Autor: Sarah
Jio
Páginas: 334
O fogo que eu havia
acendido na lareira na noite anterior tinha se apagado havia muito tempo. O ar
estava frio. Extremamente frio. Coitado do Daniel, com apenas um acolchoado
para esquentá-lo. Será que ele passou frio? Eu senti calafrios só de pensar na
riqueza da cidade—quente e confortável sob milhões de plumas, comendo bolo à
meia-noite—enquanto meu olho tremia na cama em um apartamento sobre um bar de
arruaceiros, sozinho. O que há de errado com o mundo? (pág. 31)
— Eu mesmo tenho três
meninos — ele contou. – Um de cinco, um de três e outro de um ano. — Balançou a
cabeça pesarosamente — Não consigo imaginar o que seja perder um filho. Mas a
reação da minha esposa é o que me preocuparia mais. Ela jamais superaria algo
assim, isso é certo.
Concordei.
– Nenhuma mãe deveria
jamais perder um filho — eu disse, olhando fixamente para a porta à frente. – Acho que é por isso que esta história é tão importante para mim.
Até onde eu sei, esse menininho nunca mais se reencontrou com a mãe dele. Eu
quero saber o que aconteceu. (pág. 72/73)
—Vamos nos infiltrar.
Franzi a testa.
– Você sabe que eles vão nos botar no olho da rua
assim que nos virem.
– Bobagem — ela disse. — Olhe para você, com esse vestido
deslumbrante.
E era verdade. Nós estávamos vestindo nossos trajes
mais finos, e, se você olhasse de
soslaio, talvez confundisse os vestidos feitos a mão, perfeitos trajes de
jovens rebeldes, com os assinados por Coco Chanel. Mas, examinando mais de
perto, a verdade ficaria evidente: duas pobretonas de dezenove anos com um
pouco mais do que dois centavos para se virarem juntas. (pág. 86)
Na sequência, o garçom trouxe uma travessa coberta por
um estranho arranjo de moluscos repousando sobre uma manta de gelo. Uma fatia
de limão e uma seleção de molhos estavam engenhosamente dispostas em um segundo
prato. Engoli em seco.
— Primeiro — Charles começou — você espreme o limão
por cima, depois pega a casca, assim. Depois, deixa a ostra escorregar para
dentro da sua boca.
— Fácil assim?
— Fácil assim.
Então, ocorreu-me que toda essa comida extravagante
era algo muito tolo. Por que se preocupar com tudo isso sendo que você poderia
comer um belo lanche de presunto? (pág. 139)
Minha cintura parecia centímetros mais fina, aspirada
pelas elegantes roupas íntimas sob o vestido de seda azul. Meus seios
transbordavam no corpete de um modo que fazia com que eu me sentisse um peru
assado em uma bandeja, amanteigado e dourado, pronto para ser devorado. Mantive
a mão sobre o peito, pouco à vontade. (pág. 149)
— Mesmo assim — disse —, vamos guardar isto. Jogue
fora as roupas, se você preferir, mas estes tênis têm que ser guardados. — Ela
os enfiou debaixo da minha mesa. — Quando você estiver pronta, calce-os.
— Eu nunca vou estar pronta — retruquei.
— Vai sim — Abby reagiu. — Depois que meu pai morreu,
minha mãe guardou todas as roupas
dele no closet, exatamente como ele as havia deixado. Elas acumularam poeira
por três anos até que ela encontrasse forças para encará-las outra vez. Eu só
tinha treze anos, mas me lembro do dia em que ela abriu aquele armário velho e
tirou uma das camisas do cabide. Ela a pôs sobre a cama e deitou ao lado cela
por um longo tempo, chorando, lembrando-se. Precisou de muita força para fazer
isso. Força e tempo. — Ela parou para
tomar fôlego. – O que eu quero dizer é que minha mãe precisou dessa sensação de
alívio, e, se ela tivesse pedido para alguém encaixotar as roupas dele na
semana posterior à morte dele, como minha tia Debbie sugeriu, nunca teria tido
a oportunidade de encarar sua tristeza, de encontrar sua própria sensação de
alívio. — Abby segurou minha mão. — Todo mundo se aflige e se livra dos males
em seu próprio ritmo, querida. Dê tempo ao tempo. (pág. 156/157)
— Minha tia Bee sempre disse que, ao contrário do que
a maioria das pessoas pensa, a definição de um verdadeiro amigo não é uma
pessoa que te ajuda quando você está passando por maus bocados. — Ela balançou
a cabeça. — Qualquer um pode fazer isso. A verdadeira amizade, ela diz, é
quando alguém pode apreciar a sua felicidade, até celebrar sua felicidade, mesmo quando ele mesmo não está feliz.
(pág. 165)
— As pessoas acham que a riqueza compra a felicidade —
respondeu apontando na direção do gramado. — Passe uma noite naquela casa e
verá o contrário.
Olhei confusa para ele.
— Minha mãe está sempre mal-humorada — ele explicou. —
Meu pai se tranca no escritório e, quando não está lá, está no hotel. E a Josie
é, bem, a Josie. Está sempre aprontando. Quando tinha cinco anos, quase queimou
a casa toda. (pág. 225)
Ele desistiria de tudo para ficar comigo, mas eu o
amava o bastante para não deixá-lo fazer isso. (pág. 235)