Mas isso tem um lado bom: aprecio as histórias como se as tivesse lendo pela
primeira vez e o resultado final acaba sendo melhor ainda.
O livro é
uma coletânea de crônicas produzidas, segundo nota do editor, nos últimos anos
da atividade lítero-jornalística do autor. O que importa é que é Drummond, ou
seja, cada crônica melhor que a outra. Difícil escolher algumas apenas, mas vou
destacar “Os amáveis assaltantes”, “O escritor responde, coitado”, “Indígete:
que é?” e “Passatempo”.
Trechos
interessantes:
“—Sinto
muito, meu bem, mas você tem de ir à cidade em meu lugar para fazer este
pagamento.
—Reginaldo!
Há anos que eu não vou à cidade, nem sei mais como andar por lá. Não pode
esperar até ficar bom da gripe?
—Pode não,
Irene. É o segundo aviso da empresa, e se eu atrasar mais uns dias a gente
perde o negócio.
—Tenho tanto
medo!
—Medo de
quê?
—Ainda
pergunta? De ir sozinha à cidade, de me perder naquela confusão, de ser
assaltada. Principalmente de ser assaltada.
—Ah, é? Para
ser assaltada você não precisa sair de casa. É o lugar preferido pelos
assaltantes.” (pág. 23)
“Apareceram
tantas camisetas com inscrições, que a gente estranha ao deparar com uma que não
tenha nada escrito.” (pág. 38)
“Hoje em dia
não há produto que não tenha, além dos comunicadores remunerados, outros
absolutamente gratuitos, e estes são maioria. Todo mundo anuncia alguma coisa,
e a camiseta é o cartaz na pele.” (pág. 40)
‘Não lhe
agrada tanto o nome de vovó. “Envelhece” — explica, mas sem ar de protesto. Em
verdade, o tempo não conta para ela. Não se diz moça, mas também não se
considera propriamente velha: “Eu vivo, e quem vive não é moço nem velho. É
vivo.” ‘ (pág. 45)
“Borboleta,
rosa e jornal vivem horas curtas, mas renascem e documentam a permanência da
vida.” (pág. 56)
“Aí
bateu-lhe a dúvida, que sempre o acompanhava no exame de qualquer matéria,
Lembrou-se de André Gide, que costumava dar razão ao opositor, pela tendência a
considerar os dois lados de uma questão. A questão tem sempre dois lados, ou
três. Ou mais. A nada autoriza a prejulgar que o meu lado é o certo. O outro
também pode estar certo, do ponto de vista do outro.” (pág. 61)
“Li há dias
que uma das fórmulas sugeridas para se chegar à normalização constitucional do
país seria o plebiscito. Mas se quase ninguém sabe o que é plebiscito, como
esperar que sai de um plebiscito a definição dos novos rumos políticos do
Brasil? Melhor seria antes fazer uma distribuição nacional de dicionários.”
(pág. 142)
“Pode
parecer, à vista do exposto, que são más as relações do colunista, cronista ou
como quer que se chame, com o público leitor. Engano, são ótimas. Quase nunca o
sol se põe sem que eu ouça de um desconhecido ou de um conhecido ou mesmo de um
amigo:
—Ontem a sua
coluna estava admirável.
Ontem foi o
dia em que não escrevi.” (pág. 194)